Se aprovado, fundo que termina em 2020 e representa a possibilidade de diminuição das desigualdades por meio da educação se tornará permanente
Texto: Flávia Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: Pedro Peduzzi/Agência Brasil
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A Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) 26/2020 que torna permanente o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deve ser votada em agosto pelo Senado Federal. O texto, aprovado na Câmara dos Deputados em julho, representa a possibilidade de acesso e manutenção da educação, principalmente em regiões mais distantes dos centros urbanos e das pessoas mais pobres, conforme a avaliação de especialistas.
Além de tornar o Fundeb permanente, a PEC propõe outras mudanças, como o aumento gradativo da participação da União, que passaria a contribuir dos atuais 10% para 23% até o ano de 2026. Outra mudança é a criação de um critério aprimorado de distribuição dos novos recursos do governo federal, que também aumenta o potencial redistributivo do fundo, ampliando em 54% o número de redes de ensino beneficiadas pela complementação da União e, consequentemente, o número de alunos atendidos pelo recurso federal.
Em vigência desde 2007 e com término previsto para o final de 2020, o Fundeb foi criado para substituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que perdurou entre 1997 e 2006. “O fundo tem a função de garantir os meios mínimos para uma educação básica a fim de custear salários de professores, uniforme escolar, infraestrutura, material didático e merenda escolar”, explica Adriano Sousa, coordenador da Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora), em Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo.
De acordo com o coordenador, o Fundo surgiu para atender minimamente o mercado de trabalho da globalização em que a massa da população não poderia ser analfabeta. “Atender uma demanda principalmente para a alfabetização, como uma escola que pretende formar para o básico. Não tem pretensão de formar a pessoa para a universidade, para ser chefe de estado, no futuro. Não tem esse fundamento”, salienta Sousa, que também é historiador, educador popular e mestrando em História Social na USP.
O educador destaca que a escola pública no século 20 era um privilégio das elites e das classes médias. “A população negra e pobre ficou de fora da escola por muito tempo, seja por proibição legal ou descaso do estado em não fornecer o número de vagas suficientes. O Fundeb surge, obrigando estados e municípios, e em parte a federação, à investir na educação para que as pessoas pudessem, pelo menos, se alfabetizar”, afirma.
Em última análise, garantindo elementos mínimo para a educação, o Fundeb representa o combate às desigualdades no país, que resultam de fatores históricos como colonização, da escravização e do racismo estrutural. “Muitas vezes a pessoa vai à escola para ter acesso a uma peça de roupa, merenda escolar, material didático e material de estudo, como caneta para poder escrever”, comenta Sousa.
“A gente sabe que não é suficiente, que a gente precisa de uma escola com muito mais infraestrutura. Caderno só não basta, precisa de meios com o letramento digital, estrutura de internet, tablets, celulares, data show, lousa eletrônica. A gente precisa de outros meios”, acrescenta.
As mudanças apresentadas na PEC são positivas e corrigem distorções com uma participação maior da União, que arrecadava mais impostos e contribuía menos. “Não ficaremos refém de um governo, mas precisamos ter atenção ao bom uso dessas verbas, para que promovam um ensino de maior qualidade e que em determinado momento seja atualizado, destinando mais recursos para os lugares mais pobres, como favelas, periferias, quilombos e população rural, por exemplo. Para que seja garantido o direito ao acesso à escola, que além de mecanismo de desigualdade, salva as nossas vidas”, pondera Sousa.
A própria Uneafro, onde Adriano Sousa é coordenador, tem como lema a educação popular como um meio de salvar a juventude negra e pobre da violência. “Isso tem que acontecer dentro de um sistema público desde a creche. É essencial ter um fundo dentro de um sistema público que dê base para isso”, considera o educador.
Fundeb na Amazônia
A aprovação do Fundeb tem um impacto ainda mais significativo em lugares onde o sistema público é a única possibilidade de acesso à educação. “Existem alunos e alunas que saem à noite no barco escolar para chegar à escola de manhã. Qual será a alternativa para eles sem esse transporte? O abandono da escola?”, questiona Maria das Dores Almeida, técnica do Conselho Estadual do Fundeb, no Amapá, e mestra em Desenvolvimento Sustentável.
A conselheira explica que sem o fundo as pessoas negras e pobres seriam as mais prejudicadas. “Seria devastador na Amazônia porque há pequenos lugares, em que houve muita luta para conseguir implantar uma escola. Mas sem o professor e o transporte escolar, as portas se fechariam e os estudantes ficariam desassistidos”, observa.
“Muitos municípios ainda não fazem a arrecadação de impostos e têm no Fundeb a maior fonte de manutenção da educação básica. Mesmo diante da má aplicação do recurso na região que é uma realidade, a sua manutenção é importante”,considera Maria das Dores, ratificando que investir no controle social é um dos pontos fortes do novo texto.