Um Projeto de Decreto Legislativo, que denuncia a Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), aguarda o despacho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para prosseguir com a tramitação na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados, ainda sem data definida. A convenção denunciada trata diretamente dos direitos das comunidades quilombolas, indígenas e tradicionais. A anulação do que ela determina pode dar a Bolsonaro o poder de tomar decisões sobre as comunidades, como a preservação de seus territórios, condições de existência e manutenção de cultura ancestral.
A proposta, de autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), afirma que “o texto da convenção é pérfido porque, disfarçadamente e sorrateiramente contém dispositivos que vão pouco a pouco castrando nossa soberania interna, nosso direito ao uso dos recursos hídricos, minerários e naturais do país. Na prática, a convenção nos obriga a aceitar passivamente o direito ilimitado de propriedade tradicional e posse de terras”.
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Segundo a Coordenação Nacional de Articulações Quilombolas (Conaq), a denúncia significa um risco para os quilombos. A assessoria da coordenação afirma que quando o governo decide denunciar a convenção comprova a vontade de não ser responsabilizado pela falta de políticas públicas voltadas para os povos tradicionais e a ânsia de poder para “entrar e sair dos territórios como bem entender, ou seja, nenhuma obra será paralisada para preservar os territórios quilombolas”.
Para o deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA), o projeto significa um desrespeito às comunidades tradicionais. O parlamentar prevê propostas contra o projeto por parte de movimentos sociais caso o decreto entre em vigor.
“Nós não vamos aceitar isso. Vamos lutar fortemente, pois existe a certeza que haverá uma grande mobilização e até internacional para que esse absurdo não se efetive”, afirma o deputado, que também é coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas.
Entenda a Convenção 169
Ratificada há quase 19 anos, a Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais segue a decisão do Congresso Nacional, do Decreto Legislativo número 143, de 20 de julho de 2002. Trata-se de um tratado internacional adotado pela Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho, de 1989. O documento representa um consenso alcançado por governos, organizações de trabalhadores e de empregadores, da OIT, sobre os direitos dos povos tradicionais, o que inclui os quilombolas.
Baseada no respeito às culturas e aos modos de vida dos povos tradicionais, a convenção também reconhece os direitos dessas populações à terra e aos recursos naturais, e permite a auto definição de prioridades para o desenvolvimento da comunidade, bem como a superação das práticas discriminatórias e a autodeclaração quilombola.
O tratado pode ser mantido ou rompido a cada 10 anos. O prazo para a manutenção do acordo, segundo a Conaq, é de um ano, que tem início em setembro de 2021. A coordenação salienta que o projeto de denúncia em tramitação pretende conseguir o rompimento do acordo antes do prazo determinado.
Para o articulador político da Conaq, Denildo Rodrigues, ir contra essa convenção é partilhar a ideia de desmonte das estruturas públicas que atendem às comunidades quilombolas. Ele afirma que a notícia da proposta foi recebida pelos quilombolas com tristeza, pois as comunidades estão presentes em todos os biomas brasileiros e têm contribuição no cuidado da biodiversidade ambiental do Brasil, além de representar um patrimônio cultural do país.
“Entendemos que é um retrocesso ter um governo que não consegue e não quer enxergar a diversidade do povo brasileiro. É um governo insensível, que prega o ódio e perseguição constantemente”, avalia o articulador político.
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Histórico de perseguição às comunidades quilombolas
O articulador da Conaq salienta que o governo Bolsonaro cumpre exatamente o que propôs durante a campanha presidencial, em 2018. No ano anterior, enquanto ainda era deputado federal, Bolsonaro fez ataques de cunho racista contra negros durante palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro. Durante o evento, que contava com um público de 300 pessoas, em média, o presidente afirmou que caso fosse eleito iria acabar com todas as reservas de terra de indígenas e quilombolas.
“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles. Se eu chegar lá [na presidência], não vai ter dinheiro para ONG. Esses vagabundos vão ter que trabalhar. Pode ter certeza que se eu chegar lá, no que depender de mim, todo mundo terá uma arma de fogo em casa, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, declarou Bolsonaro, na época.
Denildo afirma que, apesar desta não ser a primeira ou última vez que Bolsonaro ameaça as comunidades quilombolas, a Conaq pretende seguir em frente no combate ao retrocesso. “É um governo racista, que deseja que o negro volte para a chibata e para a escravidão. Jamais iremos aceitar. Lutaremos sempre”, conclui.