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Deputados do partido de Bolsonaro são os que mais podem ter fraudado autodeclaração racial; veja lista

A Alma Preta Jornalismo montou uma banca de heteroidentificação com especialistas para analisar o perfil racial dos 135 deputados federais autodeclarados negros

Os deputados Júnior Mano (inferior à esquerda), Delegado Caveira (no centro) e Detinha (inferior à direita)

Foto: Imagem:  Reprodução/Montagem Alma Preta

4 de novembro de 2022

Dos 135 deputados federais autodeclarados como negros, 57,03% foram identificados como possíveis fraudadores por uma banca de heteroidentificação montada pela Alma Preta Jornalismo. A banca avaliou a autodeclaração racial dos deputados e as fotos que constam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nas redes sociais.

Em números absolutos, 77 deputados federais eleitos este ano podem ter fraudado a autodeclaração racial como pessoa negra, ou seja, grupo formado por pretos e pardos. Já o número total de deputados (as) reconhecidos como negros foi de 58 (42,96%). Vale ressaltar que o critério de candidatos negros, composto por pessoas autodeclaradas pretas e pardas, foi adotado pelo TSE para o pleito eleitoral.

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Segundo dados da Câmara, em 2018, dos 513 deputados federais eleitos, 104 se autodeclararam pardos (20,27%) e 21 se autodeclararam pretos (4,09%), totalizando apenas 24,36% de deputados negros. Em 2022, o número de deputados autodeclarados pardos subiu para 108 (21,05%) e 27 se autodeclararam pretos (5,26%), totalizando 26,31% eleitos negros para a Câmara, o que representa um aumento de 1,95 ponto porcentual se comparado com 2018.

De acordo com os dados da banca de heteroidentificação da Alma Preta, apenas 11,3% dos deputados federais brasileiros são pessoas negras, número menor do que a metade da estatística oficial do legislativo.

Para as eleições deste ano, o TSE adotou uma medida de incentivo e ingresso de pessoas negras na política institucional, que destina uma verba proporcional do Fundo Eleitoral para as candidaturas negras, compostas por aqueles autodeclarados pretos e pardos.

Proposto pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), em 2020, o projeto também assegura que o voto em candidatos negros tenha peso dobrado para que o TSE repasse as verbas para os partidos políticos. Além disso, a legislação destina tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na TV para as candidaturas de mulheres negras.

Partidos

A partir da avaliação da banca de heteroidentificação montada pela Alma Preta Jornalismo foi possível identificar que a legenda com o maior número de possíveis fraudadores foi o Partido Liberal (PL), legenda do presidente Jair Bolsonaro. Ao todo, foram identificados 15 deputados da legenda apontados como falsos negros.

Dentre os deputados que não foram reconhecidos pela banca de heteroidentificação estão a maranhense Maria Deusdete Lima, conhecida como Detinha (PL-MA), eleita com 161.206 votos e considerada a deputada mais votada no Maranhão.

Além dela também estão os deputados Júnior Mano (PL-CE) e Delegado Caveira (PL-PA). Júnior Mano foi reeleito com 216.531 votos e foi o segundo mais votado no estado. Já o deputado Caveira, autodenominado como “conservador”, “patriota” e “armamentista”, obteve 106.349 votos.

Em segundo lugar no ranking dos partidos com maior número de possíveis fraudadores está o União Brasil, com 13 possíveis fraudadores, e o Progressistas (PP), com 12. O Partido dos Trabalhadores (PT) aparece em 7º lugar, com cinco possíveis fraudadores.

deputados federais partidos alma pretaPartidos com maior número de possíveis fraudadores | Tabela: Alma Preta Jornalismo

Conforme o levantamento, foi possível identificar que as supostas fraudes estão mais concentradas nas legendas alinhadas com a centro-direita e a direita, como o Partido Liberal (PL), União, e Progressistas (PP).

Para a pesquisadora e uma das integrantes da banca organizada pela Alma Preta Jornalismo, Najara Costa, chama atenção o fato da direita investir em candidaturas de pessoas negras que não estão comprometidas com as lutas do movimento negro, o que pode gerar um enfraquecimento das políticas afirmativas para essa população.

“Nem todas pessoas que se autodeclaram negras, ou que de fato são negras e foram eleitas, são pessoas que vão mover uma política antirracista. A direita tem investido em pessoas negras, que combatem as políticas afirmativas e toda a luta histórica do movimento negro de forma a desmobilizar o que a gente já conquistou”, comenta a pesquisadora e autora da obra “Quem é negra/o no Brasil?”.

Silvane Silva, pesquisadora e também integrante da banca de heteroidentificação da Alma Preta, identificou que a maioria das pessoas negras eleitas para a Câmara pertencem à direita bolsonarista e destaca que o maior ingresso de pessoas negras na política institucional não necessariamente representa o avanço de direitos para essa população.

“A gente não pode confundir uma coisa com a outra. A gente está falando de presença negra e não necessariamente pessoas negras voltadas para a pauta […] Pauta negra e movimento negro é uma coisa, a entrada de mais pessoas negras na política é outra”, avalia a especialista.

A reportagem questionou todas as legendas e deputados citados. O MDB respondeu que respeita “o critério adotado pela reportagem, mas ele não é previsto na atual legislação em que cada candidato é responsável por sua autodeclaração. Os partidos são obrigados a seguir a legislação”. As demais legendas não deram retorno até o fechamento da matéria.

Em nota, odeputado e ex-secretário municipal de Saúde de Salvador, Léo Prates (PDT-BA), informou que a autodeclaração como pardo “segue a mesma informação passada por meus pais quando nasci, bem como o próprio registro de nascimento lavrado em órgão oficial”. O deputado também enviou uma foto da certidão de nascimento do pai, que consta a autodeclaração como “pardo”.

Além disso, Léo Prates também ressaltou que durante todos os pleitos eleitorais que concorreu (2012 e 2016 como vereador, 2018 como deputado estadual e 2022 como deputado federal) sempre se autodeclarou como pardo, seguindo as informações contidas na sua documentação oficial.

Também na nota, Léo Prates (PDT-BA) destacou que a preocupação com o tema é de essencial importância, mas que também crê no direito à identidade e no aperfeiçoamento do processo eleitoral por meio de comissões de verificação.

“Entendo que ainda há muito a avançar até o alcance de um consenso sobre o tema, e quero colocar o meu mandato à disposição do debate e diálogo em prol da luta pela reparação e igualdade”, completa a nota.

Já o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) explicou que pardo “é uma pessoa com diferentes ascendências étnicas e que são baseadas numa mistura de cores de peles entre brancos, negros e indígenas” e que, por possuir “ascendência portuguesa e caboclo paraense”, se identifica como pardo. Ele também informou que nunca foi beneficiado com nenhum tipo de recurso especial e nem faz uso do Fundo Eleitoral.

Gênero

Ao todo foram identificados 106 deputados negros do gênero masculino e 29 do gênero feminino. Do total dos deputados homens, 68 foram apontados como possíveis fraudadores. Já em relação às deputadas do gênero feminino, apenas nove foram apontadas como possíveis fraudadoras.

possiveis fraudadores por genero alma pretaPossíveis fraudadores por gênero | Tabela: Alma Preta Jornalismo

Caminhos para evitar fraudes

Segundo especialistas ouvidos pela Alma Preta, é preciso que o TSE adote critérios complementares para monitorar e assegurar a destinação de políticas afirmativas para as pessoas negras, como a implementação de uma banca de heteroidentificação.

Conforme Najara Costa, uma das recomendações para evitar fraudes seria a adoção da terminologia “negro” ao invés de separar a categoria em pretos e pardos.

“O ‘pardo’ é muito saco de gatos, é muito questionado pelo movimento negro. A gente unifica o pardo e o preto para dizer que somos maioria, e o pardo gera essa confusão […] colocar a terminologia ‘negro’ dá um tom mais político para essa ação afirmativa. É preciso que a gente avance, foi uma conquista, que a gente ganha pouco, porque quem mais ganha é o partido”, analisa a especialista.

Já para a pesquisadora Silvane Silva também é preciso discutir sobre a noção de branquitude no Brasil, já que é possível observar pessoas brancas se utilizarem de um discurso de “miscigenação” para se autodeclarar como parda.

“Às vezes as pessoas falam ‘Ah, eu não sou branco’, se comparando com o perfil ideal de branco – com a pele muito clara, loira, olhos claros –, e às vezes se você não é o que se espera, automaticamente é pardo. A política é voltada para quem é discriminado na sociedade por ter fenótipo de pessoa negra. Não basta você não querer se declarar branco por achar que branco é só a pessoa branquíssima”, explica Silva.

Nesse sentido, ambas especialistas ressaltam que a heteroidentificação é uma ferramenta importante para complementar o processo de regulamentação da política afirmativa.

“A autodeclaração é uma conquista universal, é o primeiro elemento para regulamentar a política, é sobre como a pessoa se identifica, mas o critério da heteroidentificação é para que a gente conduza a política, para que não haja desvio, não haja fraudes”, pontua Najara Costa.

“E, nesse sentido, a heteroidentificação não altera a identidade de ninguém, ela só vai analisar como aquele candidato é reconhecido socialmente”, complementa Silvane Silva.

A reportagem questionou o TSE sobre quais possíveis medidas serão adotadas para combater fraudes nas eleições 2022. Em nota, o órgão informou que, caso seja verificado indícios de fraude, “entidades legitimadas, como os próprios partidos políticos, coligações e federações, Ministério Público, entre outros, podem ajuizar uma ação de impugnação do registro de candidatura”.

A Alma Preta também perguntou se o TSE analisa a adoção de bancas de heteroidentificação para averiguar a autodeclaração racial dos candidatos durante o processo eleitoral. O Tribunal respondeu que, em março do ano passado, elaborou, através da portaria nº 230/2022, uma Comissão de Promoção de Igualdade Racial com objetivo de “elaborar estudos e projetos para ampliar a participação da população negra nas eleições”.

Questionado se os possíveis fraudadores serão punidos pelo TSE, o órgão disse que “cabe à Justiça Eleitoral punir eventuais irregularidades” e averiguar como e de que forma os recursos destinados foram utilizados pelos partidos/candidaturas. Além disso, informou que “a não apresentação ou a desaprovação das contas eleitorais pode acarretar a suspensão dos repasses do Fundo Eleitoral, além da restrição à quitação eleitoral de candidatas e candidatos”.

Metodologia

A Alma Preta convidou quatro especialistas em comissões de heteroidentificação, com pesquisas desenvolvidas sobre o tema e experiência em concursos públicos e universitários. Por duas semanas, o grupo avaliou a autodeclaração dos 135 deputados federais descritos como pretos ou pardos, categorias de cor que compõem o grupo racial negro no Brasil.

Diferente das bancas de heteroidentificação, quando há um contato pessoal com o candidato, todo o processo foi feito de maneira virtual, com a comparação entre a autodeclaração do deputado e as fotos do mesmo, tanto a oficial do TSE, quanto a de redes sociais.

As variações de luz em fotos ou mesmo a utilização de filtros limitam a eficácia do levantamento, mas não o descartam. Existem casos descritos como “absurdos” por parte dos pesquisadores, que podem ser percebidos mesmo por fotos, e o resultado fortalece a necessidade de maior cuidado por parte do TSE sobre o assunto.

Os pesquisadores também possuem distintas experiências acerca das bancas de heteroidentificação, com diferenças metodológicas a depender da orientação de cada uma das instituições da qual fazem parte. A dessemelhança, contudo, não foi empecilho para que os analistas chegassem a um comum acordo sobre todos os candidatos observados.

Apesar das diferenças, a maioria dos casos, tanto de reconhecimento quanto de não reconhecimento entre a autodeclaração do candidato e a percepção da banca, foi definida de maneira unânime. Nos momentos de dúvida, houve discussão por parte da banca, e em dez casos em que houve um empate da percepção dos quatro avaliadores, prevaleceu a autodeclaração do candidato.

Participaram da banca de heteroidentificação da Alma Preta Jornalismo:

Lucas Módolo, advogado e mestrando em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É formador e consultor em relações raciais, com foco na modelagem de programas de diversidade e de ações afirmativas pelo Estado e pelo mundo corporativo e coordena o Comitê Antifraude às Cotas Étnico-Raciais na Universidade de São Paulo.

Najara Costa, mestra em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (PCHS – UFABC), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e atua como pesquisadora das relações raciais, especialmente na análise dos métodos e processos de heteroidentificação que conduzem políticas de cotas raciais no Brasil.

Silvane Silva, historiadora e doutora em História Social pela PUC/SP (2019) com a tese “O protagonismo das mulheres quilombolas em comunidades do Estado de São Paulo (1988-2018)”. Também possui atuação como pesquisadora associada ao Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora (CECAFRO – PUC/SP) e formadora de cursos para professoras/es nas temáticas referentes à História e Cultura Afrobrasileira e Africana e Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola.

Vinicius Silva, advogado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), defensor público do Estado de São Paulo com experiência de atuação na área racial e LGBTI e mestrando em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Atuou em ONGs e em movimentos sociais em defesa da assistência jurídica gratuita da população dos bairros carentes de Salvador.

Leia também: PL ‘Antonieta de Barros’ quer rigor maior na heteroidentificação de candidatos negros

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