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Vice é lugar de cota na política e não muda estrutura desigual, analisa socióloga

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10 de setembro de 2020

Candidatos que representam minorias sociais, como mulheres, negros e indígenas, são indicados para cargos com menor poder de decisão

Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Steve Marcus/Reuters

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No ano em que a pauta racial eclodiu no mundo todo e foi alvo de protestos durante semanas em diversas cidades dos Estados Unidos, a senadora negra Kamala Harris foi escolhida para ser a candidata a vice-presidente do Partido Democratas, na chapa encabeçada por Joe Biden — que ocupou o mesmo cargo nos dois mandatos de Barack Obama. A sensação de que algumas candidaturas utilizam o vice como espécie de “cota social” não é exclusividade norte-americana.

No Brasil, as mulheres ocuparam esse papel. Foi o caso de Rita Camata, deputada federal do Espírito Santo que foi candidata a vice-presidente, na chapa com José Serra em 2002, na eleição vencida por Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2018, a líder indígena Sônia Guajajara foi candidata a vice-presidente, tendo Guilherme Boulos (PSOL) como candidato a presidente. Manoela D’Ávila (PCdoB) era a vice da candidatura de Fernando Haddad (PT) à presidência na mesma eleição.

A primeira pauta foi a diversidade de gênero tendo as mulheres brancas como expoente, segundo a socióloga e consultora de diversidade e inclusão corporativa Giselle Christina dos Santos, que avalia que o movimento é crescente na política. “Da mesma forma que empresas têm buscado colocar pessoas negras em estágio e cargos que não são de decisão para cumprir essa cota de diversidade”, explica.

Giselle avalia que é uma “estratégia bastante sofisticada” colocar pessoas com recorte social – de gênero, raça, entre outros – e que contemplem apelo midiático dos temas, mas não muda a estrutura de homens brancos no comando.

Mesmo não sendo quem de fato toma as decisões, o cargo de vice é visto por ela como uma “posição estratégica” e um degrau para ter mais exposição e chegar aos cargos de decisão. A socióloga cita o caso da filósofa Djamila Ribeiro, que foi subsecretária de Direitos Humanos por período curto na gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo. “Foi uma plataforma importante para se tornar referência em direitos humanos na área de políticas públicas”, considera.

A socióloga Vilma Reis, que encabeçou campanha em Salvador, para que houvesse candidaturas de mulheres negras à prefeitura da cidade, ressalta que o projeto de Kamala nos Estados Unidos é diferente do Brasil, já que no país da América do Norte já houve um presidente negro e há pessoas negras ocupando a prefeitura de diversas cidades importantes como Atlanta.

Vilma diz que colocar pessoas negras, em especial mulheres, configura o papel de subalternidade que representa “você só pode vir até aqui”. Desde a eleição de 2012, a socióloga lembra que Salvador vive essa situação. “Hoje há uma insustentabilidade. A falta de mulheres negras no poder fazendo com que políticos tradicionais de direita e esquerda busquem alternativas semelhantes. Estamos propondo estar na cabeça de chapa. Nó sabemos o papel mobilizador que uma pessoa negra de esquerda tem nesse espaço de liderança. Especialmente no Brasil, onde a liturgia do cargo impõe diversas decisões”, afirma.

O problema de ter pessoas negras ocupando cargo de vice, segundo a socióloga, é que os cargos de secretariado, por exemplo, são destinados a geopolítica da partilha do poder concentrada em homens brancos, diminuindo ainda mais o poder de incisão política desse cargo.

Nas eleições municipais de 2020, há expectativa em relação à escolha do candidato à vice de Bruno Reis (DEM) em Salvador. Após a campanha “Eu Quero Ela” do movimento negro, que resultou na candidatura de duas mulheres negras à prefeitura da capital baiana [Olívia Santana (PCdoB) e Major Denice (PT)], há especulações de que a vice de Reis também seja uma mulher negra, assim como fez seu padrinho político Antônio Carlos Magalhaes Neto (DEM), eleito em 2012 tendo como vice a professora negra Célia Sacramento (PV).

Em Belo Horizonte, o PT oficializou no sábado o ex-deputado federal e ex-ministro de Lula, Nilmário Miranda, de 73 anos, que é branco, como candidato a prefeito e a microempresária e militante Luana de Souza, de 24, que é negra, como vice.

Na ausência do chefe do Executivo, ou quando é delegado por este, o vice-presidente, vice-governador ou vice-prefeito se torna o principal representante. Assim, o vice tem poderes plenos no comando do país, do estado ou da cidade quando ocupa o cargo na ausência do titular. Também pode representar a cidade ou país em missões, assinatura de medidas e projetos e elaboração de políticas públicas.

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