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Por que Bolsonaro representa o racismo que ele diz não existir?

5 de julho de 2018

Para o pré-candidato à presidência da República, o fato de ele ter um sogro negro é a prova de que “não há racismo no país”

Texto / Pedro Borges
Imagem / Agência Brasil

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Para Jair Bolsonaro, não existe racismo no Brasil. O pré-candidato a presidente da República contraria todos os indicadores nacionais, que apresentam as desigualdades entre negros e brancos, porque seu casamento não foi influenciado pelo fato do sogro, pai de sua companheira, ser negro.

A existência do racismo no Brasil está expressa nos muitos casos de discriminação que ocorrem todos os dias e nos números que apontam as desigualdades históricas entre negros e brancos na educação, saúde, economia, entre outras áreas.

Mas isso não parece suficiente. Apesar da realidade estar desenhada na nossa frente, em preto e branco, Bolsonaro e muitos brasileiros negam a existência do racismo no Brasil. A pergunta que fica é: por quê?

Parte dos leitores deve conhecer as expressões “Casa Grande e Senzala” e/ou “mito da democracia racial”. Pois bem, o primeiro é o título da obra clássica de

Gilberto Freyre, publicada em 1933, e o segundo é o conceito que este sujeito ajudou a consolidar.

No final do Século XIX e início do Século XX era comum a noção de raça superior, sendo a branca, a detentora da razão, e a negra, inferior e a quem sobrava a emoção.

Gilberto Freyre rompe com o paradigma sobre a discussão sobre raça e racismo se dar no âmbito biológico, traz o debate para o campo sociológico e cultural, mas não quebra com os preceitos racistas que hierarquizam os grupos étnicos.

Ele tenta dar caráter positivo a essa hierarquia entre as raças inferiores e superiores. O brasileiro, amálgama das raças branca, negra e indígena, tomado pela emoção, seria mais propício a aceitar o diferente. Esse tipo de comportamento era considerado oposto ao do norte-americano ou do europeu, considerados como sujeitos mais frios e com menos sentimentos – portanto, ambos não teriam piedade alguma com relação ao sujeito negro.

A existência do “mestiço”, fruto da mistura das três raças, e a presença de negros e brancos nos mesmos espaços seriam as provas de que, aqui, as barreiras raciais não existem ou são mais brandas do que as norte-americanas ou sul-africanas.

É assim como se fundamenta a noção do “mito da democracia racial” e que possibilita a afirmação de que o racismo existe nos EUA, mas não no Brasil.

Esta foi, infelizmente, a teoria vencedora e que alimenta as afirmações como as feitas por Jair Bolsonaro.

Abdias do Nascimento, autor da obra “O Genocídio do Negro Brasileiro”, publicado em 1978, ainda é um autor restrito às pessoas que se debruçam a entender as relações raciais no país. Abdias, quem se tornou o primeiro senador negro no Brasil, em 1997, tem uma série de reflexões muito mais interessantes e reais do que as de Gilberto Freyre.

Abdias refuta qualquer possibilidade de existir uma democracia racial. O surgimento do “mestiço” não seria o resultado da compaixão das raças, mas fruto do estupro do homem branco europeu sobre as mulheres negras e indígenas.

Nilma Lino Gomes, ex-ministra da SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), ajuda também a romper este mito e a ideia de que negros e brancos estão nos mesmos lugares.

Para ela, apesar da não existência dos muros como os que separavam brancos e negros nos EUA, o Brasil chega aos mesmos números de segregação, mas com tecnologia de dominação mais sofisticada. Enquanto 17,2% dos ingressantes na USP em 2016 eram negros, 71,5% dos assassinados no Brasil em 2016 também o eram.

A teoria de Gilberto Freyre também alimentou outra situação problemática, de que esses antagonismos brasileiros de raça e classe seriam resolvidos no âmbito privado. A compaixão interpessoal permitiria a convivência harmônica entre negros e brancos, mesmo diante das diferenças cotidianas.

Para fugir das acusações de racismo que recebe a todo momento, Jair Bolsonaro, assim como diversos brasileiros, recorre ao campo familiar ou pessoal. “Tenho um parente e/ou amigo negro, portanto, não posso ser racista”.

Não à toa, houve dificuldade de se aceitar os direitos das trabalhadoras domésticas, afinal, elas são da “família”, e não funcionárias exploradas em moldes semelhantes aos escravistas.

Outra consequência deste pensamento é a falta de sentido para a existência de movimento antirracista. Na hipótese de não existência do racismo, ou se os problemas estivessem limitados às relações interpessoais e privadas, não haveria a necessidade de um movimento negro denunciando o genocídio ou lutando pelo fim das desigualdades de raça, classe e gênero no âmbito público.

O racismo, responsável por estruturar as relações sociais e cotidianas, está presente em todas as esferas – pessoais e públicas.

Em 3 de Abril, no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro foi acusado de racismo por dizer que quilombolas “não servem nem para procriar”. Mais do que isso, disse que se eleito, não reconhecerá mais terra alguma aos quilombolas.
A manifestação de ódio contra os quilombos e as opções políticas desastrosas para a comunidade negra, pois atacar os quilombos é apagar a história afro-brasileira, justificam a existência de um movimento negro que desnude o racismo, o denuncie e o enfrente.

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