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Chuvas em Recife: A barbárie é o racismo!

As chuvas em Recife e todas as tragédias da semana tem um alvo em comum, o povo preto

Fortes chuvas em Recife

Foto: Fortes chuvas em Recife

29 de maio de 2022

O que é o caos? A quem podemos atribuí-lo? As várias pontas soltas de uma história que parece não ter conexão alguma tem origem e deságua no mesmo oceano. Ou melhor, nesse caso, no emaranhado de lama, escombros e lixo que sai arrastando tudo nas periferias do Recife e leva com ela corpos, corpos negros tal qual aqueles estirados no chão na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Ser negro é o que todos esses corpos que tombam e agonizam, asfixiados numa câmara de gás improvisada pela Polícia Rodoviária Federal, em plena luz do dia, têm em comum. Tudo para reafirmar o controle, o poder e a impunidade diante do genocídio da população negra no Brasil.

Entre os ativistas do movimento negro brasileiro, existe um fato consumado: não há um dia de paz para o povo negro. E já houve paz? Na última semana, vários fatos e denúncias nos levam a atestar aquilo que já acreditávamos, que o Brasil está entregue às traças, mais ainda que existe um projeto político em andamento de extermínio total do povo negro. Se as quases 650 mil vítimas fatais da COVID-19, que em sua maioria foram de pessoas negras, não foram suficientes, talvez pelo largo espaço de tempo em que essas mortes ocorreram, ou pela máquina de desinformação liderada pelo bolsonarismo, o mês de maio de 2022 entrará nos anais da história como um dos mais dolorosos desta década para a população negra.

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Há algo de engenhosidade com o mês de maio. Permitem que celebremos o carnaval, seja ele regular ou improvisado, e depois nos paralisam por completo, até que cheguemos ao final de um novo ano fazendo planos de dias melhores, e o ciclo se recomeça até o próximo maio. Isso porque precisamos retomar fatos como o mês de maio de 2006, onde mais de 500 pessoas – a maioria jovens negros – foram executadas em duas semanas por policiais e grupos de extermínio paramilitares em São Paulo. Mais recentemente, em 2020, George Floyd foi morto, gerando uma onda de revoltas em todo mundo, mas no Brasil também tivemos a morte de João Pedro. No ano seguinte, em 2021, tivemos a Chacina do Jacarezinho, e neste ano, nesta última semana, tivemos a Chacina da Vila Cruzeiro. Isso porque só estamos pontuando alguns dos casos. Nesta última semana, tal qual já narramos, tivemos o brutal assassinato de Genivaldo, um homem neurodivergente, numa viatura da PRF em Sergipe, e um emblemático caso de racismo ambiental instaurado no Grande Recife e na Zona da Mata de Pernambuco, com dezenas de mortos nas periferias, numa situação que acontece ano após ano, em decorrência das fortes chuvas e sem nenhum plano ou política pública para salvaguardar a vida da população negra que habita nas áreas mais críticas, nos morros e encostas.

Todo esse estado de caos – e barbárie – tem um motivo, uma razão, um alvo.

Nos é dito constantemente que nossos argumentos se assemelham a uma teoria conspiratória, que nada é efetivamente maquinado para uma política de extermínio e embranquecimento da população, mas que é fruto de um processo social incontrolável de funcionalismo social. Ora, pois, teríamos que desconsiderar, então, o processo de formação dessa sociedade, que se constrói a partir de opressão e violência e com uma institucionalidade que apenas reforça e abre ainda mais abismos do que repara as suas incoerências e práticas de extermínio. Se nos depararmos, por exemplo, com o processo de surgimento das periferias, que resulta diretamente no racismo ambiental e na precarização estrutural das habitações e do modo de vida do povo negro, está ali imbricado a falta de políticas públicas de assistência social ao povo negro pós-abolição que largou milhões de desempregados nas ruas, e com uma política de governo de embranquecimento da população a partir de financiamento e estímulo para a recepção de mão de obra europeia em solo brasileiro. Aqueles que estão com a caneta nas mãos, que têm o poder de decisão, jogam a responsabilidade para o lado mais fraco, culpabilizam a população pelo lixo nas ruas, pelas construções irregulares e pela precariedade que vivem, como se fosse uma questão pura e simplesmente de escolha.

Como desassociar as coisas?

Como não falar sobre o lugar que o Estado fomenta de criminalidade quando legitima a inanição da população? Roubar comida ou morrer de fome? E assim patrocina as polícias, com a justificativa de conter a criminalidade que o próprio Estado fomenta. Deixar o povo ao léu e depois colocá-los como sujeitos determinantes dos seus destinos. É uma engrenagem que nunca para de rodar, porque é alimentada com o suor e sangue do povo negro. Aos que ficam em vida, restam alimentar essa máquina com as lágrimas que escorrem pelos corpos que tombam diariamente, por fome, por bala, por doença ou que são arrastados junto com as águas da chuva sem nenhuma atenção daqueles que se projetam politicamente da desgraça e dessa barbárie racista.

Por Igor Travassos – comunicador, integrante da Articulação Negra de Pernambuco e da Coalizão Negra por Direitos

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