Carlos Alberto Decotelli, primeiro negro a integrar o alto escalão do atual governo, pediu demissão do Ministério da Educação após inconsistências sobre sua vida acadêmica virem a público; ministros que cometeram o mesmo erro continuaram nos cargos
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução
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Carlos Alberto Decotelli pediu demissão do cargo de ministro da Educação poucos dias após ser nomeado em razão de uma série de inconsistências em seu currículo. Decotelli chegou a ser a primeira pessoa negra a integrar o alto escalão do governo, mas nos últimos dias foi acusado de mentir sobre sua trajetória acadêmica, prática comum entre outros ministros e aliados do presidente Jair Bolsonaro e que não teve a mesma repercussão.
Para a educadora Macaé Evaristo, ex-secretária de Educação de Minas Gerais, a questão das inconsistências nos currículos do atual governo e o modo como os casos foram tratados revela as bases da estrutura social do Brasil.
“O racismo sempre tenta colocar qualquer questão produzida por um indivíduo em toda uma coletividade. É impressionante como isso é forte. Recebi várias mensagens com piadinhas e pessoas me arguindo sobre o procedimento do Decotelli. Por outro lado, vemos um governo que passa tranquilamente por questões dessa natureza com outros ministros, brancos, e está tudo normal, eles continuam em seus cargos. Eu estou esperando a renúncia dos outros ministros que também apresentaram inconsistências em seus currículos”, afirma.
No currículo Lattes de Decotelli constava a informação de que ele havia atuado como pesquisador e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). A informação foi negada pela instituição de ensino. A Universidade de Wuppertal, na Alemanha, também afirmou que ele não fez pós-doutorado na instituição. Na semana passada, o reitor da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, também veio a público declarar que Decotelli não concluiu nenhum doutorado na instituição. O então novo ministro mudou as informações do seu currículo Lattes após os apontamentos.
“Não posso tirar a carga do erro que ele cometeu e a gravidade, mas tenho compaixão como ele foi tratado. A questão racial permeia todas as outras. Decotelli foi achincalhado ainda mais pela questão da cor da pele. A ficha dele deve ter caído de que essa posição de ‘preto do rolê’ o faz pagar mais pelos seus erros do que os outros. Os brancos se protegem, independentemente das posições políticas. Nós negros, sabemos que em determinadas circunstâncias as cobranças serão bem maiores e estaremos sozinhos”, avalia a ativista Anna Menezes e historiadora em formação.
Casos semelhantes
Na pasta da Educação, os três nomes escolhidos por Jair Bolsonaro desde sua posse em janeiro de 2019 apresentavam inconsistências nas informações curriculares. O colombiano Ricardo Velez entrou no governo por indicação do Olavo de Carvalho, uma espécie de guru intelectual do governo Bolsonaro desde a campanha.
O currículo de Velez apresentava 22 incongruências e após meses de desgaste foi demitido em 8 de abril de 2019, dando lugar a Abraham Weintraub, denunciado por “autoplágio” na apresentação de artigos acadêmicos, ou seja, ele apresentava o mesmo texto em lugares diferentes para parecer que tinha uma produção acadêmica maior do que a real. Weintraub foi considerado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) o pior ministro da Educação do país.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também mentiu sobre sua formação acadêmica ao declarar que havia feito um mestrado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Já a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, declarou ser mestra em Educação e em Direito. A informação foi desmentida por uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, em janeiro deste ano.
Em julho de 2019, o deputado federal Eduardo Bolsonaro tentou ser embaixador do Brasil nos EUA sob a alegação de que possuía qualificação para o cargo como pós-graduado em Economia. A mentira veio a tona após a confirmação de que o filho do presidente não havia concluído o curso no Instituto Mises Brasil, de 18 meses, iniciado em março de 2016. Na época, Eduardo voltou atrás e reconheceu que não tinha a pós-graduação e disse que tinha até o final do ano para entregar o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
Outra figura que não faz parte do governo Bolsonaro e que também mentiu sobre a trajetória acadêmica é Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro. Em seu currículo Lattes, Witzel afirmava ter estudado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A informação também foi desmentida pela imprensa.