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Formiga cobra ação contra racismo no futebol e lamenta suspensão de Marta: ‘pesada’

A Alma Preta conversou em Paris com a ex-jogadora da Seleção Brasileira Formiga, uma das atletas olímpicas mais importantes do Brasil
A ex-jogadora da Seleção Brasileira de futebol feminino Formiga, Paris/ 5 de agosto de 2024

Foto: Solon Neto/Alma Preta

6 de agosto de 2024

Paris – A lendária meio-campista da Seleção Brasileira de futebol feminino Formiga conversou com a Alma Preta, em Paris, durante os Jogos Olímpicos de 2024. A soteropolitana de 46 anos Miraildes Maciel Mota compartilhou opiniões sobre o desenvolvimento do futebol feminino e a necessidade de ações mais incisivas de combate ao racismo no esporte.

Nesta terça-feira (6), a Seleção Brasileira volta a campo nas Olimpíadas pela semifinal do torneio contra a Espanha. O time tem recebido crescente apoio no Brasil e conseguiu eliminar as donas da casa, a Seleção da França. Apesar do aumento da popularidade do futebol feminino, Formiga ressalta que a modalidade ainda precisa de investimento.

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A ex-jogadora chama a atenção para o fato de que, apesar dos avanços no futebol feminino brasileiro — com clubes mais estruturados e uma liga estável —, a estrutura ainda não é suficiente. Em sua visão, apenas o Corinthians tem garantido algo próximo do ideal. 

“Nos falta muita coisa. Ainda estamos jogando por amor, por dedicação, porque o valor em si não entra na situação. Se formos falar de dinheiro, ainda não é aquilo que as meninas aqui fora recebem. A gente está indo muito pelo talento ainda, garimpando algumas meninas. Muitos talentos ainda estão escondidos por essa falta de os clubes terem um departamento de futebol feminino”, afirma.

A então jogadora da Seleção Brasileira Formiga, durante partida da Copa do Mundo de 2007 contra a Dinamarca, Hangzhou, China, 20 de setembro de 2007
A então jogadora da Seleção Brasileira Formiga, durante partida da Copa do Mundo de 2007 contra a Dinamarca, Hangzhou, China, 20 de setembro de 2007(Frederic J. Brown/AFP)

A atleta acredita que a maioria dos clubes se contenta em dar uma estrutura “mais ou menos” para suas atletas no futebol brasileiro.

“A gente vê o campeonato sendo televisionado, passando em rede nacional. É bacana? É um avanço? É. Mas se a gente for buscar realmente o que tem dentro dos clubes para a modalidade, tem alguns que são bem precários.” 

‘A gente precisa de resultados para ter a cobrança, infelizmente é assim’

A Seleção Brasileira feminina chegou duas vezes à final olímpica, mas nunca conseguiu o ouro. As medalhas de prata em Atenas (2004) e Pequim (2008) contaram com a participação de Formiga. A jogadora torce pelo sucesso da equipe em Paris, mas não só pela questão esportiva.

“Espero que nesse próximo jogo a Seleção passe para o final, que aí tem mais uma chance de pedir melhorias, porque sem resultado é o que a gente sempre escuta: não tem direito de pedir nada, nem melhorias de nada. Porque aí é sempre aquela história: ‘olha aí, foi, foi, foi e não conseguiu nada, para que ter estrutura?’. Então, a gente precisa de resultados para ter a cobrança. Infelizmente, é assim.”

Na partida contra a Espanha, nesta terça-feira (6), o Brasil conta com um desfalque de peso. Considerada a maior jogadora da história, Marta pegou dois jogos de suspensão após cartão vermelho em partida contra a mesma Espanha na fase de grupos. A CBF tenta reverter a decisão, mas a não ser que haja uma mudança de última hora, Marta não deve jogar.

A jogadora brasileira Marta celebra gol com companheiras de equipe em partida contra a Nigéria nas Olimpíadas, Paris, 25 de julho de 2024
A jogadora brasileira Marta celebra gol com companheiras de equipe em partida contra a Nigéria nas Olimpíadas, Paris, 25 de julho de 2024 (Christophe Archambault/AFP)

Para Formiga, que jogou ao lado de Marta inúmeras vezes, a decisão é exagerada, uma vez que jogadora não tem histórico de violência. Segundo ela, um jogo seria o suficiente para a punição e resta lamentar a decisão.

“As regras estão aí para serem aceitas e cumpridas, mas dois jogos eu achei muito. Sinceramente, dois jogos para ela é pesado. Não é só porque é a Marta. Quando acontece esse tipo de situação tem que ver o histórico. Se é uma pessoa violenta, você dá tantos jogos para a atleta refletir por estar agredindo uma companheira de profissão. No caso dela, a gente sabe que ela não é uma pessoa violenta.”

‘O Brasil é um país que mata as suas lendas’

Formiga é uma das jogadoras mais importantes e longevas da história do futebol mundial. A ex-atleta participou de nada menos que sete Copas do Mundo e sete Olimpíadas — até Paris, esteve em todas as competições de futebol feminino olímpico da história. Apesar disso, seu nome ganhou mais popularidade somente nos últimos anos de sua carreira, conforme o próprio futebol feminino cresceu no Brasil. Para ela, a falta de reconhecimento não é uma exclusividade sua.

“Acho que não só eu, mas muitos atletas que fizeram muito pelo país não têm o reconhecimento 100%. Recentemente, estive na Argentina, onde a gente encontra a estátua do Maradona, do Messi, de não sei quem, jogadores que fizeram a transformação da Seleção e dentro do país. No Brasil, de quem você vê? O Brasil é um país que mata as suas lendas, seus heróis”, diz Formiga, que acredita que mesmo atletas como Pelé não recebem o devido reconhecimento no país.

As então companheiras de Seleção Brasileira Formiga (esquerda) e Marta (direita) durante treinamento nas Olimpíadas de Pequim, 21 de agosto de 2008
As então companheiras de Seleção Brasileira Formiga (esquerda) e Marta (direita) durante treinamento nas Olimpíadas de Pequim, 21 de agosto de 2008 (Daniel Garcia/AFP)

“Dentro de campo, por ser mulher e por ser negra, eu já estava meio que preparada para que talvez não tivesse essa valorização. Já fora de campo, tive que mudar a minha postura, não para se reverenciada, mas para mudar a cara do futebol feminino. Porque quando você está dentro de campo, você não pode falar muito porque vai se prejudicar. Mas quando está fora, parou de jogar, tem que fazer algo, tem que mudar o pensamento das pessoas. Eu preciso falar.”

Racismo no futebol feminino: ‘muitas pessoas acham que é terra sem lei’

Formiga diz que dentro do futebol feminino as situações de racismo são comuns. Ela conta que ao longo da carreira presenciou essas situações inúmeras vezes e que ainda hoje pouco se faz.

“Acontece para caramba. No futebol feminino muitas pessoas acham que é terra sem lei. Já dói ver um cara na arquibancada ofendendo. Imagina quando é uma atleta ofendendo outra? Isso é o cúmulo, isso não existe. Isso acontece”, lamenta Formiga, acrescentando que acredita que esse quadro é consequência de má administração do esporte.

Para a ex-jogadora, clubes e confederações devem aprofundar políticas efetivas de combate ao racismo dentro do esporte. 

“Placa não resolve. Chama a atenção do racista, mas para ele é como se ele tivesse lendo uma piada. Acho que tem que agir”, diz Formiga, que celebra a recente decisão da FIFA de punir racismo em partidas com sanções, incluindo a derrota dos times associados a atitudes racistas. Apesar disso, ela indaga: “Por que isso não foi feito antes?”.

A ex-jogadoras de futebol, Formiga e Michal Jackson (à esquerda e à direita, respectivamente) posam para foto com a judoca Beatriz Souza, Paris, 5 de agosto de 2024
A ex-jogadoras de futebol, Formiga e Michal Jackson (à esquerda e à direita, respectivamente) posam para foto com a judoca Beatriz Souza, Paris, 5 de agosto de 2024 (Solon Neto/Alma Preta)

‘Fico feliz de inspirar mulheres negras’

Formiga conta que uma de suas principais preocupações ao sair de casa, aos 13 anos, foi a de estar à altura dos ensinamentos de sua mãe e ser uma pessoa positiva, que pudesse ser um exemplo para os outros. Após a carreira brilhante, ela se diz satisfeita por ter se tornado uma inspiração.

“Fico feliz de hoje estar inspirando tantas outras pessoas, principalmente as mulheres negras, a acreditar que podemos tomar cargos de qualquer lugar com a nossa capacidade. Aquelas pessoas que nos olham pela cor, um dia vão nos fazer referência e dizer: ‘Vocês são porreta mesmo”, afirma Formiga antes de encerrar a conversa apontando para a pele negra em seu braço e dizendo: “Isso aqui vale ouro, então tem que respeitar”.

  • Solon Neto

    Cofundador e diretor de comunicação da agência Alma Preta Jornalismo; mestre e jornalista formado pela UNESP; ex-correspondente da agência internacional Sputnik News.

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