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‘Falta incentivo’, diz bicampeã de surfe sobre baixa representatividade negra

Dona de uma história inspiradora, a bicampeã brasileira de surfe Suelen Naraísa fala sobre as principais dificuldades e o que falta para que mais pessoas negras se destaquem na modalidade
Suelen Naraísa diz que o surfe já foi muito marginalizado.

Foto: Acervo pessoal

31 de julho de 2024

Com dois homens e uma mulher na disputa pelas quartas de final, o surfe brasileiro tem se destacado nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Pela primeira vez na história, a modalidade levou uma equipe composta igualmente pelo número de homens e mulheres: seis atletas, sendo três no feminino (Tatiana Weston-Webb, Luana Silva e Tainá Hinckel) e três no masculino (Gabriel Medina, Filipe Toledo e João Chianca). No entanto, não há nenhum atleta negro escalado pela Seleção Brasileira de Surfe.

Uma pesquisa rápida no Google mostra diversos nomes de surfistas negros, entre eles mulheres como Suelen Naraísa, Noluthando Makalima, Tita Tavares e Danielle Black Lyons. As atletas figuram como referência e contribuição no surfe de uma maneira geral.

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Segundo a bicampeã brasileira de surfe, Suelen Naraísa, a baixa representatividade se dá por uma série de fatores. Experiente, Suelen já protagonizou embates históricos com Silvana Lima e Andrea Lopes no campeonato Super Surf, em que conquistou os dois títulos brasileiros.

Formada em Educação Física e moradora de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, Suelen acredita que hoje em dia a modalidade é muito melhor vista na sociedade do que quando ela iniciou no esporte, ainda que para as mulheres seja mais difícil trilhar o caminho.

“Comecei a surfar aos oito anos. Aos dez fiz uma pausa para tratar um câncer e pude retornar aos 13 anos. Me considero um milagre de Deus. Depois disso, voltei a competir nos circuitos municipais, no paulista. Na época, a gente só tinha uma categoria no feminino, com dominância das atletas cariocas”, relembra. 

A história de Suelen Naraísa foi retratada na série documental “Janaínas – Deusas do Mar”, do canal Off.

Em entrevista à Alma Preta, Suelen pontua que no começo de sua trajetória no surfe era muito difícil que os atletas pudessem sobreviver do esporte, principalmente as mulheres. Segundo a bicampeã brasileira, o surfe foi marginalizado por muito tempo, o que deixava para as famílias dos atletas o papel de incentivar e custear a prática esportiva.

“A minha família foi meu maior suporte. Meu irmão, Wellington Carani, foi quem me incentivou a surfar. Minha avó pagava para eu competir e minha mãe sempre dizia para eu dar o meu 100%, que não seria um estereótipo da minha cor ou do meu gênero que iria me impedir de vencer”, enfatiza. 

Falta de apoio a mulheres no surfe

Se para os homens já era difícil conseguir visibilidade no surfe, para as mulheres esse caminho é ainda mais árduo, de acordo com Suelen Naraísa. Para ela, mesmo com o aumento de pessoas interessadas no esporte – especialmente na pandemia – a falta de apoio à modalidade e às mulheres ainda deixa a desejar. 

Suelen Naraísa, bicampeã brasileira de surfe profissional (Acervo pessoal)

“As dificuldades são maiores por ser mulher. A gente precisa se impor mais. Ser mais autêntica, buscar ter voz ativa e mostrar o nosso talento verdadeiro, que não depende da cor da nossa pele ou de onde viemos”, declara. 

A surfista avalia que a falta de representatividade negra e feminina no surfe também se dá pela ausência de um trabalho de base forte, que incentive meninas a se desenvolverem no esporte. Atletas negras competentes para conquistar títulos e medalhas é o que não falta, de acordo com Suelen. 

“O que falta pra gente, na verdade, é esse trabalho de preparo para o surfe em alto rendimento. Mas acredito que em um futuro próximo vamos ter grandes atletas nas  Olimpíadas, falo em questão da mulher negra”.

Surfe não é feito só de surfistas

Atualmente, Suelen Naraísa dá aula de surfe na praia do Itamambuca, em Ubatuba. Com esse contato próximo a pessoas dos mais diferentes níveis no esporte, ela salienta que a representatividade negra no surfe não deve se limitar apenas para quem está em cima das pranchas, e sim, para a equipe que faz o surfe acontecer: atletas, técnicos, professores, patrocinadores e até mesmo jornalistas especializados. 

(Acervo pessoal)

“Acredito que os dirigentes nacionais e internacionais devem abrir um pouco mais os olhos.  Não sei se eles mesmo sentem falta dessa representatividade. Fica aí o meu alerta para que se talvez nunca sentiram falta de ver negros relacionados ao surfe, comecem a sentir e perceber que é interessante eles mesmos darem atenção ao assunto”, aponta Suelen.

Apaixonada por esportes de uma forma geral, Suelen Naraísa acredita que para os Jogos Olímpicos de Paris, a equipe brasileira de surfe tem chances reais de trazer uma medalha para casa, especialmente pela familiaridade que a seleção brasileira tem com o mar taitiano. 

“A onda de Teahupo’o é uma onda em que nossos atletas representam muito bem, seja no masculino ou no feminino. A gente tem chance de medalha nas duas categorias. Estou aqui na torcida e independente de medalha ou não, quem já foi atleta sabe toda dedicação, o que todo atleta abdica para participar das maiores competições do mundo”, conclui.

  • Caroline Nunes

    Jornalista, pós-graduada em Linguística, com MBA em Comunicação e Marketing. Candomblecista, membro da diretoria de ONG que protege mulheres caiçaras, escreve sobre violência de gênero, religiões de matriz africana e comportamento.

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