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Rincon Sapiência fala sobre sua tradição de lançar músicas em dezembro

O artista paulistano lançou em 26 de dezembro “De Onde Cê Vem (Verso Livre)” e “Serenata”, em parceria com o rapper cabo-verdiano Timor YSF. Em entrevista exclusiva, o músico fala sobre os bastidores do novo trabalho e revela seus desejos para 2022

Imagem mostra o rosto de Rincon Sapiência. Ele está com brincos de argola, óculos de grau e uma touca rosa.

Foto: Imagem: Divulgação/Rincon Sapiência

27 de dezembro de 2021

O fim de 2021 para Rincon Sapiência não é sinônimo de descanso e reflexão sobre os meses que passaram, mas, sim, o último fôlego em sua produção criativa. Desde 2014, o artista lança – religiosamente – novos trabalhos em dezembro. A data escolhida pelo rapper foi o dia 26, e, para esse ano, contou ainda com uma surpresa. Para quem esperava uma nova faixa, recebeu duas: O músico paulistano lançou “O Peso das Barra”, EP de single-duplo, que conta com participação internacional e videoclipe.

A primeira música se chama “De Onde Cê Vem” e a segunda ganhou o nome de “Serenata”, e conta com a participação especial de Timor YSF, rapper cabo-verdiano. Os dois se conheceram durante um festival de Lisboa em Portugal, em 2018. A parceria rolou no retorno ao país este ano.

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Em entrevista exclusiva para a Alma Preta Jornalismo, Rincon Sapiência falou sobre a tradição de lançar músicas em 26 de dezembro.

“Tudo começou no ano de 2014, quando lancei uma faixa de verso livre, sem refrão e, naturalmente, ela foi lançada no dia 26 de dezembro. Dois anos depois, no final de 2016, aconteceram uma série de coisas, nós tínhamos o clipe pronto de ‘Ponta de Lança’, mas a data não estava definida. Achávamos que já era tarde, pensamos em adiar, mas eu decidi lançar, coincidentemente, no mesmo dia, mais uma faixa do estilo verso livre. Essa decisão de ter lançado naquele dia foi muito assertiva, pela música ter se tornado um grande sucesso e por ter proporcionado vários êxitos na minha carreira. Começou por um acaso, mas acabei me apegando pela data. No ano seguinte lancei mais uma faixa no mesmo dia e transformei em uma tradição minha. Exige muito de mim de fazer algo diferente sempre, mas é um momento que me divirto”, conta.

Assista ao clipe de “De Onde Cê Vem” + “Serenata”:

Rincon Sapiência também falou sobre a escolha das faixas, as trocas e experiência com artistas de fora, a decisão narrativa do clipe e o que deseja para o povo preto em 2022. Confira os melhores trechos da entrevista:

Alma Preta: O que marca o lançamento do EP “O Peso das Barra”? De onde surgiu essa ideia?

É um momento novo muito inspirado no funk, no medley, nesse estilo de ficar cantando sobre várias temáticas em uma mesma batida. A princípio, eu relutava em ter participações no verso livre e surgiu a ida à Lisboa para trabalho e eu estava muito a fim de deixar uma semente mais firme lá e a melhor forma de fazer isso era fazer alguma colaboração com algum artista de lá, deixar um legado mesmo, coisa que eu não havia conseguido nas outras viagens que fui. Então juntei a ideia do medley com, cada vez mais, internacionalizar o meu trabalho, e a ideia de deixar registros dos lugares que vou. Juntei tudo isso e uni a parceria com o Timor YSF e resultou nesse novo EP.

“De Onde Cê Vem”, sucesso no podcast ‘Rap Falando’ e que viralizou nas redes sociais, surgiu dali daquele momento do programa? De qual viés você partiu para falar sobre acesso, consumo, saúde mental e as críticas raciais e como faz para condensar esses assuntos?

Quando veio a ideia do podcast e que em um momento do programa o artista convidado manda seus versos, eu achei propício preparar algo e falar sobre esses temas, principalmente ligados ao rap, em relação até o caráter do programa, que fala sobre isso, além de trazer questões raciais e discutir sobre os perfis dos artistas que ganham mais e os que ganham menos. Lá eu acabei soltando as ideias que estavam frescas na minha cabeça, junto o que tinha escrito há dias atrás da performance. Entendendo que teve uma repercussão grande positivamente, dei continuidade construindo uma narrativa em cima. Depois disso, veio a ideia do EP, tudo era próximo da viagem à Portugal também, então acabei juntando tudo que estava de favorável e transformei em um material.

Interessante que na mesma faixa você diz que “O rap consegue fazer o retorno. Abrir caminho, passar o trator”. De qual retorno você fala e, para você, qual é a importância de exaltar o estilo como meio de expressão e possibilidade de acesso?

Essa parte é muito um referencial ao continente africano, porque muitos desses signos contemporâneos já eram encontrados de diferentes formas lá. É impossível falar de rap e não falar de ‘drip’, que é a vestimenta, o estilo, uma relação nossa que vem lá de trás, assim como piercings, o uso de ouro, correntes e outros elementos que já usávamos como forma de comunicação. Então, todo referencial da cultura do rap, trap e do funk, da música moderna, a gente encontro só em atravessar o atlântico, na história de lá, elementos que, ao serem identificados, eu vejo como retorno. Porém, quando não se enxerga dessa forma, as coisas passam a ser mais rasas, ao meu ver e, para cultura, acaba não sendo interessante, principalmente, racialmente falando, já que a gente tem várias questões estruturais no país, como o branco ganhando mais que o preto, o homem ganhando mais do que a mulher, esse tipo de coisa que o rap também reproduz, mas acaba não batendo a conta. O rap reproduzir isso não faz sentido, sendo que tudo que o envolve é preto. Assim, essa faixa conta com essa provocação.

Já sobre “Serenata”, sua parceria com o Timor YSF, como foi? Vocês se conheceram pessoalmente e já demonstraram a intenção em produzir algo juntos?

Na ocasião, em uma viagem que fiz em 2018, fui à um festival juntamente com o pessoal da LAB Fantasma, que armou um encontro de artistas brasileiros com artistas portugueses, e aí, como eu escuto muito material de artistas de lá, de países que falam a língua portuguesa, como Angola e Moçambique, eu o ouvi e reconheci, só não estava lembrado do nome. Com isso, no evento, eu já fui na dele direto para falar, assim, momentos antes dele ir para o palco. Mesmo em concentração, ele me respondeu, foi super receptivo e já trocamos ideia logo de cara. Dali em diante, a gente passou a se seguir nas redes sociais e seguimos em contato.

Recentemente, pensando em qual seria o artista de Portugal que eu chamaria, ele foi quem veio em mente, até por ser um artista que acompanha o meu trabalho e eu o mesmo. O retorno dele com a ideia foi muito rápida e eu viajei para encontrar ele lá. Assim que cheguei, mandei meu endereço, ele foi ao meu encontro, já mostrei duas batidas para ele e ele já começou a compor em cima. Parecia que era para ser a gente junto mesmo, pelas trocas e toda sinergia envolvida. Acabou que o Timor foi responsável por me apresentar a novos lugares, levar para estúdio também. Um anfitrião da melhor maneira possível. Fora ele ter entrado na faixa muito bem, ficou o carinho e a amizade.

Estar em contato com artistas negros de outros países, mas que compartilham de uma história que carrega traços marcantes e semelhantes aos que a gente carrega aqui, no Brasil, é de quanto impacto no seu ponto de vista?

É interessante o reconhecimento. Por exemplo, eu e Timor, assim que nos conhecemos, já conversamos sobre aquela fase de bater a cabeça, batalhar muito antes de vermos as coisas dando certo, além das experiências, vivências, as situações em que aprontamos. Então, mesmo sendo Portugal um território com melhores condições do que o Brasil, para quem é preto e filho de imigrante a história é muito parecida, o que fez nos conectarmos. Fora que lá as pessoas sabem muito sobre o Brasil, por chegar muito conteúdo da gente para lá, como as gírias, o jeito que a gente fala, muito pela chegada das novelas, o pentecostal e todo o entretenimento brasileiro que consomem.

 E a escolha narrativa do clipe que ilustra os versos das duas novas faixas. O que as pessoas podem esperar sobre as reflexões trazidas através desse combo de música e visual?

O clipe é muito de estilo de vida, já que é um registro de encontro, de estúdios, de momentos de composição, das quebradas de lá. Confesso até que pensei que a quebrada era diferente, por ser europa, euro, outra vivência de periferia, mas, chegando lá, me deparei com um lugar incrível, um local em que sua maioria é formada por pessoas negras, de várias nacionalidades, de Cabo Verde, Angola, Nigéria e mais, além de ser geograficamente muito parecido com as periferias daqui do Brasil. Me apaixonei pela atmosfera do lugar e pensei que precisava registrar aquilo. A gente saiu caminhando a noite pelo bairro, entendendo a dinâmica e gravando, sem roteiro mesmo. Isso unido à alfaiataria, moda, estilo, algo que está presente em “De Onde Cê Vem”, que, ao meu ver, no todo, ficou muito interessante.

Sobre 2022, já que estamos na reta final deste ano, o que Rincon deseja para o novo ciclo do povo preto?

Algo que a gente necessita normalmente e mais ainda agora vivendo esse período, que é saúde. Outro ponto é conseguir fazer coisas que a gente tem como protagonismo. O preto e a preta sempre querem fazer algo, contar sua história, lançar sua música, sua marca, fazer seu curso, ser protagonista da sua história. Desejo muito para comunidade isso, além de prosperidade. Saúde, por ser essencial, para estarmos firmes e em equilíbrio, além de progresso. Que a gente consiga ter isso no ano que vem.

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