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Justiça nega liberdade para nigeriano preso em ação policial suspeita de fraude

17 de agosto de 2020

Mesmo com a existência de um vídeo que levanta dúvidas sobre um flagrante forjado, desembargadores rejeitaram pedido de apelação feito pela defesa do imigrante condenado a seis anos de prisão por tráfico de drogas

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Gláucio Dettmar/CNJ

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A 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido de revisão da sentença que condenou um imigrante nigeriano a seis anos de prisão por tráfico de drogas. O pedido havia sido feito pela defesa do acusado com base em um vídeo que levanta suspeita sobre flagrante forçado.

Nascido na Nigéria, Segun Adesina Ososami, de 43 anos, é engenheiro mecânico de formação e pai de dois filhos pequenos. O imigrante administrava uma lanchonete há 12 anos em São Paulo. O processo levado a julgamento na 20ª vara criminal do TJ-SP já levantava várias suspeitas sobre os procedimentos da operação policial e do inquérito.

De acordo com policiais da Força Tática, em 29 de julho, eles abordaram uma pessoa no centro da cidade que estava com maconha. Essa pessoa, que não foi identificava e nem presa, disse que havia comprado a droga na galeria comercial conhecida como “Galeria do Reggae”. Os vendedores seriam “negões” e “africanos”, segundo a pessoa, em duas lojas do terceiro andar. Com essas informações, os policiais liberaram a pessoa e foram até a galeria.

“O princípio da presunção de inocência cristalizado na Constituição Federal e que protege todo o processo penal não tem sido aplicado a pessoas negras e provenientes das classes desfavorecidas economicamente. As pessoas precisam ser julgadas pelos seus atos e não pela cor de pele”, afirma o advogado Estevão Silva, presidente da Anan (Associação Nacional da Advocacia Negra).

O processo, assim como os relatos dos policiais no boletim de ocorrência, tem informações divergentes e superficiais sobre o local onde as drogas eram vendidas, bem como a quantidade. Na ocasião, Ososami falou para os policiais que era o dono de uma loja. No local haviam entre sete e dez pessoas, mas apenas o comerciante nigeriano e um outro rapaz, de uma outra loja, foram presos.

No vídeo, feito por pessoas que estavam na galeria, aparece um policial identificado como Paulo, da Força Tática, fazendo a revista na loja. Em um momento, ele coloca a mão dentro do colete e tira um pacote que parece embalado em plástico. Discretamente, ele coloca o pacote junto com as outras coisas apreendidas.

“Esse vídeo é uma das inúmeras provas que levantam suspeitas graves sobre como foi a prisão do meu marido, porém os juízes ignoraram tudo e acreditaram só na versão da polícia”, diz Maria*, esposa do comerciante preso.

Os juízes Zorzi Rocha, Farto Salles, Ricardo Tucurunduva e Lauro Mens de Mello, da 6ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, produziram uma sentença de 22 páginas. Em nenhum momento o documento cita o vídeo que registrou a ação de busca e apreensão na loja de Ososami.

Um dos trechos da sentença da apelação reproduz o depoimento do policial Paulo, onde ele justifica que o telefone celular tocou durante a revista e ele “fez menção de atender”, no entanto, “como estava com as mãos ocupadas, acabou desistindo”. Essa justificativa foi considerada suficiente para juíza Carla de Oliveira Pinto Ferrari condenar o imigrante sem fazer nenhuma outra contestação.

“As inúmeras decisões judiciais equivocadas têm sido fruto de um julgamento rápido, parcial e que talvez não tenha analisado com profundidade todas as provas levadas a juízo, dado o justo valor à fundamentação dos advogados”, salienta o presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra.

Em nota enviada ao Alma Preta, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que os juízes “têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento”. O Tribunal disse ainda que “não se posiciona sobre questões jurisdicionais”. Os juízes, segundo o TJ-SP, não podem conceder entrevistas à imprensa sobre os processos julgados.

* O nome utilizado é fictício para preservar a identidade da fonte.

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