Após segunda discussão em reunião plenária, na última segunda-feira (21), a bancada conservadora de parlamentares da Câmara Municipal do Recife contestou a criação do Dia Marielle Franco na capital. A data, marcada para 14 de março, rememora o assassinato da vereadora carioca, e propõe um marco anual de enfrentamento à violência política contra mulheres negras, lésbicas, bissexuais, trans, travestis e periféricas. O projeto de lei foi proposto pela vereadora Dani Portela (PSOL-PE) que acredita que a manobra faz parte de uma tentativa de apagamento histórico.
Anteriormente, o PL – que propõe a divulgação da história de Marielle Franco e da importância do enfrentamento à violência política na cidade, por meio de seminários e palestras realizados nas escolas, universidades, teatros, praças e demais equipamentos públicos municipais – já havia recebido parecer positivo nas duas comissões legislativas da Casa e foi aprovado em primeira discussão na reunião plenária, realizada no último dia 15 de março, com 15 votos a favor e 12 contrários. No entanto, no dia dia anterior, a bancada contrária ao projeto, de acordo com a parlamentar, já havia articulado uma saída em massa do plenário para que a matéria não pudesse ser votada por falta de quórum.
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Nesta última discussão, a nova proposição, encabeçada pela vereadora Michelle Collins (PP), que, no ano passado, afirmou não reconhecer mulheres trans e travestis como “normais”, pede a retirada do nome da vereadora carioca, substituindo pelo Dia Júlia Santigao de Enfrentamento à Violência Política Contras as Mulheres. A data faria alusão à personalidade comunista, operária e a primeira mulher a ocupar um mandato eletivo na Câmara Municipal do Recife. A proposta de substituição gerou debate e questionamentos na Casa. Para alguns vereadores, a homenagem às duas parlamentares são válidas, mas uma não seria impeditiva da outra.
“A matéria substitutiva apresentada pela bancada conservadora não só altera o nome do Projeto de Lei, como também retira toda a especificidade do teor. O recado que a bancada conservadora nos dá é que essas mulheres não podem ocupar esses espaços de poder e decisão. Eles alegam que ao especificarmos as mulheres negras, LBTs e periféricas seríamos excludentes. Mas nós compreendemos que há reparações históricas importantes a serem feitas. E isso é inegociável”, dispara Dani Portela.
Movimentos sociais pautados pelas problemáticas raciais também se mostraram contrários ao substitutivo. Para a representante da Articulação Negra de Pernambuco, feminista e antiproibicionista, Ingrid Farias, a manobra da bancada pode ser lida como uma “medida guiada pelo medo”.
“Enxergo a manobra como uma política de medo dos desdobramentos que Marielle Franco pode apresentar mesmo enquanto referência de um projeto político de sociedade. Marielle é tida como um grande mártir do projeto político que a gente quer construir, um projeto em que as pessoas negras, principalmente as mulheres, LGBTQIA+s, pessoas com deficiências, indígenas e demais pessoas que, historicamente foram retiradas de espaços de poder e decisão, estejam nesses espaços”, pontua a ativista.
Farias ainda aponta outra problemática: a branquitude e os espaços de poder sempre trabalhariam para sufocar a estética e presença negra. “Então mulheres negras, mulheres LGBTQIA+, e demais pessoas que também vivem a diferença marcada pelo preconceito racial lidam com a ausência de pessoas como elas nos espaços de poder, gerando impacto pela falta de uma representatividade que atenda às demandas de cada grupo social. No caso de Marielle e a tentativa de apagamento proposta pela Câmara do Recife, ao meu ver, soa como um ataque à memória e à construção de história do povo negro”, finaliza.
Como um dos pontos de justificativa para sua aprovação, o ‘Dia Marielle Franco’ no Recife leva em consideração a pesquisa ‘A Violência Política contra Mulheres Negras’ do próprio Instituto Marielle Franco, que evidenciou dados importantes do cenário político: quase 100% das candidatas ao pleito eleitoral de 2020 consultadas sofreram mais de um tipo de violência política e 60% dessas mulheres foram insultadas, ofendidas e humilhadas em decorrência da sua atividade política nestas eleições.
A data ainda utiliza o levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). De acordo com a entidade, também nas eleições de 2020, houve um aumento no registro de candidaturas de pessoas transexuais, chegando ao número de 263 candidatas mulheres T.
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Com isso, Portela reitera que a morte de Marielle Franco foi um crime político de enorme repercussão nacional e internacional e que a continuidade da sua luta contra todo tipo de violência contra as mulheres, inclusive contra as negras e LBTs, é necessária. A parlamentar ainda ressalta que a discussão vem sendo repercutida em todas as Câmaras Legislativas do Brasil, como parte das atividades da Agenda Marielle, proposta pelo instituto homônimo.
Em resposta à ação da bancada conservadora, a parlamentar pontua que há uma expectativa, após as demais eleições, que a Casa apresente ainda mais diversidade na ocupação das cadeiras no legislativo. Por isso, afirma que é necessário levar em conta interseccionalidades na hora de discutir proteção às políticas ao executarem suas funções.
“Penso que na próxima legislatura, deveremos ter não somente mais mulheres negras na Câmara. A vereadora [Michele Collins] pode se preparar para ter a companhia de ainda mais mulheres diversas eleitas. Esse espaço será cada vez mais ocupado por negras, lésbicas e trans. Eleitas, é urgente que essas mulheres sejam olhadas e protegidas de uma forma específica”, finaliza Dani.
A emenda proposta pela bancada conservadora, agora, passa por análise pelas comissões da Casa, onde será decidido se ela será rejeitada ou aprovada. A expectativa dos mandatos progressistas é que o projeto volte à segunda discussão em plenário e seja aprovado.
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