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Post desinforma sobre vacina contra HPV usando reportagem antiga de um caso não comprovado

Pesquisas apontam que os benefícios da vacina superam os riscos causados por eventuais efeitos colaterais
Post desinforma sobre vacina contra HPV usando reportagem antiga de um caso não comprovado

— Reprodução/Comprova

27 de fevereiro de 2025

Assim como qualquer outra vacina, o imunizante contra o HPV pode causar eventos adversos, mas ocorrências são raras. Pesquisas apontam que os benefícios da vacina superam os riscos causados por eventuais efeitos colaterais, uma vez que a imunização é a medida mais eficaz para a redução dos casos de câncer de colo de útero, causado pelo papilomavírus humano.

Conteúdo investigadoVídeo que mostra uma reportagem que aborda os supostos efeitos colaterais da vacina contra o papilomavírus humano (HPV), vírus causador do câncer de colo de útero.

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Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Pesquisas apontam que os benefícios da vacinação contra o HPV superam os riscos causados por eventuais efeitos adversos, considerados raros. Um vídeo publicado no X mostra uma reportagem antiga sobre o caso de uma ação ajuizada em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) de Uberlândia (MG), que pedia a suspensão do imunizante em todo o país. Em 2017, a Justiça não acatou o pedido do MPF.

O assunto chegou ao MPF por meio de representação feita pela mãe de uma adolescente que, após receber a vacina, desenvolveu problemas de saúde. A ação envolvia também outros jovens que, segundo um neurocirurgião ouvido pelo Ministério Público, relataram quadros clínicos neurológicos após receberem o medicamento.

Porém, no processo, a juíza Anna Cristina Gonçalves, da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, considerou que não havia provas científicas de que o imunizante teria causado efeitos colaterais nos adolescentes vacinados.

O caso repercutiu e gerou receio na população sobre a segurança do medicamento. Na época, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) repudiou a ação do Ministério Público Federal. Por meio de nota oficial, a organização destacou que a atitude colocava em risco a saúde de milhares de brasileiras.

“As vacinas HPV são seguras, fato referendado por inúmeros estudos científicos e resultados práticos de países que adotaram a vacinação em larga escala desde 2007. Já foram aplicadas mais de 200 milhões de doses e as reações adversas se mostraram pouco frequentes (10-20%). O quadro nesses casos costuma ser leve”, destacou a SBIm.

Estudos realizados ao longo dos anos descartam a relação entre o imunizante e o surgimento de doenças autoimunes. E outras entidades além da SBIm atestam a segurança da vacina, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Geyson Florêncio, especialista em clínica médica do Hospital Oto Meireles, de Fortaleza, reforça que a vacina contra o HPV é amplamente reconhecida por sua eficácia na prevenção de infecções pelo vírus e suas complicações. “Estudos corroboram a segurança da vacina, indicando que eventos adversos são raros e que os benefícios superam amplamente os riscos potenciais”, explicou.

O Comprova entrou em contato com a autora da publicação compartilhada no X, via mensagem direta por meio do aplicativo, mas não recebeu resposta até a publicação desta verificação. Também buscamos a Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia.

Em nota, o órgão afirmou que não poderia fornecer informações sobre os casos dos adolescentes que levaram à ação do MPF em razão da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). “A Secretaria de Saúde esclarece que não repassa dados pessoais e médicos dos pacientes. Essas informações são preservadas pela LGPD e pelas legislações que regulam o sigilo médico”, informou a entidade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo alcançou mais de 191,4 mil visualizações e quase dois mil compartilhamentos até o dia 26 de fevereiro.

Fontes que consultamos: Foram consultadas as bulas das vacinas contra o HPV disponíveis no SUS, além de pesquisas que analisaram a relação entre o imunizante e o surgimento de doenças autoimunes ou outras condições. Também foram consultadas matérias que trataram do caso na época em que a ação foi ajuizada. Ainda foi ouvido o especialista em clínica médica do Hospital Oto Meireles, Geyson Florêncio. Além disso, a reportagem procurou a Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia.

Reportagem não é atual

O vídeo compartilhado no X é um recorte do programa Interesse Público que é transmitido pela TV Justiça e por mais de 30 emissoras parceiras em diferentes estados brasileiros. O trecho foi publicado em 16 de fevereiro de 2016 no canal do MPF no YouTube. 

A reportagem mostra que o MPF havia ajuizado uma ação civil pública pedindo que a Justiça Federal proibisse a aplicação da vacina contra o HPV na rede pública de saúde em todo o país. O processo também pedia a anulação de todos os atos normativos da Anvisa que autorizaram a importação, produção, distribuição e comercialização do imunizante no Brasil.

O autor da ação, o procurador Cléber Eustáquio Neves, justificou o pedido alegando que a vacina seria responsável por muitos efeitos colaterais, entre eles paralisia, alterações do sistema imunológico, respiratório e até infertilidade. Segundo o MPF, também foi ouvido um neurocirurgião de Uberlândia que relatou a ocorrência de quadros clínicos neurológicos em pacientes que haviam tomado o imunizante.

No período da ação, por meio de nota oficial, a SBIm destacou que a atitude do MPF colocava em risco a saúde de milhares de brasileiras. Além disso, reforçou que a relação entre o HPV e o câncer de colo de útero é indiscutível.

Em 2017, o jornal Estado de Minas noticiou que a Justiça Federal não acatou o pedido de liminar do MPF para suspender a vacinação contra o HPV. A juíza Anna Cristina Gonçalves considerou que o procurador não conseguiu provar a conexão entre a vacina e as condições desenvolvidas por adolescentes que receberam o imunizante.

“Diante da fragilidade das alegações relativas a eventuais efeitos colaterais e levando-se em conta as milhares de doses já aplicadas na população brasileira desde 2011, observo que os poucos relatos apresentados, sem prova científica de que a vacina teria causado efeitos colaterais, não são suficientes para amparar a pretensão ministerial de suspender a aplicação da vacina contra HPV em todo o território nacional”, considerou a magistrada.

HPV e câncer

O papilomavírus humano é transmitido por meio das relações sexuais e pode ocasionar o aparecimento de verrugas na pele e nas regiões oral, anal e genital. Existem mais de cem tipos do vírus, mas os subtipos 16 e 18 são responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer de colo de útero no mundo, segundo relatório da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, entidade ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na maioria dos casos, a infecção pelo HPV não apresenta sintomas, por isso as mulheres devem se submeter ao exame ginecológico preventivo com regularidade. Para a prevenção, além do uso de preservativos, a medida mais eficaz é a vacinação. Atualmente, os imunizantes registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são o do Instituto Butantan e o da farmacêutica Sharp & Dohme.

Desde 2014, a vacina do Butantan está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo distribuída para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos. O imunizante também é ofertado para pessoas de 9 a 45 anos com condições clínicas específicas, como HIV, além de transplantados, pacientes oncológicos e vítimas de abuso sexual. A indicação é que a vacinação ocorra antes do início da vida sexual.

O medicamento do laboratório brasileiro protege contra o HPV de baixo risco, dos subtipos 6 e 11, e de alto risco, dos subtipos 16 e 18, que causam câncer de colo de útero, de pênis, anal e oral. Já a vacina da farmacêutica Sharp & Dohme, chamada de Gardasil 9, protege contra outros cinco subtipos do HPV: 31, 33, 45, 52 e 58. Ela foi aprovada pela Anvisa em 2022, indicada para pessoas de 9 a 26 anos.

Em abril de 2024, o Ministério da Saúde, por meio da Nota Técnica nº 41, adotou o esquema de vacinação em dose única contra o HPV. Anteriormente, eram necessárias duas aplicações. O órgão informou que a decisão foi tomada com o objetivo de intensificar a proteção contra o câncer de colo do útero e outras complicações associadas ao vírus.

Eventos adversos

Após mais de 20 anos no SUS, a vacina contra o HPV ainda é alvo de desinformação. Em 2014, ano em que teve início a oferta do imunizante na rede pública de saúde, um grupo de mães no Acre alegou que meninas vacinadas em escolas apresentaram efeitos como convulsões e dormência nas pernas. O caso repercutiu nas redes sociais, especialmente no Facebook, e gerou uma campanha de desinformação.

Diante do ocorrido, o Ministério da Saúde solicitou que a Universidade de São Paulo (USP) realizasse uma pesquisa para averiguar os possíveis efeitos da vacina nas crianças. O estudo apontou que não havia relação entre as propriedades do imunizante e os sintomas relatados. Foi demonstrado que ocorrências como perda de consciência e abalos motores tratavam-se de crises psicogênicas causadas pelo estresse do ato de vacinar e não pelos compostos da vacina.

Organizações como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a SBIm atestam a segurança e a eficácia da vacina. Entre os efeitos colaterais, a SBP cita aqueles comuns a vacinações em geral, como dor, vermelhidão e inchaço no local da aplicação, além de febre, dor de cabeça e mal estar, porém todos sintomas leves e de curta duração. Os mesmos eventos adversos estão descritos nas bulas dos imunizantes do Butantan e da Sharp & Dohme.

Outras reações relatadas após o uso do medicamento do Butantan são dificuldade para respirar, falta de ar (broncospasmo), urticária e erupções cutâneas. Em ambas as bulas, as farmacêuticas enfatizam que, assim como qualquer imunizante, as vacinas contra o HPV podem causar efeitos adversos, mas raramente são graves.

Benefícios superam potenciais riscos

Segundo o médico Geyson Florêncio, todas as vacinas apresentam efeitos adversos. No caso do HPV, já foram relatados a trombose de vasos venosos e a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), uma doença autoimune rara que ocorre quando o sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso. Mas diversos estudos publicados ao longo dos anos apontam a raridade desses eventos.

Geyson cita uma pesquisa que avaliou a associação entre a vacinação contra o HPV e o aparecimento de doenças autoimunes. O estudo analisou mais de dois milhões de meninas na França, com idade entre 13 e 16 anos, que haviam recebido o imunizante. “Os resultados indicaram que não há aumento significativo no risco de doenças autoimunes após a vacinação”, enfatizou o médico.

Além disso, ele destaca uma meta-análise que compilou dados de vários ensaios clínicos para avaliar a segurança da vacina quadrivalente contra o HPV. A meta-análise é um método que agrega os resultados de dois ou mais estudos sobre uma mesma questão de pesquisa. “Os achados confirmaram um perfil de segurança favorável, com eventos adversos geralmente leves e temporários”, explicou. O levantamento apontou que, com base em 10 milhões de relatórios analisados, os casos de SGB decorrente da vacina eram raros.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O UOL Confere já desmentiu que a vacina contra o HPV cause paralisia. O Comprova explicou que a vacina contra a covid-19 é segura e não gera HIV, câncer ou HPV e também que livro sobre documentos da Pfizer não comprova que vacina de covid tenha causado centenas de mortes. A Agência Lupa publicou que a ação do procurador de Uberlândia foi indeferida. Além disso, o Estadão Verifica apurou que é falso que a vacina contra o HPV cause esterilidade e menopausa precoce.

Notas da comunidade: Até a publicação desta verificação, não havia notas da comunidade publicadas junto ao post no X.

Texto originalmente publicado no Projeto Comprova, do qual a Alma Preta faz parte.

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