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O arquivo como utopia: podcast gargalheira estreia terceira temporada

Projeto reúne vozes afro-brasileiras do passado e presente nas artes visuais
Obra 'Poder' do artista Mulambo mostra homem negro de pele avermelhada e sombras pretas, black power na cor branca, olhos amarelados e fundo amarelo, com uma bandeira vermelha e preta com um búzio e uma estrela preta.

Foto: Reprodução/João da Motta

9 de outubro de 2023

Por Kleber Amancio* e Matheus Gato*

Estreia este mês a terceira temporada do podcast @gargalheira, desta vez, em parceria com a agência Alma Preta Jornalismo. O projeto, que realiza um conjunto de entrevistas com artistas afro-brasileiros, como muitos outros do gênero, teve início durante a pandemia de covid-19. Naquele momento, como professores universitários, estávamos perplexos com a capilaridade dos discursos negacionistas orquestrados pela extrema direita instalada no poder, a partir do mandato de Jair Bolsonaro (2018-2022).A recusa ao diálogo pacífico e persuasivo de ideias e a negação do método científico se expressaram na rejeição às vacinas contra a Covid-19, de forma letal e absurda. 

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Neste sentido, a insistência no diálogo aberto e franco com os artistas e seu registro público era uma aposta na criatividade, nas possibilidades de transformação crítica do olhar para o mundo, no potencial da vida mesmo enquanto o fascismo empilhava corpos e mais corpos à nossa volta. Era preciso deixar o testemunho de pessoas que usando o corpo, tinta, papel, fotografia, bronze, plantas, areia, ferro, nanquim, búzios, panos, madeira, papelão, teciam uma outra memória da experiência afro-diaspórica. Tudo isso para construir um novo território para os nossos sentidos. Um lugar onde a liberdade é cultivada apesar de tudo. 

A ideia de @gargalheira surgiu desse ímpeto de construir uma espécie de arquivo que nos parecia urgente: a formação de um acervo capaz de registrar as vozes de artistas visuais afro-brasileirxs. De modo que seja possível descobrir suas ideias e opiniões a respeito de suas produções, mas também acerca do mundo da arte. O nome do podcast é uma homenagem a Sidney Amaral (1973-2017) cuja obra, Gargalheira ou Quem falará por nós?, interroga sobre quais condições a gente negra pode ou não constituir uma voz no mundo público. Questão que evoca imediatamente a história de silenciamento e invisibilidade que marca a trajetória social de diversos artistas negros e a violência simbólica implícita nos critérios eurocêntricos de classificação e canonização artísticas. Tais padrões são visíveis no uso abusivo e generalista de termos como “naify” ou “primitivo” para categorizar as obras de artistas negrxs. Enquadramentos racistas que, além de simplificar a potência expressiva dessas formas, também as rebaixam enquanto “arte menor”. 

Por outro lado, o próprio conceito de “arte afro-brasileira”, por exemplo, foi e continua sendo disputado por historiadores, sociólogos, críticos, museus, galerias, o mercado de arte ou ainda pelxs próprixs artistas. Se hoje tal conceito parece indicar mais um projeto político em prol da maior representatividade de artistas e curadores no mundo da arte, do que propriamente uma agenda estética comum e unificada, trata-se de mais um sintoma dessas lutas que envolvem classificação, reconhecimento e consagração. Essa questão é das mais espinhosas em um contexto  que o sistema de arte brasileiro, tradicionalmente controlado por mãos brancas, parece estar em cheque. Dos grandes museus, instituições culturais e galerias à Bienal de São Paulo, agentes que tradicionalmente ignoravam/subalternizavam esses sujeitos têm reestruturado seus discursos, sua maneira de lidar com seus corpos e as narrativas que produzem.

Nesse quadro, o podcast @gargalheira aparece como um espaço para discutir essa cena tão contemporânea, com um público mais amplo, para além dos muros das universidades e dos círculos restritos dos experts e críticos de arte. Mas também se insurge como arquivo no qual uma outra memória cava o seu lugar. 

Ouça agora o primeiro episódio da terceira temporada com Mulambo

Para essa temporada conversamos com nove artistas cujas entrevistas serão publicadas semanalmente, sempre às sextas-feiras, nos principais agregadores de podcasts.

Sobre o podcast gargalheira

O podcast é um bate papo com artistas visuais da cena afro-brasileira e está disponível no Spotfy, Deezer, Amazon Music, Google podcasts e Anchor.

gargalheira é um podcast sobre arte afro-brasileira. Visa a criação de um acervo de entrevistas com artistas visuais afro-brasileiros, o registro de suas visões acerca de suas obras e o mundo da arte. Seu nome é uma referência/homenagem à obra de Sidney Amaral (1973-2017) “Gargalheira, ou quem falará por nós”. Kleber Amancio e Matheus Gato são idealizadores do projeto que é uma iniciativa apoiada por CECULT-UFRB, PPGS-UNICAMP, IFCH-UNICAMP, Bitita – Núcleo de Estudos Carolina de Jesus, Grupo de pesquisa História e Cultura Afro-Atlântica e AFRO – Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial – CEBRAP.

O projeto já tem duas temporadas disponíveis em streamings e teve como participantes importantes pessoas da cena da arte afro-brasileira. Na primeira temporada, contamos com a presença de Moisés Patrício, Renata Felinto, Ayrson Heráclito, Priscila Rezende, dentre outros. Na segunda temporada, tivemos presentes conosco, Aline Mota, Jota Mombaça, Estuáquio Neves, Dalton Paula, Paulo Nazareth e Rosana Paulino.

As entrevistas do gargalheira tem como objetivo mostrar os caminhos percorridos pelos artistas afro-brasileiros, como a influência da arte em suas infâncias, ambiente familiar, militância através dos movimentos negros, regionalidades e trajetórias acadêmicas em seus trabalhos, além de descrever como o cotidiano de suas vidas proporciona um processo reflexivo no desenvolvimento da arte e uma discussão sobre a presença de corpos negros nos espaços artísticos, bem como a renovação do entendimento do mercado da arte, além dos impactos gerados no campo das artes visuais.

*Sobre os idealizadores
Kleber Amancio é professor de História da Arte no CECULT-UFRB desde 2017. Possui graduação (bacharelado e licenciatura) em História pela UNICAMP (2006), mestrado em História Social pela USP (2010) e doutorado em História Social pela mesma instituição (2016). Foi pesquisador visitante na Harvard University (2014-2015) com bolsa FAPESP. Sua principal área de pesquisa é História da Arte nas Américas.

Matheus Gato é professor do Departamento de Sociologia da UNICAMP, desenvolve pesquisas nas áreas de relações raciais, sociologia política e da cultura, com ênfase nas áreas do pensamento social brasileiro, da sociologia histórica, dos intelectuais, da literatura, dos regionalismos e dos processos de racialização nos espaços urbanos. Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Mestre(2010) e Doutor(2015) em Sociologia pela USP). Durante o estágio doutoral, foi Visiting Student Researcher Collaborator em Princeton University, com bolsa Sanduíche da FAPESP (2013). Realizou estágio pós-doutoral na Harvard University, com auxílio BEPE-FAPESP (2017-2018).

Contato:
www. gargalheira.com
instagram.com/gargalheira
twitter.com/gargalheira
[email protected]

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