Localizada em uma região de importância militar e comercial, Somalilândia já declarou independência e agora luta por reconhecimento políticos dos outros Estados do mundo. O que será que a impede de sair do isolamento diplomático?
Texto / Da Redação
Imagens / Reprodução
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A região conhecida como Chifre da África é geopoliticamente estratégica. O que quer dizer que ela é considerada importante para as relações entre diversos países.
Ela é composta por pelo menos quatro países: Etiópia, Eritrea, Dijibuti e Somália, que, somados, têm mais de 123 milhões de habitantes, de acordo com informações da CIA.
Algumas definições mais amplas incluem também regiões do Quênia, Sudão do Sul, Sudão e Uganda.
A importância da região é internacionalmente reconhecida. As duas maiores potências do mundo mantêm bases militares no Djibuti. Os EUA têm ali sua única base permanente da África, enquanto a China escolheu a região para construir sua primeira base internacional, ainda em 2017. Além deles, França, Japão e Itália também mantém áreas militares na região.
Isso porque a costa marítima da região perpassa uma rota comercial de suma importância, ligando o Mar Mediterrâneo com o Oceano Índico atrávés do Golfo de Aden, onde passa quase um terço de todo o trânsito marítimo. Além disso, é uma área próxima ao Oriente Médio.
É no meio desse caldo político caótico que se encontra o território da Somalilândia.
Sem reconhecimento, mas com autonomia
Por exemplo, na última eleição no país, em 2017, União Europeia, França, Reino Unido e EUA enviaram observadores para acompanhar o pleito. A região mantém eleições desde 2003.
O não reconhecimento seria pelo temor de que esse movimento criasse ainda mais problemas para a Somália, região instável e que poderia se enfraquecer ainda mais, além de incentivar mais movimentos de independência no continente. Uma posição que enfraquece a economia da Somalilândia, mas não a impede de agir conforme o desejo do próprio povo.
A região da Somalilândia, porção territorial mais ao norte do Chifre da África, tem capital própria, Hargesia, um governo e moeda própria, instituições políticas e uma polícia local, sendo presidida atualmente por Muse Bihi Abdi, eleito em novembro de 2010. A Somalilândia é uma país majoritariamente islâmico e tem uma população de 3,5 milhões de pessoas, cerca de um terço a população da Somália.
Seu governo argumenta que a independência é totalmente possível tendo em vista as próprias regras da União Africana.
Como a Somalilândia declarou independência da Somália?
A história da Somalilândia como região de desenvolvimento independente da Somália data do início do século XIX. Até 1960, o território era um protetorado britânico, mas se uniu pela independência, em 1961, ao resto da atual Somália, que era controlada pelos italianos.
Nos anos 1980, um grupo rebelde surgiu no país, Movimento Nacional Somali (MNS), que se opôs ao presidente militar da Somália, Siad Barre, que estava no poder desde 1969. O ex-líder havia matado dezenas de milhares de pessoas na Somalilândia, além de destruir boa parte de sua infraestrutura.
Em 1991, ao lado de outros grupos insurgentes, o MNS derrubou Siad Barre do poder. No entanto, o movimento rebelde não reconheceu o governo instalado em seu lugar e declarou a independência da região em maio de 1991.
Após uma década de poder dividido entre clãs, o país aprovou uma constituição e inaugurou uma democracia multipartidária. Porém, isso não foi suficiente para que outros países reconhecessem a independência da região.
Situação delicada
A Somalilândia tem um dos PIBs per capita mais baixos do mundo e uma economia considerada fraca. Isso em muito está ligado com o fato de as relações internacionais do pretenso país estarem bloqueadas em meio ao imbróglio do reconhecimento de sua independência.
Segundo o Council of Foreign Relations (CFR), a principal área de exportação da Somalilândia é a pecuária, cujos produtos envia para os países vizinhos, Djibouti e Etiópia, além de outros países da região do Golfo de Aden, como Omã e Arábia Saudita.
Outro fator que pode atrapalhar a economia da região é que o isolamento diplomático impede que empréstimos sejam feitos em insituições internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Essa situação delicada economicamente, consequência da exclusão dos mercados internacionais, é entendida pelo governo como uma ameaça ao país, e, segundo analistas ouvidos pelo CFR, põe em risco as décadas de avanço político vividas pelo país.
Quais as chances de a inpependência chegar?
O governo de Mogadíscio não aceita a independência total da Somalilândia, apesar de reconhecer sua autonomia. O atual presidente da Somália, Mohamed Abdullahi Mohamed, ou Farmajo, afirmou em março que a Somália deve permancer unida.
Já o ministro de Relações Exteriores da Somalilândia, Saad Ali Shire, ainda acredita na independência. Para ele, o diálogo é a única via fora a guerra. Ele entende que a colaboração da Somalilândia com a luta contra o terrorismo e a garantia da Segurança Alimentar na Somália são fatores para que ambos se reconheçam como estados africanos independentes.
Da mesma forma, observadores internacionais acreditam que possa haver avanços nesse sentido entre os dois líderes dos países.
Os maiores impasses para que isso se concretize, no entanto, estão na situação de insegurança na qual permanece a Somália.
Em primeiro lugar, Milhares de militares das forças de paz da ONU e tropas da União Africana permanecem no país há mais de uma década em combate contra o grupo terrorista Al-Shabab.
Em outubro de 2017, a capital somali, Mogadíscio, sofreu o que foi considerado um dos maiores ataques terroristas da história, com mais de 300 mortos e 400 feridos. Ao que o reconhecimento da independência total da Somalilândia poderia ser um fator agravante para a crise.
Em segundo lugar, crise de escassez de alimentos e seca vivida pelo país coloca em risco sua infraestrutura, e qualquer região produtiva perdida ou abalo político pode trazer consequências difíceis de contornar.
Alguns observadores acreditam que o reconhecimento da União Africana sobre a independência do país traria o efeito desejado por Hargesia. No entanto, a organização teme, segundo o CFR, que esse reconhecimento possa desencadear outros movimentos similares no continente, como a região de Biafra, na Nigéria, e também o movimento dentro do Marrocos, conhecido como Sahara do Leste, ou República Democrática Árabe Sahrawi.
As duas últimas experiências de independência no continente foram na Eritreia, também do Chifre da África, que se separou da Etiópia em 1993, e a do Sudão do Sul, o Estado mais jovem do mundo, que se separou do Sudão em 2003. Ambas são experiências que resultaram em problemas para as regiões, como no caso da última, mergulhada em guerra civil e instabilidade.
Incerteza não abala desejo pelo fim do isolamento
Apesar de tantas incertezas, permanecem alguns fatores de esperança. Não há, por exemplo, conflitos armados entre Somália e Somalilândia, que mantêm relação de respeito e independência.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento político da experiência política da Somalilândia parece não deixar alternativas a não ser o reconhecimento de sua autonomia. Tanto as eleições quanto o pleno funcionamento das instituições são fatores importantes.
Seu posicionamento em uma região de estratégica militar e comercialmente também pode ajudar. Em 2017, a Somalilândia chegou a firmar acordo com os Emirados Árabes Unidos para construir uma base militar na região. E, em 2016, já havia fechado acordos com uma empresa de Dubai para reformar e modernizar seu maior porto, em Berbera.
Essa situação é muito mais favorável do que as enfrentadas por movimentos similares na África e mesmo em outros lugares, como é o caso da Catalunha, que teve líderes presos e exilados, além de uma forte resposta política e policial da Espanha.
Com tudo isso, apesar das dúvidas, a Somalilândia tem chances de se tornar o Estado mais novo do mundo nos próximos anos.