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Cabelo ‘fora do padrão’: homem negro denuncia racismo durante visita ao irmão em presídio

Caso aconteceu em 2021 na CDP Belém 2, em São Paulo; Vítima teve danos à saúde mental após sofrer revista vexatória e ouvir comentários racistas sobre o cabelo crespo
Imagem mostra um homem negro com o cabelo black power.

Foto: Arquivo pessoal

15 de dezembro de 2023

Um homem negro, de 46 anos, moveu uma ação contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo após denunciar que foi alvo de racismo por agentes penitenciários do Centro de Detenção Provisória (CDP) Belém 2, localizado na Zona Leste de São Paulo.

O caso aconteceu no dia 30 janeiro de 2021, quando o líder comunitário Rodrigo Olegário foi à unidade visitar o irmão, que foi transferido um mês antes para o CDP Belém 2 para cumprir regime semiaberto.

Ele relatou que ao chegar no local foi alvo de comentários racistas por causa do cabelo crespo, além de ter sofrido revista vexatória e dificuldades para ingressar na unidade.

Rodrigo é irmão do detento que foi torturado por um agente penitenciário por causa de um ovo, caso relatado com exclusividade pela Alma Preta Jornalismo em 2021. A vítima de tortura já está em liberdade, no entanto, o caso foi arquivado no ano passado.

Segundo consta no processo, ao qual a reportagem obteve acesso, Rodrigo estava no setor da carteira de visita quando foi informado que seu nome não estava na lista de visitantes, mesmo após ter enviado por e-mail a documentação necessária para a confecção da carteirinha.

Com a situação, Rodrigo informou que já tinha falado com o diretor e com o responsável e indicou a data da troca de e-mails, momento em que o funcionário passou a procurar a autorização.

Durante a espera, o líder comunitário conta que passou a ser abordado de maneira rude e constrangedora pelo diretor de disciplina da unidade, que disse que ele não iria entrar pois o seu cabelo estava “fora do padrão”.

À Alma Preta, o líder comunitário afirma que perdeu uma das duas horas disponíveis para a visita por causa do ocorrido, além de impactar na fila de espera dos demais visitantes.

Ao passar pelo body scanner no setor de revista, ele diz que também foi vítima de revista vexatória após os agentes mandarem ele ficar em posição de cócoras e teve o cabelo tocado por um agente que estava com uma arma na mão.

“Na resolução da SAP [Secretaria da Administração Penitenciária] fala que as pessoas não podem entrar com aplique e mega hair e meu cabelo não é aplique nem mega hair, apenas um penteado”, comenta Olegário.

Uma testemunha, que aguardava na fila de espera dos visitantes, disse no processo que presenciou o momento em que Rodrigo foi hostilizado pelos agentes penitenciários.

“Eu vi o pessoal, os rapazes lá, mexendo no cabelo dele, caçoando dele e naquele momento eu fiquei com bastante medo de acontecer comigo também, então abaixei a cabeça e comecei a olhar pra baixo e fiquei bastante constrangido. Eles davam risada enquanto um mexia no cabelo dele”, conta a testemunha.

Imagens de câmera de segurança da unidade no dia do ocorrido chegaram a ser solicitadas pela defesa de Rodrigo, no entanto, ele diz que não foram disponibilizadas.

Abalo emocional

Na época do ocorrido, Rodrigo Olegário atuava como coordenador na Casa de Cultura da Brasilândia, na Zona Norte da capital paulista, e procurou atendimento no Hospital do Servidor Público. Ele chegou a ser afastado duas vezes e foi diagnosticado com quadro de stress pós traumático e ansiedade generalizada.

Em março de 2021, Rodrigo perdeu o emprego, entrou em depressão e até hoje faz tratamento por causa das consequências do ocorrido.

No ano passado, o líder comunitário abriu um processo na justiça para pedir indenização por danos morais e materiais contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Na ação, a Defensoria Pública do Estado, representante da vítima, aponta racismo institucional.

“Além de ter sido vítima de discriminação racial praticada por agentes penitenciários, que deliberadamente o humilharam, ridicularizaram e o ameaçaram em razão de seu cabelo, foi vítima também de racismo institucional, na medida em que tais atos discriminatórios foram praticados em nome do Estado e quando do exercício de função pública”, destaca um trecho da defesa.

Procuradoria nega racismo

No processo, a Procuradoria Geral do Estado, representante da Fazenda Pública, negou que os agentes tenham cometido racismo e argumentou que o motivo da demora no atendimento foi pelo fato de Rodrigo não ter enviado os documentos de forma antecipada para a regularização do cadastro como visitante.

De acordo com a Procuradoria, a documentação de Rodrigo foi entregue no dia 31 de janeiro, dia seguinte à visita em que ele alega que foi alvo de racismo. No entanto, uma captura de tela obtida pela reportagem mostra que a documentação foi enviada por e-mail pelo advogado de Rodrigo no dia 24 de dezembro de 2020, pouco mais de um mês antes da primeira visita.

Ouvido no processo, um dos agentes penitenciários confirmou que questionou se o cabelo de Rodrigo era natural por causa da resolução que proíbe a entrada no presídio com aplique no cabelo, mas negou que tenha tocado ou tido algum outro contato físico com o cabelo do denunciante.

A Procuradoria também negou que os agentes penitenciários andam armados dentro do CDP “e que todas as pessoas, incluindo os próprios servidores, precisam se submeter aos detectores de metais”.

“Ainda com relação aos danos morais, não há que se falar em racismo estrutural ou discriminação dos agentes penitenciários, sendo certo que não houve ‘dano existencial”, cita a Procuradoria em um trecho do processo.

Indenização por danos morais

Na ação, a 13ª Vara de Fazenda Pública, que julga o caso, considerou que a aplicação das normas voltadas para a segurança nas unidades prisionais, quanto à conduta dos agentes penitenciários, não podem “se afastar de princípios constitucionais como o da dignidade humana e da legalidade”.

“Não há nenhuma ilegalidade na norma que impede a entrada de pessoas usando apliques de cabelo, mais uma vez, em nome da segurança. Porém, a existência de referida norma de forma alguma implica o direito de caçoar, de humilhar, de ridicularizar quem quer que seja, mormente na condição de agente público”, considerou a 13ª Vara.

Na sentença, a 13ª Vara determina o pagamento de R$ 33 mil por danos morais, no entanto, diz que não ficou evidente a relação entre a exoneração de Rodrigo com o episódio de racismo e por isso não considera o pedido de dano material.

Em uma nova manifestação, apresentada em setembro deste ano, a Procuradoria volta a negar que houve injúria racial e considera que o valor determinado pela Justiça é “excessivo”.

“O valor arbitrado em R$33.000,00 a título de danos morais é desproporcional, tendo em vista que o autor não foi submetido a nenhum tratamento vexatório ou racista e que a conduta dos agentes penitenciários estava devidamente amparada na legalidade”, argumenta a Procuradoria, que pede a redução do valor para R$ 10 mil.

O processo ainda está em aberto.

Posicionamento do estado

A reportagem buscou posicionamentos da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo e questionou o motivo da demora do acesso de Rodrigo ao CDP Belém 2; por que as imagens das câmeras de segurança não foram disponibilizadas; qual a norma/resolução que cita as regras em relação aos cabelos das/os visitantes; qual a resolução que orienta o processo de revista aos visitantes e quantas denúncias de racismo nas penitenciárias foram registradas em 2023.

Em nota, a SAP apenas informou que, neste ano, a Corregedoria e Ouvidoria da pasta não registraram casos de racismo sofridos por visitantes. Disse também que “reforça o compromisso de respeito aos direitos e dignidade das pessoas que frequentam o sistema penitenciário paulista”.

Além disso, também solicitamos posicionamento da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que disse que “se manifesta nos autos judiciais e não presta informações sobre recurso pendente de julgamento”.

Já a 13ª Vara de Fazenda Pública, por meio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também afirmou que não se manifesta sobre questões jurisdicionais.

“Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente”, completa a nota.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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