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CPI inédita sobre violência contra população trans começa nesta semana

Presidida pela vereadora Erika Hilton (PSOL), Comissão vai investigar por 120 dias a violência contra pessoas trans e travestis na cidade de São Paulo

Texto: Fernanda Rosário | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: João Raposo/Rede Câmara (Fotos Públicas)

É instalada CPI da violência contra pessoas trans na Câmara Municipal de São Paulo. Na foto, estão os integrantes da CPI reunidos.

30 de setembro de 2021

Na última sexta-feira (24), foi instalada a inédita Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Pessoas Trans e Travestis na Câmara Municipal de São Paulo. A Comissão é a primeira com essa temática e tem uma importância histórica para o movimento trans do Brasil. O início de suas atividades já está agendado para amanhã (1º), às 11h.

Uma CPI é um órgão instituído pelo Poder Legislativo para investigar e apurar, por um prazo determinado, fatos de grande interesse público, além de poder auxiliar na busca de soluções para o problema investigado. A CPI da Violência contra Pessoas Trans e Travestis funcionará por um período de pelo menos 120 dias, com a coleta de relatos e denúncias da população afetada, além de intimar autoridades para dar explicações, analisar mapeamentos e conversar com especialistas, ativistas e organizações envolvidas nessa defesa. O relatório a ser produzido ao final das apurações pode ser encaminhado ao Ministério Público para as responsabilizações civis ou criminais necessárias.

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“Infelizmente, o Brasil é um país brutal para a população transvestigênere, sendo o campeão no ranking de assassinatos. É urgente que o Estado seja acionado e se responsabilize por esse cenário de um verdadeiro genocídio. Por isso a CPI é tão fundamental, pois é a primeira desse escopo realizada na história da Câmara Municipal de São Paulo, e o fato de ser presidida por uma parlamentar travesti e negra é muito simbólico e representativo”, declara a idealizadora e presidenta da CPI, Erika Hilton (PSOL).

Não foi um fato isolado o que aconteceu com Lorena Muniz, mulher trans de Recife (PE), morta após ser abandonada em incêndio de uma clínica de estética irregular na cidade de São Paulo. A violência contra pessoas trans se mostra sistemática quando observamos casos como os de Roberta da Silva, Crismilly Pérola ou Keron Ravach – assassinadas com requintes de crueldade.

Subnotificação

Segundo o relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA), pelo menos 175 pessoas trans e travestis foram assassinadas em 2020, o que representa um aumento de 201% em relação ao registrado em 2008. São Paulo é o município com o maior número de assassinatos nos últimos dois anos.

No boletim mais recente da ANTRA, considerando os registros do primeiro semestre de 2021, 80 pessoas trans/travestis foram assassinadas, além de terem ocorrido 33 tentativas de assassinatos e 27 violações de direitos humanos. Também deve-se considerar a forte relação entre gênero e raça nesses casos, já que, dentre as ocorrências analisadas no estudo de 2020, foi possível identificar que 78% das vítimas eram negras. 

Segundo a vereadora Erika Hilton, a CPI é a chave para trazer luz à grande violência e cobrar medidas que reduzam a vulnerabilidade. “Falar de violência contra essa população é falar também de racismo e violência contra pessoas negras. São as travestis negras que foram as precursoras do movimento LGBTQIA+, apesar de hoje serem as mais invisibilizadas e violentadas pela estrutura transfóbica, racista e misógina”, relata.

A relevância da CPI também se apresenta diante da subnotificação e da ausência de dados oficiais sobre a situação das pessoas trans e travestis no país. Os números que se tem hoje existem muito a partir de organizações LGBTQIAP+. Na cidade de São Paulo, o Mapeamento de Pessoas Trans no Município de São Paulo, lançado este ano pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania com apoio do Centro de Estudo de Cultura Contemporânea (CEDEC), é uma das poucas pesquisas com um diagnóstico sobre essa população.

De acordo com o estudo, que teve 1788 entrevistados, 80% das pessoas trans alegam já terem sofrido violência verbal e 43% disseram já terem sido vítimas de violência física por conta de sua identidade de gênero – entre as travestis, esse número é de 58% e, entre as mulheres trans, 45%.

Segundo Carolina Iara, co-vereadora pela Bancada Feminista, que integra a Comissão, a contribuição da CPI pode estar tanto na produção de dados oficiais, inexistentes hoje, como para servir de exemplo para outras cidades paulistas na condução dos casos de transfobia e na estipulação de políticas públicas.
 

“Nós, da Bancada Feminista, queremos que as investigações sejam mais sobre as causas estruturais da transfobia na cidade, com um caráter mais político e social, do que propriamente um viés punitivista. Mas os eixos estruturais dos homicídios de pessoas trans, a negação do acesso à saúde, as clínicas clandestinas, o silicone industrial e o tráfico humano são pautas que, ao meu ver, teremos de abordar de algum modo”, explica a co-vereadora.

Composição da CPI

A reunião da instalação da CPI também elegeu os cargos de vice-presidência e de relatoria da Comissão. Por unanimidade, o vereador Eduardo Suplicy (PT) foi eleito vice-presidente e a vereadora Cris Monteiro (NOVO), relatora. Além deles, fazem parte da Comissão Parlamentar de Inquérito as vereadoras Juliana Cardoso (PT), Silvia da Bancada Feminista (PSOL), Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) e o vereador Xexéu Tripoli (PSDB).

Sobre a ocupação do cargo de dois vereadores que não pertencem à comunidade LGBTQIAP+, a vereadora Erika Hilton destacou a importância de todos saberem o próprio local de fala, mas sem perder de vista que há o dever de falar enquanto sociedade para atuar contra a “barbaridade, o ódio e a violência”.

“Fico muito feliz por esta comissão estar sendo composta por pessoas que têm atravessamentos, ainda que de forma distante, da pauta LGBT e não por pessoas que estarão aqui apenas cumprindo protocolo. Essa CPI precisa chegar em algum lugar e sensibilizar os agentes desta casa, que têm uma resistência e uma dificuldade imensa em debater e discutir proposições e políticas públicas para esta população”, explicou a vereadora Hilton, durante a reunião pública de instalação da Comissão.

A relatora da CPI Cris Monteiro destaca que, apesar de não sentir a dor que pessoas trans e travestis sentem na pele, sendo uma mulher cis branca, se solidariza e é uma aliada na luta contra a transfobia. “Quem me conhece de perto sabe que eu sou muito contrária às injustiças em geral e essa questão da violência contra as pessoas trans é algo inconcebível. É a violência que nasce do preconceito e do fato do outro ser diferente, isso nenhuma sociedade deve tolerar. Eu não tolero e vou impor essa marca como relatora”, relata a vereadora.

Durante a reunião pública, também foram convidadas a falar as co-vereadoras Carolina Iara e Samara Sosthenes, do Mandata Quilombo Periférico, que abordaram a necessidade de se avançar muito ainda na luta contra a violência direcionada a pessoas T. Ambas as co-vereadoras sofreram tentativas de homicídio e tiveram pedido de reforço de segurança negado pela Câmara Municipal de São Paulo por não serem as titulares do cargo. Já a vereadora Erika Hilton teve seu gabinete invadido por um homem que havia atacado-a virtualmente.

Próximos passos de investigação

No período inicial de 120 dias de apuração da CPI, serão investigadas e mapeadas as causas e as consequências da violência contra a população trans e travesti, além de se buscar sensibilizar legisladores e agentes públicos para o desenvolvimento e formulação de políticas públicas que eliminem a violência estrutural contra esta população na cidade de São Paulo; e também como uma forma de incentivar outros locais do país a fazerem o mesmo.

“É um orgulho para mim, enquanto mulher intersexo e travesti, participar de uma investigação histórica sobre um assunto tão complexo como a transfobia estrutural. Está sendo uma experiência ímpar, a primeira do Brasil, e com certeza será algo que vai nos ajudar a estabelecer políticas públicas para a população trans da cidade”, relata a co-vereadora Carolina Iara.

A CPI também vai se preocupar em investigar documentos sobre a perseguição sistemática contra os LGBTQIAP+ que ocorreu durante a ditadura militar, como as operações “rondões” – ações da polícia que prendiam pessoas trans e travestis em massa- e “Tarântula”, em que a epidemia da Aids era utilizada como pretexto para prender e violentar essa população.

“Minha expectativa é que tenhamos o maior nível possível de transparência. Tenho a expectativa de esclarecer e trazer fatos para serem investigados e, se for o caso, punir os responsáveis. Eu quero fazer o melhor trabalho possível e contribuir para que a CPI transcorra de forma ímpar e com máxima correção e agilidade”, explica a vereadora Cris Monteiro.

Também foi disponibilizado um canal direto para recebimento de denúncias de cidadãos e organizações da sociedade civil sobre casos de violência contra pessoas trans e travestis. As ocorrências também serão analisadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito. As denúncias podem ser feitas pelo e-mail[email protected] ou pelo WhatsApp (11) 97832-4142.

Leia também: A transfobia no Brasil tem cor, revelam estatísticas

Serviço

As reuniões públicas da CPI acontecerão quinzenalmente às sextas-feiras, das 11h às 13h. Os trabalhos iniciam nesta semana com representantes da ANTRA e do CEDEC, que apresentarão dados sobre violência contra pessoas trans e travestis. A reunião, por enquanto, é sem a presença do público e será transmitida online pelo site da Câmara Municipal de São Paulo.

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