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‘O policial padrão é o que não adoece e vários estão explodindo’

O esgotamento mental como o de Wesley Soares, que teve um surto em Salvador no fim de semana, pode estar ligado ao estresse da profissão, pressão política e falta de perspectivas dos policiais

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução/Redes sociais

O policial padrão é o que não adoece e vários estão explodindo

30 de março de 2021

Aos 38 anos de idade, 13 deles atuando como policial militar, Wesley Soares, se tornou mais um dado estatístico para estudos sobre o esgotamento mental dos profissionais das forças de segurança, após um surto de quase quatro horas, que resultou na sua execução diante das câmaras de televisão em um ponto turístico de Salvador, na Bahia, no domingo (28).

“É um problema institucional, inconsciente, social e político que afeta os policiais. No mundo civil, a hierarquia é disfuncional e isso impacta na vida das pessoas. No trabalho militar, até o direito de fala passa por uma questão de hierarquia. Há um regramento, por exemplo, que define a cor do batom. Antigamente, até para se casar precisa pedir autorização”, explica Pedro Chê, membro do Conselho Nacional do Movimento de Policiais Antifascistas.

O diagnóstico e o tratamento precoce de casos de esgotamento  tendem a ser difíceis devido à exigência imposta pela disciplina das forças de segurança pública e da imagem que a sociedade produz dos policiais.

“O policial padrão é o que não adoece. Aquele que adoece mentalmente é visto como inapto ou que quer fugir do trabalho. O policial tem que ser guerreiro. O fraco, doente, é visto como um problema ou uma insegurança para outros policiais”, comenta Chê, que é policial civil.

Adoecimento mental

A OMS (Organização Mundial de Saúde) reconhece a síndrome grave de burnout como uma doença crônica relacionada à vida cotidiana. No Brasil, é um dos motivos que levam ao afastamento do trabalho e até à aposentadoria por invalidez.

Em 2017, por exemplo, foram registrados 196 casos crônicos de Síndrome de Burnout, que resultaram em afastamento do trabalho. No ano seguinte, foram 421 casos, de acordo com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Para o representante dos policiais antifascistas, são dados ainda subestimados considerando a pressão e a frustração que sofrem os agentes das forças de segurança.

“O policial de base, seja civil ou militar, tem pouca ou nenhuma autonomia. Quando tem alguma autonomia é por concessão dos seus superiores. Ele não se vê como protagonista de nada. Por mais qualificado, não adianta nada o que ele sabe”, detalha Chê.

A frustração que pode gerar um princípio de adoecimento mental ocorre pela falta de perspectivas na carreira. Wesley era soldado, tinha comportamento exemplar, de acordo com os amigos, e estava na PM há 13 anos.

“O Brasil é um país onde as polícias são divididas em duas castas, sem carreira única. Quem entra na base como soldado ou como agente nunca vai ser gestor, por melhor que ele seja. Já o oficial e o delegado, já entra como gestor mesmo não tendo nenhuma qualidade extra, simplesmente passou numa prova e se constituiu chefe numa burocracia”, salienta Chê.

Frustração com o governo Bolsonaro

Além da estrutura, a frustração de parte dos policiais se deu por conta dos desdobramentos e da decepção após a eleição de Jair Bolsonaro como presidente, em 2018.

“Se vendeu a ideia de que o país seria diferente. Os policiais fizeram campanha na expectativa de valorização da carreira. Isso não aconteceu. Os problemas sociais, agravados pela pandemia, caíram nas costas dos policiais. Eles estão mais estressados. O policial, mesmo que não tenha se revoltado contra o Bolsonaro, está incomodado com a situação. Então você vê vários deles explodindo”, disse Chê.

O movimento dos policiais antifascistas prepara um documento criticando as situações que levam ao adoecimento e ao desgaste mental dos agentes das forças de segurança.

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