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Mudança de nome da sede da Fundação Palmares é tentativa de apagar importância de Zumbi, dizem especialistas

16 de setembro de 2020

O presidente do órgão, Sérgio Camargo, afirmou em rede social que novo prédio receberá o nome de André Rebouças; ex-presidente da fundação lembra que o abolicionista não foi escravizado, como ocorreu com Zumbi

Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Jorge William/O Globo

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O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, publicou em sua conta no Twitter na segunda-feira (14) que o prédio que abrigará a nova sede da Fundação Cultural Palmares (FCP), cedido pela EBC, receberá o nome de Edifício André Rebouças. Especialistas ouvidos pelo Alma Preta apontam que a medida é uma tentativa de apagamento histórico de Zumbi dos Palmares.

De acordo com a postagem de Camargo, a decisão é da diretoria colegiada, em unanimidade. “Uma honra para a Fundação! Rebouças foi abolicionista, monarquista e brilhante engenheiro. Orgulho do Brasil!”, escreveu. Segundo ele, André Rebouças representa “o que queremos para o Brasil”.

Camargo afirmou que enquanto estiver na presidência da Fundação Cultural Palmares, Zumbi não receberá homenagens. “Zumbi é o principal símbolo da ideologia que promove o rancor, o desejo de vingança e a mentalidade de vitimização dos negros no Brasil”, disse, concluindo: “20 de novembro será um dia como outro qualquer”.

Para o advogado Eloi Ferreira, que presidiu a Fundação Palmares de 2011 até 2013, a ação se trata de mais uma tentativa de mudar os objetivos e o conteúdo do que representa o órgão. “Em 32 anos de existência, a fundação está vinculada à luta antirracista, de defesa da comunidade quilombola, de religiões de matriz africana. Ele vai tentar fazer tudo, mas não vai conseguir mudar história”, considera.

Ferreira lembra que André Rebouças não foi escravizado, como ocorreu com Zumbi e que, apesar de ter sido acolhido pelo imperador, nunca defendeu a escravização, diferentemente do atual presidente da Palmares, que já afirmou que o período foi benéfico para os negros. “Rebouças tinha a indignação de não ter pessoas negras em outros espaços”, ressalta.

O ex-presidente da Fundação Palmares considera que Sérgio Camargo “vai passar” e que o com o fim do governo de Jair Bolsonaro não será mais lembrado. “Estamos em contagem regressiva para isso. A sociedade brasileira está amadurecendo e não tem mal que dure para sempre”, pondera.

Zumbi nasceu em Pernambuco, era filho da primeira ou segunda geração de africanos que fugiram e organizaram quilombos e mocambos. O local onde viveu foi um dos maiores da América Negra, mesmo comparado as grandes comunidades de fugitivos no México, Jamaica, Colômbia e Suriname desde o século 17. “A importância não é fruto apenas da historiografia. Palmares e suas lideranças foram reconhecidas por autoridades e cronistas coloniais desde o século XVII”, destaca o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Flávio Gomes, integrante da Rede de Historiadores e Historiadoras Negros.

Gomes cita Francisco de Brito Freire, um administrador colonial português e governador de Pernambuco, que publicou a obra “Nova Lusitânia” (1675), que já reconhecia os quilombolas como rebeldes contra a opressão colonial e a escravização. “Palmares, Ganza Zumba e Zumbi já eram eventos e personagens reconhecidos nas Américas, Europas e Áfricas. Há indicações de que nas praias africanas da África Central (portos de Mpinda, Luanda e outros) nos embarques para as Américas os africanos já ouviam falar em Palmares e seus líderes. Também em Madrid e Lisboa as autoridades espanholas e portuguesas discutiam o aumento das comunidades rebeldes em quilombos, e o exemplo de Palmares”, contextualiza o professor.

O historiador ressalta que não há incompatibilidades e nem hierarquias entre Zumbi e André Rebouças, uma vez que a vida e a morte deles estão separadas por cerca de 200 anos, mas ambos eram descendentes de africanos e viveram numa sociedade escravista no Brasil. Sobre a crítica de Camargo à Zumbi, Gomes diz que “reconstruções históricas por meio de silêncios, apagamentos ou invenções de heróis não são tão somente mentiras ou inverdades. São parte de histórias do tempo presente com interesses, escolhas, desejos e também pesquisas em arquivos”, reforça.

Outros personagens controversos são citados pelo historiador, como Tiradentes, transformado em herói do Brasil, que teria participado da revolta fiscal em Minas Gerais no século 18, e Marechal Deodoro, oficial de alta patente convencido a se precipitar num golpe militar republicano (sem a participação das lideranças civis que faziam propaganda e discutiam projetos de República) que decretou o fim da monarquia.

Rede social

No Twitter, o deputado federal Helio Lopes, conhecido como “negão”, apoiou a proposta de Sérgio Camargo de mudar o nome do órgão. “A fundação deveria chamar André Rebouças, que foi um engenheiro militar, inventor, abolicionista e monarquista. Esse fez história no Brasil”, disse.

Na mesma rede social, o presidente da fundação afirma ainda que “três artigos foram liminarmente censurados por dizerem a verdade sobre Zumbi – escravizador de pretos. Por minha solicitação, a AGU recorrerá para que os artigos retornem ao ar no site oficial da Fundação Cultural Palmares”, escreveu, se referindo à determinação da Justiça, que exigiu a retirada dos textos do site oficial.

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