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IBGE faz análise da saúde dos estudantes sem recorte racial

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019 (PeNSE) foi divulgada na última sexta-feira (10/9) e trouxe informações importantes sobre os fatores de risco e de proteção à saúde dos adolescentes em fase escolar; falta de dados sobre raça/cor pode dificultar elaboração de políticas de combate ao racismo nas escolas

Texto: Fernanda Rosário | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Suami Dias/ GOVBA

A imagem mostra um grupo de estudantes em sala de aula. A foto ilustra a matéria sobre subnotificações geradas por faltas de dados em pesquisa.

14 de setembro de 2021

Entre os dados do levantamento realizado pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2021, está a condição de saúde mental dos estudantes. Segundo a pesquisa, 21,4% dos escolares, entre 13 a 17 anos, afirmaram sentir que a vida não valia a pena ser vivida na maioria das vezes ou sempre. O levantamento, entretanto, não apresenta dados separados em quesito étnico-racial. A falta dessas informações específicas sobre os adolescentes em fase escolar não revela, portanto, o impacto do racismo na saúde mental destes estudantes. 

O coordenador da Área Temática de Saúde da População Negra da Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negras e Negros (ABPN), Altair Lira, enxerga que a falta de dados gera subnotificação e uma dificuldade para a criação de políticas públicas de enfrentamento ao racismo estrutural. 

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São poucas as informações com recorte racial disponíveis na PeNSE. De acordo com o último levantamento, 43,3% de escolares se declararam pardos e 13,7%, pretos. Além disso, o quesito raça/cor aparece ao mostrar as perspectivas de educação após término do ensino fundamental e médio – em que 11,6% dos que se declararam brancos e 7,8% dos que se declararam pretos responderam apenas continuar estudando, o que se inverte quando brancos (7,8%) e pretos (11,1%) respondem apenas trabalhar.

Segundo Wagner Silveira, coordenador de Divulgação do IBGE/SP, para uma informação ser publicada em pesquisas do instituto, os dados de um levantamento precisam ser confrontados com informações publicadas anteriormente em outras pesquisas, como o Censo. Quando, de alguma forma, informações da amostra atual não correspondam a um universo total da população, o dado é descartado por não ser confiável. 

“Para adulto é mais fácil se identificar com cor/raça. Crianças e adolescentes é um pouco mais difícil. Quando a dispersão na resposta é muito grande, não podemos afirmar que a média daquele grupo esteja dentro daquele intervalo de confiança estabelecido, que é de 95%. Eu afirmo que 95% vai representar a realidade, quando ultrapassa isso, a gente descarta essa informação”, ele explica.

Assim, de acordo com Wagner, por conta do quesito raça/cor ser autodeclaratório nas pesquisas, o instituto pode encontrar inconsistências nos dados que são coletados dos adolescentes, porque as informações sobre a autodeclaração podem ser passadas de forma equivocada ou serem deixadas em branco. Nesse sentido, a informação deve ser descartada por não ter confiabilidade, o que explicaria a falta do quesito raça/cor nos resultados.

Inconsistências na autodeclaração entre adolescentes

A psicóloga Beatriz Campos Ribeiro, do Grupo Reinserir Psicologia, considera que há um debate raso e ainda imaturo sobre o processo de miscigenação e colorismo formador da sociedade, o que pode dificultar uma autodeclaração dos jovens. Segundo ela, a punição para que se anule as diversas identidades se faz na reprodução de violências, como genocídio, piadas racistas, falta de representatividade nos espaços e todo o conjunto de efeitos do racismo estrutural.

“Como o jovem se sente confortável em se identificar etnicamente, se socialmente possui sua pluralidade apagada? Ele se sente autorizado em ser ou em reproduzir algo que atenda o molde falido colonizante? A auto-agressão e o auto-ódio se faz presente nessa fase ainda mais quando lembramos desse período como um processo físico, hormonal e emocional de mudanças e formador de identidade”, pontua Beatriz.

Escola como estratégia para a diversidade

Para o coordenador de Divulgação do IBGE/SP, deveria haver também uma maior formação de jovens, entre 13 a 17 anos, em fase escolar para se compreenderem dentro de uma identidade cultural e identidade racial. “Então, o que precisa mais, talvez a partir de escolas, é ter essa parte de identidade de gênero, de cor/raça, cultura e religião. Talvez começar a fazer parte da grade escolar”, complementa.

De acordo com a psicóloga Beatriz, a escola é a instituição que pode ser encarada como uma das possibilidades e estratégias de acesso a conhecimentos plurais, porém, pode também reproduzir normativas punitivas de controle. “Compreender as diversas identidades é alicerce para uma educação libertadora, que se faz presente em uma educação decolonial, que reconhece os diversos atravessamentos e violências sociais como influenciadores na compreensão de si e do coletivo que se faz parte”, relata a psicóloga.

É preciso adaptar às pesquisas aos diferentes grupos sociais

A PeNSE, que é realizada pelo IBGE, em parceria com o Ministério da Saúde e com o apoio do Ministério da Educação, é feita nas próprias escolas. O estudante recebe um coletor de dados, que se assemelha a um celular, e responde individualmente, sem qualquer interferência ou abordagem explicativa.

Para Altair Lira, também antropólogo e sanitarista, há uma necessidade de mudança da forma como as pesquisas são aplicadas, porque os levantamentos que falam sobre saúde da população negra são importantes como indicativos das desigualdades entre os diversos grupos da sociedade.

Em torno da saúde mental, por exemplo, há uma maior vulnerabilidade da população negra. Em 2016, o risco de suicídio foi 45% maior em adolescentes e jovens negros comparados aos brancos, de acordo com a cartilha publicada pelo Ministério da Saúde. Resultados como esse, com recorte racial, ajudariam na compreensão da população negra e parda em fase escolar.

“Como pesquisador, eu não acredito numa impossibilidade [de coleta para resultados com recorte racial], eu acredito que nós devemos desenvolver as ferramentas, as estratégias para conseguir essa coleta, muitas vezes, ao dialogar com grupos diferenciados. Então, eu adapto o meu instrumento, a minha forma. É muito mais sobre a superação dessas dificuldades e barreiras culturais de entendimento do que propriamente uma impossibilidade de se fazer a coleta”, finaliza.

Leia também: Setembro Amarelo: racismo e exclusão social explicam alto índice de suicídio entre negros no país

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