Cada vez mais, os compromissos de abrandar os efeitos da ação humana no clima se misturam com as necessidades de milhões de pessoas que são forçadas a se deslocar de suas casas em decorrência dos efeitos das mudanças climáticas – ações que vêm desencadeando situações de conflito ao longo de décadas ou criando novas emergências pelo efeito direto, como enchentes e inundações.
“Em todas as frentes de combate às mudanças climáticas, a única solução possível é combinar solidariedade e ação de impacto”, afirmou o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, durante reuniões pré-COP em Nova Iorque no início de outubro.
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Segundo Seydou Traore, representante do Comitê Interestadual Permanente para o Controle da Seca no Sahel (Cilss), os eventos climáticos extremos perturbam a maioria dos sistemas econômicos africanos, como agricultura e recursos hídricos.
“Na África Ocidental, o principal desafio colocado pela mudança climática é que somos muito vulneráveis aos fenômenos. Temos, antes de tudo, a temperatura a subir, o que ameaça não só a agricultura, mas também muito da criação de animais. Esses dois são os principais setores econômicos da África Ocidental. Logo, o impacto econômico da mudança climática é muito grande para nossos países”, explica Traore.
Clima e suas consequências
Dentre os efeitos mais diretamente conectados ao deslocamento forçado, inundações e secas extremas se evidenciaram como as consequências mais impactantes no crescimento de conflitos, da pobreza e da fome global, que chegou a uma marca recorde de 828 milhões de pessoas, segundo a ONU.
“Há não apenas imigração devido às mudanças climáticas, mas deslocamento interno também. Há imigração para mais partes da África ou mesmo para a Europa ou América”, conta o representante da Cilss.
Seydou Traore também enfatiza que as mudanças climáticas afetam a vida tradicional de criadores de gados, que antes viviam em um cronograma de rotação de pastagens e, com os fenômenos climáticos, precisaram alterar essa dinâmica.
“A mudança climática impacta também em vários conflitos locais devido à entrada de gado em terras agrícolas. Também temos pessoas em algumas áreas onde a agricultura não é muito mais produtiva: eles apenas abandonaram seus lugares e desceram para as áreas urbanas. Portanto, a população urbana está crescendo e/ou se instalando em algumas áreas onde a agricultura ainda é possível, o que contribui para o desmatamento nessas áreas”, explica Traore.
Seca
“Todos os países africanos, sem exceção, estão sofrendo e lutando contra as mudanças climáticas. As alterações do clima têm custado à África muitos desastres e misérias. O aumento das temperaturas, um surto de desastres naturais, invasões de gafanhotos, enchentes e secas”, pontua Omar Abdelhak, integrante da delegação egípcia que esteve presente na 27° Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27).
As secas extremas agravam a emergência humanitária na República Democrática do Congo, que lidera o ranking da fome global e enfrenta um dos cenários mais desafiadores de deslocamento forçado no mundo, com mais de 6 milhões de congoleses refugiados e deslocados internos em decorrência da violência e conflitos, segundo informações da ONU.
Mas o problema não para por aí: todo o nordeste da África também está passando por uma seca marcante. Milhões de agricultores na Somália, Etiópia e Quênia dependem de seu gado e plantações para sobreviver. Sem água suficiente, os animais e as colheitas estão morrendo. Somente na Somália, 90% do país está severamente afetado. As pessoas estão sendo forçadas a fugir de suas casas em busca de água e comida, diz a organização.
Inundações
Já na outra ponta da extremidade climática, as inundações têm gerado centenas de mortes e milhões de deslocamentos forçados nas regiões oeste e central do continente africano. Entre Nigéria, Chade, Níger, Burkina Faso, Mali e Camarões, já são 3,4 milhões de pessoas afetadas somente em 2022.
No Sudão do Sul, mais de 900 mil pessoas foram diretamente afetadas por inundações após chuvas atípicas e extremas nos últimos meses. A água varreu casas, gado e inundou terras agrícolas, arruinando plantações e pastagens. Poços e latrinas foram submersos, contaminando as fontes de água e aumentando a probabilidade de surtos de doenças.
A área mais afetada foi a região de Bentiu, no estado da Unidade, que está totalmente cercado por enchentes e apenas barcos e a pista de pouso podem receber ajuda humanitária. Cerca de 460 mil pessoas nesta área já estão deslocadas por uma mistura de inundações e conflitos na região. As pessoas trabalham 24 horas por dia com bombas, baldes, escavadoras e maquinaria pesada para manter a água afastada e evitar o colapso dos diques.
“Soa como o material dos pesadelos. Estes eventos extremos estão ameaçando todas as áreas da vida em toda a África”, finaliza Omar Abdelhak.
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