“O policial, na verdade, é uma pontinha que só faz puxar o gatilho de toda uma estrutura. É ela que coloca ele naquele lugar, naquelas condições, com aquele nível de fragilidade de exposição e com o dedo no gatilho. Esse é o debate que eu acho que é central”.
A avaliação acima é do investigador Kleber Rosa, que atua na Polícia Civil há 20 anos. Mas ela é representativa da discussão da qual ele participou, no 1º Encontro de Policiais Progressistas da Bahia, que aconteceu nesta terça-feira (13), em Salvador.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
O evento é inédito e teve o objetivo de consolidar um espaço permanente de escuta, formação e articulação política entre os profissionais da área.
O foco, segundo os organizadores, é construir uma “segurança pública alinhada com os valores democráticos, dos direitos humanos e da justiça social”.
O encontro aconteceu no auditório da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) e foi promovido pelo deputado estadual Radiovaldo Costa (PT-BA) em parceria com os Setoriais de Segurança Pública da Bahia. Entre os participantes estavam profissionais da segurança pública, pesquisadores e lideranças políticas.
Rosa, dono da declaração que abre este texto, pontuou a necessidade de se discutir a como identificar os problemas de estrutura das polícias. Para ele, a responsabilidade por erros e mortes não pode ser apenas individual, na figura do policial, mas também da gestão.
“Nós precisamos responsabilizar quem de fato dirige a segurança pública. Independentemente da responsabilização individual, que é necessária. Então nós precisamos começar a cobrar e apontar o dedo para quem, de fato, é responsável por toda a estrutura”.
Integração da segurança com outras políticas
A advogada, pesquisadora em segurança pública e atual assessora especial da Presidência da República, Tamires Sampaio, foi uma das integrantes das mesas do encontro.
Ela ressaltou a importância da adoção de políticas públicas de segurança pública integradas com os demais setores públicos, como saúde, educação e cultura, por exemplo.
Dados do Atlas da Violência, divulgados no início desta semana, apontam que, apesar da diminuição nos índices de homicídio no Brasil na série histórica, as taxas de feminicídio, homicídios contra jovens e pessoas negras continuam em crescente no país. A Bahia é o segundo estado com maior taxa de morte entre jovens.
Leia mais sobre segurança pública:
- Estudo revela que nenhum policial foi responsabilizado por abordagens violentas em 6 anos em SP; 62% das vítimas eram negras
- PEC da Segurança Pública ignora sociedade civil e aprofunda modelo militarizado, diz especialista
“Construir política de prevenção de maneira articulada com as forças de segurança e as áreas mais sociais faz diferença em uma gestão que se propõe a enfrentar a violência. E, inclusive, faz diferença nesses recortes de gênero e raça desses indicadores que a gente mostrou”, destaca Sampaio.
A partir de sua experiência como gestora de segurança pública em Diadema e coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), Sampaio fala sobre os desafios e caminhos de debater a segurança pública do ponto de vista cidadã.
“Isso é um desafio porque a gente está falando de mais investimento, de dados, de uma intersecção de áreas que muitas vezes não têm relação. É uma disputa política de um projeto de país. Porque, nos últimos anos, a gente viu crescendo essa lógica do fascismo, que traz para a sociedade esse olhar de achar que a política de segurança pública é só violência e repressão, e não é”, explica a pesquisadora.
O policial penal e ex-diretor de Inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SEAP-SP), Abdael Ambruster, ressalta a articulação entre os setores da administração pública no combate às desigualdades.
“Se a gente não trabalhar junto para que possamos sair unidos na segurança pública e fazer esse combate ao racismo, à homofobia, à transfobia, pouco a gente vai andar”, avalia Ambruster, que também é coordenador Nacional de Segurança Pública do PT e especialista em criminalística, segurança pública e direitos humanos.