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Alta letalidade e poucos dados: como as polícias militares são fiscalizadas no Brasil?

Segundo coordenadora do Instituto Fogo Cruzado, os estados brasileiros têm problemas em comum: falta de transparência, dados de qualidade para subsidiar políticas públicas e vontade política para uma sistematização detalhada e bem divulgada
Imagem mostra policial militar de baixo para cima no sambódromo do Anhembi, em São Paulo.

Foto: Eduardo Saraiva/Fotos Públicas

1 de novembro de 2023

Por: Verônica Serpa

Entre 2021 e 2022, o Brasil registrou 12.922 mortes em decorrência de intervenções policiais, segundo dados do Anuário de Segurança Pública. Para fins de comparação, os Estados Unidos contabilizaram 8.759 mortes por disparos policiais nos últimos oito anos, mostrou levantamento do jornal The Washington Post. No mesmo período, as mortes por agentes policiais brasileiros superaram 40 mil, cinco vezes mais do que a polícia estadunidense.

Bahia, Amapá e Rio de Janeiro lideram os indicadores de letalidade policial, de acordo com o Anuário. O número evidencia um lapso nacional no controle das atividades policiais no país. A pergunta que fica: Quem monitora, fiscaliza e pune os agentes policiais no Brasil? 

No caso das polícias militares, os estados fazem esse trabalho por meio das Secretarias de Segurança Pública junto às Corregedorias de Polícia. O Ministério Público também divide a obrigação de monitoramento da classe, função essa garantida pelo artigo 129 da Constituição.

Cada estado e Corregedoria possui legislação e tribunais próprios para questões relacionadas aos agentes de segurança, o que dificulta uma padronização na política de controle. Por lei, as corregedorias são repartições específicas de regulação interna das PMs, visando “prevenir e reprimir a prática de atos de improbidade administrativa, crimes em geral e violações da disciplina e hierarquia militares”.

Porém, a atuação das corregedorias não é clara para a sociedade civil. Há uma lacuna nos poucos dados que são divulgados e os altos índices de letalidade policial, na qual a atuação pública ainda não conseguiu preencher. É o que aponta a jornalista Cecília Olliveira, coordenadora executiva do Instituto Fogo Cruzado.

“O problema dessas formas de controle é que a atuação desses dois órgãos, MP e Corregedoria, é pouco transparente e não temos informações sobre como essa atividade é feita, quais os parâmetros de avaliação da atividade policial, como é medida a eficiência das ações”, contextualiza a também especialista em Segurança Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O Instituto Fogo Cruzado realiza levantamentos e apurações de dados de violência armada, monitorando diariamente casos de tiroteio no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. Além do mapeamento, o Instituto trabalha junto a outras organizações e defensorias públicas para fomentar e articular políticas de segurança pública. 

A coordenadora do Instituto considera que a falta de transparência nessas informações contribui com a alta letalidade das polícias. “Quando não há dados, gestores públicos e tomadores de decisão deixam de admitir a própria falha na prevenção da violência armada”, avalia.

Uma das organizações que atua junto ao Fogo Cruzado e complementa a produção de dados de segurança pública no estado da Bahia é o Ideas Assessoria Popular. Wagner Moreira, fundador e coordenador da iniciativa, explica sobre a falta de atenção do estado baiano quanto à escassez de informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP).

“Nós temos alguns espaços de publicação diária, teoricamente é ele, embora nos últimos períodos ele passe mais tempo fora do ar do que no ar”, conta Wagner. 

A plataforma referida é o boletim da SSP, que conta apenas com dados de homicídios e tentativas de homicídios, que notifica as ocorrências por nome, sexo, idade e local e hora da ocorrência. “É uma ferramenta muito frágil, desagregada, no ponto de vista de pesquisa, é muito fraca”, completa.

O boletim possui filtro de data e, do dia 1º de janeiro a 21 de outubro deste ano, contabiliza 10 homicídios em BA. O número, no entanto, é bem inferior aos casos divulgados pelo Instituto. “Somente em 2023, 415 pessoas foram mortas durante ações policiais em Salvador e na região metropolitana”, diz Cecília.

A SSP da Bahia possui uma publicação anual de seus dados de segurança, feita em conjunto com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI), mas não inclui informações sobre mortes em decorrência de ações policiais. “O anuário baiano não tem nenhum dado de letalidade policial”, explica Wagner.

Além da produção de dados, as duas organizações compõem o Grupo de Trabalho de Letalidade Policial, junto a Defensoria Pública da Bahia, Instituto Odara e a Iniciativa Negra, que reivindicam políticas públicas de combate à letalidade policial. 

“Os governos precisam ser transparentes e abrir para a sociedade os dados que produz. A partir disso, será possível estabelecermos um diálogo amplo, envolvendo sociedade civil e Estado, para que possamos aprimorar essa produção de informação”, aponta Cecília.

Procurada pela Alma Preta, a Polícia Militar da Bahia informou que instaurou 1.829 processos de apuração de conduta de policiais militares em 2022, e que 62 agentes foram demitidos. “Desde março de 2023, a competência de investigação de mortes em confronto com a PM é da Polícia Civil, porém quando é verificado indício de excesso em alguma ação, a corporação abre um feito investigatório para apurar a conduta”.

Foto: Divulgação/Governo do Estado da Bahia

Ouvidorias de Polícia

Cada unidade da Polícia Militar possui sua própria Ouvidoria, destinada às denúncias relacionadas a algum agente policial ou ação da PM, que pode ser acessada pelo cidadão por telefone, internet ou presencialmente, a depender do funcionamento de cada unidade. 

Algumas ouvidorias, como da PM do Rio de Janeiro ou a de São Paulo, produzem um relatório de atividades, mas não é regra. Dos três estados com maior taxa de letalidade policial, apenas o Rio disponibiliza o documento na íntegra. 

No Rio, foram registradas 31 denúncias de “Irregularidade de Policial Militar” no segundo trimestre de 2023, diz relatório da Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM).

Já na  Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMSP), os dados do Relatório de Atividades da Ouvidoria, de 2021, mostram o volume de denúncias pela ouvidoria de polícia. Dos protocolos abertos naquele ano, mais de 25% se destinam à denúncias de violência policial. Abuso de autoridade, mortes por intervenção policial e agressão somaram 904 denúncias, representando 18,26% do montante.

Mesmo com o relatório, não há informações disponíveis sobre maiores apurações destas e outras denúncias de agentes policiais militares. Também não há padronização na produção de dados de todas as polícias, dificultando o monitoramento.

A reportagem perguntou para as polícias militares dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Amapá sobre os processos de apuração das denúncias de policiais e também sobre os processos e condenações destes casos nos últimos dois anos. Até a publicação deste texto, não houve resposta da PM do Rio e nem da corporação do Amapá. mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

A PM paulista, por sua vez, emitiu uma nota sobre o tema. “A Polícia Militar esclarece que as atividades desenvolvidas pela Corregedoria da Polícia Militar e pela Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo são distintas e específicas. A Ouvidoria não possui qualquer ligação orgânica com as Polícias Civil, Militar e/ou Técnica Científica do Estado de São Paulo, possuindo dinâmicas e obrigações próprias.  Por tanto, os órgãos possuem estruturas com objetivos distintos, as quais produzem resultados e relatórios atinentes às suas atividades.”

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