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Para valorizar a herança africana no Brasil, é preciso compromisso político

O compromisso político com a valorização do povo africano e afro-brasileiro na história política, econômica e cultural deve ser fortalecido entre tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas
Imagem mostra uma mulher negra em uma plateia batendo palmas.

Foto: Victor Vec/Ministério da Cultura

30 de novembro de 2024

Nesta reta final de 2024, podemos localizar ao menos quatro importantes acontecimentos que provocaram debates sobre o compromisso por uma educação antirracista no país: 21 anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) alterada pela Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas; o lançamento da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq), do Ministério da Educação (MEC); o primeiro ano em que 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, foi caracterizado como feriado nacional; e o tema de redação do Enem sobre a valorização da herança africana no Brasil.

Cada uma dessas conquistas deve ser celebrada porque é resultado de séculos de muita pressão popular de movimentos negros, organizações e pessoas que compreendem o dano material e imaterial que o racismo promove na sociedade brasileira. Porém, essas medidas não eximem o Estado de ações permanentes para que os compromissos gerem transformações reais nas escolas e da necessidade de monitoramento, efetividade e avaliação da qualidade das medidas efetuadas para cada uma dessas iniciativas.

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Em 2024, 94% dos estudantes que concluíram o ensino médio se inscreveram no Enem e, no primeiro dia de prova, os candidatos tiveram que escrever sobre os “desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Os seis textos motivadores para o desenvolvimento do tema indicaram pontos chaves para reflexão, como manutenção de estereótipos, reconhecimento e valorização de epistemologias e apagamento da cultura e história africana e afro-brasileira. 

Sem dúvidas, pautar o tema na principal prova de ingresso à educação de ensino superior no país tem a importância de promover a reflexão na sociedade, aprofunda o compromisso do Estado com a relevância desse conhecimento como indicador de qualidade educacional e elemento fundamental da LDB, e sinaliza que este é um dever de todos os âmbitos de gestão, do poder público à gestão educacional e pedagógica.

Ao defendermos a Educação Básica e a escola como lugar para a promoção da valorização cultural, econômica e política da população africana e afro-brasileira na história do nosso país, percebemos que o direito de crianças e adolescentes a este acesso tem sido legalmente descumprido há, pelo menos, 21 anos, quando a LDB foi alterada para garantir a abordagem étnico-racial nos currículos de escolas públicas e privadas.

Apesar de ter alterado a principal regulamentação da educação nacional, 71% das Secretarias Municipais de Educação descumprem a Lei nº 10.639/03, essa que é a principal lei de combate ao racismo nas escolas, conforme apontou um estudo de Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana realizado em 2023 com 21% dos municípios brasileiros. Para chegar a esse percentual, foram consideradas a alteração nos currículos, disponibilidade orçamentária e de equipe, e coordenação das ações feitas pelas escolas.

Nesse sentido, é importante destacar o papel do profissional de educação comprometido com o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, que muitas vezes está na escola de forma solitária e sem condições materiais para avançar nas práticas pedagógicas. Apesar disso, ele mantém o objetivo de garantir os direitos de crianças e adolescentes de conhecerem a história do país que vivem, sob a perspectiva africana, afro-brasileira e indígena, para romper com a hierarquização do saber e fortalecer novos referenciais da história do povo brasileiro.

Recentemente, o MEC publicou os dados do Diagnóstico Equidade, respondido por 98% das redes públicas, sobre a implementação das leis que obrigam o ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. O principal resultado reafirmou a constatação do baixo índice da educação para as relações étnico-raciais, que apresenta uma média de 25,3% nos municípios e 48,8% nos estados. Esses números indicam um baixo nível de formação dos profissionais da educação, uso insuficiente de materiais didáticos e paradidáticos, financiamento inadequado e baixas estratégias de gestão escolar, avaliação e monitoramento com pouca atenção orientados às questões raciais.

Vale lembrar que, para 64% de jovens entre 16 e 24 anos, o ambiente educacional é aquele onde mais sofrem racismo, segundo pesquisa realizada pelo Projeto Seta. Os dados do diagnóstico do MEC também indicam que as mulheres pretas são as que mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas. 

Os achados trazidos pelas pesquisas indicaram a necessidade de protocolos para enfrentamento ao racismo nesses ambientes, o que fez com que o ministério passasse a impulsionar sua adoção, também uma conquista e uma medida a ser acompanhada pelos movimentos sociais e sociedade civil organizada.

Na pesquisa de Geledés e Alana, ao serem questionados sobre os desafios para implementação do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, 53% dos respondentes reclamam da ausência de apoio de outros entes e/ou organizações para o cumprimento da Lei 10.639, 42% afirmam que há dificuldade dos profissionais sobre como transpor o ensino nos currículos e projetos das escolas e 33% afirmam que a secretaria não tem informação e orientação suficientes sobre a temática. Isto é, depois de 21 anos, gestores públicos ainda não se comprometeram em enfrentar o racismo frontalmente e garantir o direito de crianças e adolescentes à valorização da herança africana no Brasil.

Em consequência, isso significa que as pessoas que tiveram que escrever sobre esse tema no  Enem, possivelmente viveram cotidianamente o complexo contexto escolar agravado pelo racismo e não tiveram acesso a esse conteúdo nas salas de aula. Ou se tiveram, foi pontualmente no mês da Consciência Negra, mas dificilmente de forma contínua e interdisciplinar como preconizam as Diretrizes Curriculares e que deve ser defendido e garantido pelo poder público.

Por isso, o compromisso político com a valorização do povo africano e afro-brasileiro na história política, econômica e cultural deve ser fortalecido entre tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas, de modo que se garanta condições materiais para que profissionais já comprometidos com a questão racial tenham suporte para executarem práticas pedagógicas de qualidade e que assegurem plenamente os direitos de crianças e adolescentes de frequentarem escolas que considerem a história negra e que assegurem um ambiente sem discriminação racial.

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  • Mestra e bacharela em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC e analista de Políticas Públicas do Instituto Alana.

  • Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e consultora de Geledés Instituto da Mulher Negra.

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