Maior mostra do país será online e terá produção que traz pessoas negras contando suas histórias
Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Divulgação
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo chega a sua 44ª edição como o maior evento do setor no país. Ano após ano produções retratam o mundo por meio da sétima arte. Algo comum nos grandes eventos é a presença de filmes sobre pessoas brancas dirigidos por elas mesmas. É exatamente isso que a diretora negra Joyce Prado quebra ao estrear o seu primeiro longa-metragem no evento, que esse ano acontece em formato online, entre os dias 22 de outubro e 4 de novembro.
“Chico Rei Entre Nós” conta a história de um rei congolês escravizado, que libertou a si e aos seus súditos durante o Ciclo de Ouro em Minas Gerais. A história é o ponto de partida para explorar os diversos ecos da escravidão brasileira na vida das pessoas negras e da sociedade de hoje, entendendo seu movimento de autoafirmação e liberdade a partir de uma perspectiva coletiva. O desafio, segundo a diretora, foi trazer personagem póstumo às telas.
“Falo de pessoa que não está mais presente. Há quem o considera mito, que é o lugar que colocam pessoas negras importantes. Enquanto nossa história fica na oralidade, os brancos existiram e ponto”, explica Joyce.
O longa olha para o Chico Rei, sobre o que é fato, o que é mito, o que é historicidade oficial e busca entender como personagens do presente conseguem continuar as lutas dele. “Há um processo subjetivo, enquanto pessoas pretas, da amplitude da consciência. Temos estratégia de resistência e persistência. Nesse caminho olhamos para locais que foram minas de ouros e hoje são pontos de visitação, para a irmandade Nossa Senhora Rosário dos Homens Pretos”, pontua a diretora.
Ela ressalta que as igrejas católicas começam a ter santos pretos para que o sincretismo religioso ocorra. Na Ouro Preto contemporânea, as resistências ocorrem nas escolas de samba e nas lutas por espaço de moradia. “Para construir dentro de ideia de narrativa o que foi a experiência de Chico Rei no Brasil começo a pensar em processo pessoal. Vivemos em cárcere subjetivo, e tentamos mudar a realidade e buscar emancipação, se entendendo como população negra, assim como ele fez”, descreve.
Aos 33 anos, a diretora conta que na sua formação tinha maior interesse por ficção, mas se aproximou do estilo documental em produções como “Cartas de Maio” e na série “Empoderadas”. “É uma maneira de dialogar com o passado de pessoas pretas, nos aproximar das pessoas que existiram nesse passado. Começo a questionar o que pensavam e ansiavam os nossos ancestrais. Documentários trazem respostas e falam da complexidade de você e do seu depoente para ir se abrindo e contando”, considera.
O filme deve fazer com que o público da mostra escute a população preta que não tem validação acadêmica, mas tem o conhecimento das suas próprias vidas. “Espero que as pessoas escutem o que essas pessoas pretas de formação autodidata tem a dizer. A mostra é acompanhada por muitos críticos, mas quero mesmo mobilizar galera preta para assistir ao filme e buscar diálogo mais direto”, afirma Joyce.
Chico Rei, segundo ela, busca preencher ausência de debate sobre memória e história. “Sinto falta de aprender sobre população negra não pelo período de escravidão, mas, sim, do conhecimento que foi sequestrado de África. Compreender aquele período por meio de perspectiva preta constrói relevância para o projeto”, afirma.
A equipe de filmagem foi inteiramente feminina e majoritariamente negra, fazendo com que os negros sejam protagonistas do filme em frente as câmeras, e donos de sua própria história. “Eu acredito que essa é a única maneira por meio da qual conseguimos falar com as pessoas negras ao redor do globo, que passam pelas mesmas lutas que nós; e também para todos aqueles que querem conhecer um pouco mais da nossa história”, acredita a diretora.
“Nós precisamos entender que não estamos sozinhos. Nosso poder está em nos mantermos juntos, em existirmos coletivamente. Auê, Chico Rei!”, completa Joyce, que agora sonha em contar a história da historiadora, professora, roteirista, poeta e ativista Beatriz Nascimento. “É um dos projetos que tenho maturado, mas precisa dar conta da complexidade que foi essa mulher”, finaliza.