Por: Juan Francisco Martínez Peria*
Apesar de se apresentar como universal, a teoria social hegemônica é extremamente estreita e exclusiva. Branca, ocidental e patriarcal, ela entende o Ocidente como se fosse o mundo inteiro. Ela considera os problemas ocidentais como as grandes questões globais e consagra um punhado de homens brancos como os únicos membros do Olimpo intelectual. Fenômenos estruturantes da modernidade capitalista, como o colonialismo, a escravidão, o tráfico de escravos e o racismo, quase não são abordados pela teoria social hegemônica e, para piorar a situação, os pensadores do Sul Global que lidaram com essas questões em profundidade tendem a ser excluídos.
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George Padmore foi uma das muitas vítimas do eurocentrismo, do colonialismo cultural e do racismo epistêmico. Famoso durante sua vida por sua carreira política altamente significativa e seu rico trabalho intelectual, ele foi injustamente silenciado após sua morte e agora é quase totalmente desconhecido. Nascido em 28 de junho de 1903 em Trinidad e Tobago, foi influenciado desde cedo por seu pai e por figuras como W.E.B. Du Bois e Marcus Garvey, e adotou ideias pan-africanistas. Em 1927, emigrou para os Estados Unidos, onde, além de seus estudos universitários, iniciou uma militância ativa que o levou a se filiar ao Partido Comunista. Sua ascensão nesse movimento foi deslumbrante e, depois de viajar para a União Soviética, tornou-se, em 1931, secretário-geral do Comitê Sindical Internacional dos Trabalhadores Negros e editor do The Negro Worker, as principais ferramentas da Terceira Internacional para promover o comunismo entre os africanos e os afrodescendentes em todo o mundo. Naquele ano, ele também publicou seu primeiro livro, Life and Struggles of Negro Toilers (Prometheus, 2022), no qual, longe da ortodoxia soviética, esboçou uma síntese original e heterodoxa entre o marxismo e o pan-africanismo e propôs, de forma pioneira, uma análise do capitalismo que destacava sua dimensão colonial, racista e escravagista. Ele também estudou e celebrou as lutas populares dos africanos e afrodescendentes no Atlântico Negro como ninguém havia feito antes. Em 1934, no entanto, o idílio com a URSS foi rompido e Padmore deixou a Terceira Internacional, acusando-a de ter iniciado uma política de aproximação com os piores impérios ocidentais, Inglaterra, França e Estados Unidos, sob o pretexto da luta antifascista. Assim começou uma nova etapa em sua vida que o levou a aprofundar seu pan-africanismo marxista original, independente da esquerda ocidental. Residindo agora em Londres e estabelecendo vínculos com outros africanos e afrodescendentes, como C.L.R. James, Amy Ashood Garvey, Jomo Kenyatta, I.TA. Wallace Johnson, Ras Makonnen etc., ele primeiro participou da International African Friends of Etihiopia e depois fundou o International African Service Bureau e, por fim, a Pan African Federation. Naqueles anos, trabalhou como jornalista, publicando centenas de artigos para jornais da Europa, dos Estados Unidos, do Caribe, da África e da Ásia e escreveu obras seminais, como How Britain Rules Africa (1936) e Africa and World Peace (1937). Nesses livros, ele analisou sistematicamente o colonialismo europeu na África e foi pioneiro na teoria de que o fascismo não era uma novidade completa, nem um fenômeno intra-europeu, mas tinha suas raízes nessa experiência colonial, racial e escravagista. Ele também rompeu com os moldes do esquerdismo e do liberalismo ocidentais e postulou que, da perspectiva das vítimas, não havia diferença real entre o liberalismo e o fascismo, uma vez que ambos haviam adotado as mesmas políticas genocidas em relação aos povos racializados do mundo.
Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, ele continuou seu incansável trabalho político e intelectual, denunciando em inúmeros artigos e panfletos tanto o horror fascista quanto a hipocrisia das autoproclamadas potências democráticas. Ele também se destacou como um dos principais líderes anticoloniais e pan-africanistas e, em 1945, organizou duas Conferências de Todos os Povos Coloniais que, pela primeira vez, reuniram grupos asiáticos e pan-africanistas em encontros que prenunciaram a mítica Conferência de Bandung de 1955. Como se tudo isso não bastasse, em 1945 ele organizou, juntamente com seus colegas mencionados acima e com W.E.B. Du Bois e Kwame Nkrumah, o V Congresso Pan-Africano, do qual participaram organizações políticas, sindicais e camponesas negras da Europa, África, Estados Unidos e Caribe. Esse conclave postulou um programa pan-africanista altamente revolucionário, marxista heterodoxo, anticolonial e antirracista e foi um catalisador muito importante no processo emancipatório na África e no Caribe que se desenvolveu após a guerra.
Professor de uma geração de lutadores e próximo de figuras de enorme importância, como Ho Chi Minh (de quem foi delegado em Londres) e Nehru, Padmore tornou-se, nesse contexto, o mentor de Kwame Nkrumah, que em 1947 retornou à Costa do Ouro e iniciou a batalha pela independência. O trinitário o orientou de longe e também continuou seu trabalho intelectual, publicando, em 1949, Africa Britain’s Third Empire, no qual criticou duramente o colonialismo britânico na região, mostrando que os trabalhistas eram um mestre tão implacável quanto os conservadores. Em 1951, após anos de luta popular, repressão e prisão, Nkrumah venceu as eleições na Costa do Ouro e tornou-se primeiro-ministro da colônia. Padmore não apenas o aconselhou, mas também publicou The Gold Coast Revolution (1953), no qual analisou o processo e o propôs como modelo para o restante da região. Três anos mais tarde, no calor do avanço da luta anticolonial na África e no Caribe e da Conferência de Bandung, Padmore publicou sua magnum opus “Pan-Africanism or Communism?” na qual apresentou uma crítica profunda ao liberalismo e ao eurocentrismo da esquerda ocidental e postulou o pan-africanismo como uma tradição intelectual e política independente. Lá, ele enfatizou novamente a necessidade de adotar o marxismo de forma original e criativa para pensar sobre a realidade africana e do sul. Em seguida, postulou o pan-africanismo como um projeto anticolonial, antirracista, socialista e democrático que visava à independência e à integração do continente por meio da formação dos Estados Unidos da África. Além disso, assim como Perón, Nasser e Tito, ele promoveu uma política não alinhada e a solidariedade entre todos os povos do Sul.
Finalmente, em 1957, Nkrumah declarou a independência de Gana e Padmore não só foi crucial nesse processo, como também entrou para o governo como Conselheiro para Assuntos Africanos. A partir dessa posição estratégica, ele promoveu a emancipação e a unidade regional e foi o principal organizador da Primeira Conferência de Países Africanos Independentes e da Conferência do Povo de Toda a África, realizadas em 1958. Ambas as reuniões foram fundamentais, mas a segunda foi particularmente importante devido à presença de organizações nacionalistas e populares de toda a região e à participação de figuras do porte de Lumumba, Fanon e Nyerere, entre muitos outros. Ele também foi um dos principais arquitetos da União entre Gana e Guiné, assinada em 1958, e um grande teórico do socialismo africano, postulando em seu livro inédito, A Pan-African Guide to Socialism, a necessidade de um caminho socialista alternativo para a região, que deveria se basear na lógica socialista pré-colonial dos povos camponeses africanos. Essas ideias são muito semelhantes às de José Carlos Mariátegui para o Peru e Julius Nyerere para a Tanzânia.
Somente a morte, ocorrida em 23 de setembro de 1959, conseguiu reduzir seu ímpeto revolucionário. Um grande funeral de Estado foi realizado em Accra em sua homenagem e ele foi reconhecido como o “Pai da Emancipação Africana”. Nkrumah, seu principal discípulo, ao se despedir dele, disse: “Um dia toda a África será livre e unida e, quando a história for contada, a importância do trabalho de George Padmore será totalmente compreendida.
O sempre incansável trinitário morreu no calor da batalha. Ele deixou para trás uma obra volumosa e profunda, rica em análises críticas sobre a centralidade do colonialismo, do racismo e da escravidão no capitalismo moderno. Infelizmente, pouco tempo depois de sua morte, sua memória foi vítima da lápide do eurocentrismo e do racismo epistêmico. Hoje, em um mundo que certamente é diferente, mas ainda profundamente marcado pela herança colonial e pela lógica neocolonial, é fundamental recuperar sua figura e seu pensamento crítico para iluminar novos futuros de libertação para nossos povos do Sul Global.
*Doutor em História, professor da UBA, UNSAM, UNMa. Autor de “¡Libertad o Muerte! Historia de la Revolución Haitiana (Ediciones del CCC, 2017)”, editor de “El Sistema Colonial Develado de Jean Louis Vastey (Ediciones del CCC, 2017)”, editor e tradutor de “Vida y Lucha de los Trabajadores Negros (Prometeo, 2022)” e autor de “George Padmore: La Tradición Radical Negra y la Liberación del Sur Global (Prometeo, 2024)”.
Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no portal Negrx, parceiro da Alma Preta na Argentina e parte do site do jornal Página 12.