Em um encontro promovido pelo Movimento Negro Unificado do Distrito Federal (MNU-DF), candidaturas negras às Câmaras Federal e Legislativa se apresentaram e debateram propostas para a população negra. De quase 3 milhões de moradores do DF, 57,45% são negros (pretos e pardos), o que corresponde a cerca de 1,72 milhão de pessoas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nestas eleições, os autodeclarados negros são maioria entre os candidatos do Distrito Federal. De 881 candidaturas com registro no Tribunal Superior Eleitoral, 50,7% são de pessoas pretas e pardas, contra 45,4% de brancas. A maior parte dos candidatos negros concorrem a uma cadeira na Câmara Legislativa e apenas 2% a governador ou vice-governador. Para pleitear uma vaga no Executivo local, essa quantidade de autodeclarações negras representa um aumento progressivo em relação às últimas eleições. Em 2018, apenas 1 candidato se autodeclarou negro, enquanto em 2014, todos se identificaram como brancos.
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Keka Bagno (PSOL-DF), assistente social e primeira mulher negra candidata a governadora do Distrito Federal, afirmou que o movimento negro tenta construir uma bancada negra, assim como em outras eleições. Keka ressalta a importância das bancas de heteroidentificação em eleições, principalmente quando o debate sobre a autodeclaração das candidaturas negras está em alta.
“Por muito tempo a gente lutou para que isso não fosse tão necessário. Mas quanto mais a gente tem avançado no processo político bolsonarista, isso também está influenciuando nossas instituições enquanto partidos políticos de esquerda. Nós, que vamos concorrer às eleições majoritárias, vimos muito racismo dentro do partido”, expôs a candidata.
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Uma das maiores lideranças do candomblé no Distrito Federal, Adna Santos, mais conhecida como a Yalorixá Mãe Baiana de Oyá, está como candidata a deputada federal pelo PSB-DF. Ela disse que o compromisso de sua candidatura é com os povos tradicionais de matrizes africanas pelo enfrentamento ao racismo religioiso. “Chega de genocídio para o nosso povo. Eu não fui ousada em concorrer a deputada, porque meu lugar é onde eu quiser”, afirmou.
O governo do Distrito Federal, em consonância com o governo federal, institucionalizou um sistema de educação cuja administração das escolas e a conduta disciplinar é feita pela Polícia Militar. A política gera controvérsias sobre sua efetividade. Nessas eleições, as candidaturas negras do campo progressista estão focadas em desmontar essa política que, segundo os candidatos, “perseguem e oprimem crianças e adolescentes negros”.
No encontro, Max Maciel, candidato a deputado distrital pelo PSOL-DF, contou que possui um projeto de cursinho popular na periferia de Brasília que, somente esse ano, já foi responsável por colocar mais de 120 jovens na universidade. Atualmente, ele está com um programa piloto que auxilia 30 jovens negros com uma bolsa de R$ 500, um notebook e acompanhamento terapêutico comunitário, para que façam o ENEM e consigam ingressar na Universidade de Brasília (UnB). Caso eles sejam aprovados, o programa continuará acompanhando o estudante durante toda a vida acadêmica.
Maciel, que é pedagogo por formação, disse que é fundamental tornar a educação mais comunitária, para que “as salas de aula abracem o estudante”. Entusiasta do movimento hip hop, ele prega que a cultura negra e a educação devem andar juntas para levar os saberes da comunidade para dentro das salas de aula.
Marivaldo Pereira (PSOL-DF), que também concorre a deputado distrital, afirma que pretende dar suporte para que a juventude negra e periférica ingresse na universidade, expandindo o passe-livre nos transportes públicos para os cursinhos pré-vestibulares. Além disso, o candidato coloca como uma prioridade o enfrentamento à evasão escolar agravada pela pandemia da Covid-19. “Muitas crianças e jovens negros e negras não estão estudando, temos que olhar para isso”, disse.
Mariana Rosa, suplente da candidata ao senado Rosilene Corrêa (PT-DF), declarou que é importante investir em educação para reduzir o impacto do sistema carcerário na população negra. Segundo ela, crianças que evadem ou não têm uma educação de qualidade estão mais propensas à violência e ao tráfico de drogas.
“Isso aumenta a violência e o encarceramento nas nossas cidades. E devemos também tirar os militares das escolas e do Executivo, eles estão fazendo o desgoverno que temos hoje”, salientou.
A candidata a deputada distrital Mariana Almada (PV-DF) é assistente social, professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal e psicanalista. Ela ressaltou que é necessário uma parceria entre o sistema de ensino e o de saúde mental, pois “os jovens negros tem demandado muita atenção, assim como suas famílias”. Para Almada, deve-se ter um olhar mais atento ao sistema sócio-educativo.
“Muitos jovens negos estão sofrendo e chegam com demandas dos pais e familiares. Os pais também chegam com demandas dos filhos e é importante a parceria com os CAPS, os CRAS”, afirmou.
Para os candidatos, uma forma de tornar tais propostas concretas é fazendo um movimento nas Câmaras Federal e Distrital para destinar verbas de emendas parlamentares para esse fim e, ainda, lutar para que o orçamento público tenha uma rubrica específica para as pautas antirracistas.
Os candidatos também ressaltaram a importância da disponibilização do orçamento para as políticas públicas. Salientaram também a necessidade da luta pela revogação da Emenda Constitucional 95, conhecida como Lei do Teto dos Gastos, por “estrangular a educação e as políticas educacionais para a população”, bem como a mudança da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para impedir a adoção do novo Ensino Médio, por ser “responsável por precarizar o ensino”.
Na ocasião, os candidatos e candidatas assinaram uma carta de compromisso onde o MNU, organização nacional suprapartidária com 44 anos de existência, exige que o mandato seja pautado por ações antirracistas.
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