Piscina com deck, área fitness, salão de festas, terraço e praça. É o que promete o empreendimento que está colocando em questão a desigualdade escancarada na Zona Sul do Recife. Localizado no bairro do Pina com cerca de 30 mil habitantes – onde estáão comunidades de baixa renda como o Bode – o “Mirante do Capibaribe”, empreendimento da construtora Moura Dubeux, é mais um prédio de luxo em área de vulnerabilidade social da cidade. Apartamentos chegam a preço de custo na faixa de R$ 2.638.793,00 enquanto a população local amarga com a falta de políticas públicas.
Já na metade de sua construção, o empreendimento ainda promete “vista exclusiva”, estando ao lado de uma zona periférica, em um raio que abarca, além do bairro do Pina, outras áreas que também são caracterizadas pela população, em sua maioria, preta e de baixa renda. Estão incluídos na visão do condomínio bairros como Brasília Teimosa, área que vive, basicamente, da pesca, comércio e turismo popular.
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A chegada do Mirante preocupa os moradores da área que podem ver o custo de vida elevado em decorrência do padrão socioeconômico das pessoas que passarão a morar no local. Eles relatam o receio de acabarem “expulsos” pela ação da especulação imobiliária. Um projeto que, segundo eles, não integra a comunidade do entorno e mercantiliza uma zona vulnerável da capital.
Para o ativista popular, acelerador social e idealizador do Coletivo Pão e Tinta, coletivo de artistas e ativistas residentes na Comunidade do Bode – área periférica que está no rádio de visão do empreendimento -, Pedro Stilo, prédios de luxo como esse impactam pela falta de diálogo com a comunidade e pela falta de investimento e integração no espaço.
“A especulação revela a falta de conversa com a comunidade, e a não procura da gente para saber quais são as nossas necessidades, sobre o que nos falta na região. De investimento na nossa população, o máximo que fazem é gerar subempregos e aumentar o valor de tudo dentro da área que ocupa. Ao meu ver, contando com o apoio do estado, essas empresas de grande porte conseguem, com o tempo, ter controle pelo espaço e somos nós, moradores antigos, que estamos na mira para serem retirados”, analisa.
Stilo ainda ressalta a falta de comunicação do poder público que parece favorecer interesses da classe empresarial, dando aval à ocupação de espaços que poderiam ser de desenvolvimento, cultura e lazer para as comunidades. “É uma guerra velada de interesses, o braço armado do governo em prol dos interesses dos mais ricos e em defesa dessa classe. E quando há diálogo dessas empresas de grande porte ou do próprio governo pra suprir o que nos falta, é do jeito e modo que querem, sem diálogo”, finaliza.
Estão incluídos na visão do condomínio bairros como Brasília Teimosa, área de baixa renda, onde os moradores vivem, basicamente, da pesca, comércio e turismo popular (Imagem: Reprodução/YouTube)
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Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, a integrante do movimento negro dentro da Federação Nacional de Arquitetura, Maria Magdala, explica que o novo plano diretor aprovou possibilidades de desmembramento das Zonas Especiais de Interesse Social e com isso passou a se especular áreas que não antes faziam parte da malha urbana do entorno.
“Diante desses processos de especulação, o que possivelmente vai acontecer é que edifícios como esses sejam implementados ainda mais em áreas que são nobres, como a Zona Sul, mas que contém periferia. Espaços onde as pessoas já haviam sido empurradas por estarem inseridas em regiões menos favorecidas. Um exemplo que a nossa legislação, mais uma vez, converge para que não exista uma equidade de acesso a questões essenciais como a moradia”, pontua.
Demais líderes comunitários chegaram a questionar a localização do empreendimento por se tratar, segundo eles, em primeiro momento, de uma ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social – do bairro, área de assentamento habitacional de população de baixa renda, surgida espontaneamente, proposta pelo Poder Público; área que traz a possibilidade de urbanização e regularização fundiária.
O alerta da ocupação do espaço foi encaminhado ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), mas, de acordo com o órgão, o imóvel não está dentro da zona em questão, de acordo com o mapa definido pela Prefeitura do Recife.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Moura Dubeux, mas não recebeu resposta até o fechamento da matéria.
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