Nos Estados Unidos, epicentro do Covid-19, o novo coronavírus, ações solidárias de brasileiros têm se mostrado fundamentais para minimizar os efeitos da pandemia na vida da população negra e latina, atingida desproporcionalmente pela contaminação.
Na região de Nova York e Nova Jersey, o Kilomba, primeiro coletivo de mulheres negras brasileiras no país, está à frente de uma série de ações para apoiar os brasileiros e latinos negros e não negros. Segundo o governo do país, 450 mil brasileiros vivem por lá. Dados do Ministério das Relações Exteriores, no entanto, indicam que o número é de 1,4 milhão.
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Entre as iniciativas encabeçadas pelo coletivo está a criação de uma cartilha sobre recursos econômicos, holísticos e emocionais. O documento reúne informações como programas de atendimento médico do governo e de organizações não governamentais e projetos de renda emergencial para quem está sem emprego por conta da quarentena. Decretado pelo governo de Nova York, o distanciamento social deve durar até pelo menos o dia 29 de abril.
Marry Ferreira, co-fundadora do coletivo Kilomba e mestranda em Comunicação e Direitos Humanos na Universidade Fordham, explica que as pessoas negras são as mais prejudicadas pela pandemia do Covid-19 em razão das desigualdades estruturais existentes nos EUA.
“As desigualdades vivenciadas pela comunidade negra são estruturais assim como no Brasil. Essa população sofre com a falta de acesso à saúde pública, pois o acesso ao sistema de saúde norte-americano é absurdamente caro. São 44 milhões de pessoas sem plano de saúde, sem ter como cuidar da saúde física e mental”, conta a brasileira, que mora nos EUA desde 2018.
Além de não ter plano de saúde, a população afro-americana e latina do país também está mais suscetível ao contágio do novo coronavírus devido à estrutura do mercado de trabalho. Nos EUA, grande parte da população negra atua em cargos consideradas essenciais e nos quais não é possível trabalhar de casa, como motoristas de ônibus e funcionários de drogarias e supermercados.
Os trabalhadores negros e latinos, segundo um estudo do Bureau of Labor Statistics (BLS), têm ainda duas vezes mais chances de ganhar salários no nível de pobreza do que os brancos. No país norte-americano, aproximadamente 8% dos negros e latinos ganham salários abaixo do nível da pobreza em comparação com 4% dos brancos. As mulheres não brancas enfrentam dificuldades ainda maiores: 10% das negras e 9% das latinas são classificadas pelo BLS como trabalhadoras pobres, ao passo que o percentual entre homens brancos é de 3,5%.
Epicentro
Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde, mostram que em 14 estados estadunidenses, apesar de os moradores negros representarem 18% da população, eles responderam por 33% das hospitalizações durante o mês de março.
Os EUA confirmaram, até essa terça-feira (14), quase 600 mil casos da doença, com mais de 23 mil mortes. O estado mais atingido é o de Nova York, com mais de 195 mil casos confirmados e pelo menos 10 mil mortos. Na capital, onde os negros representam 22% da população, dados indicam que eles são 28% das vítimas.
Ainda em março, o presidente Donald Trump anunciou um projeto de renda mínima para os norte-americanos que ficaram sem emprego devido às medidas de distanciamento social. O auxílio emergencial de 1.200 dólares, com 500 dólares adicionais por criança, aos cidadãos com renda anual de até 75 mil dólares já começou a ser pago pelo governo norte-americano via depósito bancário ou cheque enviado via correio.
O projeto, contudo, exclui as pessoas classificadas como indocumentadas por viverem no país de maneira considerada ilegal, conforme lembra o educador e empreendedor social Carlos de Oliveira, fundador da Brazilian Council on Samba, instituição de apoio aos artistas do samba que representam a cultura afro-brasileira em Nova York.
“Os imigrantes indocumentados estão fora desse auxílio de 1.200 dólares do governo federal. A economia norte-americana vive da mão de obra dos imigrantes e, por falta de documentação, o governo fecha os olhos para essas pessoas”, afirma o brasileiro, que mora há vinte anos nos EUA.
Para amenizar os impactos econômicos da pandemia sobre essa população, as ações solidárias também são cruciais. O coletivo Kilomba, ao lado de outras organizações lideradas por brasileiros no país norte-americano, criaram uma campanha de arrecadação de dinheiro para as pessoas que perderam seus postos de trabalho terem como arcar com suas necessidades básicas.
O objetivo é levantar 10 mil dólares para as pessoas negras e pobres que serão mapeadas pelos articuladores. Com base nas informações coletadas sobre esse público, os coletivos definem se as pessoas já se encaixam em algum programa citado na cartilha do Kilomba ou as encaminham para o banco de beneficiários da campanha.