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Extra demite funcionária após casal negro ser acusado de furto sem provas

3 de novembro de 2020

Uma das vítimas avalia que a demissão não é correta, pois não mostra que o problema está, de fato, sendo resolvido; após repercussão do caso, o casal foi chamado para uma reunião com a rede de supermercados

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução

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O Grupo Pão de Açúcar, dono do Extra, possui 1.054 supermercados no Brasil e cerca de 109 mil funcionários. Após uma atendente da loja do bairro Aeroporto, na zona Sul de São Paulo, afirmar que um casal negro era suspeito de furto e os fazer mostrar a bolsa – onde tinha uma biblía – a funcionária foi demitida e o casal convidado para uma reunião, que deve ocorrer nesta semana.

“Não concordo com a demissão da funcionária. Isso não mostra que eles estão resolvendo o problema. Em nenhum momento, mesmo depois de verem que eu não tinha roubado nada e que eu fui discriminada, não houve um pedido de desculpas”, diz a vítima Letícia de Carvalho, 43 anos.

A trabalhadora autônoma e o marido, Edgar Carvalho, cozinheiro de 41 anos, faziam compras no supermercado, na noite do sábado de 26 de setembro, quando foram acusados de furto ao passar as compras pelo caixa. Todo o ocorrido foi gravado.

O casal chamou a Polícia Militar para denunciar a situação de racismo e constrangimento. Letícia e Edgar mostraram que na bolsa tinha uma bíblia e nenhum produto roubado. Segundo as vítimas, o PM corroborou com o constrangimento ao solicitar apenas os documentos dos dois para averiguação de antecedentes criminais e ao afirmar que “não tinha nada demais” no procedimento dos funcionários em querer revistar a bolsa dela.

“Me senti inútil, ninguém, um número na sociedade. Você vale para pagar imposto, mas na hora de receber o respeito dos policiais não vale. Só foi feito o registro porque um outro policial mandou fazer, porque se fosse por ele só, não teria feito”, conta Letícia.

foto caso extra

O caso de racismo foi gravado pelas vítimas. (Foto: Reprodução)

A cliente frequenta o supermercado há mais de 10 anos e nunca recebeu um pedido anterior para revistar a bolsa. Ela lembra que em 2015 foi seguida por um segurança nos corredores da loja. Dessa vez, ela decidiu não ficar calada, por isso fez a denúncia e levou o caso ao conhecimento do público.

“É triste. Não tem sido fácil. Mostrar a cara na televisão e contar o que aconteceu não é fácil. E ainda tem os seus filhos que você tem certeza que vão passar por isso no futuro. A nossa ideia é que passem menos ou que não passem”, salienta Letícia.

Nos últimos dias, o casal tem recebido muitas mensagens de apoio. Ao Alma Preta, as vítimas contam que ex-funcionários negros que trabalharam no Extra foram vítimas de racismo e também acusados de furto.

Apesar de o caso ter acontecido no final de setembro, a assessoria do Pão de Açúcar informou que só teve ciência da reclamação do casal na quinta, 29 de outubro, quase um mês depois, e afirmou que iniciou uma investigação interna.

“Estou perplexa que um caso que envolveu duas viaturas de polícia, o registro de um boletim de ocorrência e parou um supermercado de grande porte no horário de pico, não tenha sido levado à direção do supermercado pelos funcionários”, afirma a advogada do casal Lenny Blue, que os orientou a registrar o caso na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância).

A reportagem procurou o Extra e questionou quais são os protocolos de atendimento da rede e quais as medidas adotadas pela rede para evitar casos de racismo, sobretudo, no treinamento dos funcionários. Até a publicação deste texto, não houve resposta.

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) foi procurada pela reportagem para se posicionar sobre a atitude do policial que disse que o procedimento de revistar a bolsa era “normal”. Até a publicação deste texto, a pasta vinculada ao governo estadual não se pronunciou.

O que diz o Extra

Em nota enviada à reportagem, a assessoria de imprensa do Extra afirmou que assim que tomou conhecimento do caso iniciou um processo interno de apuração conduzido pela ouvidoria da rede.

“Da mesma forma, ao saber do ocorrido, tentou contato com os clientes envolvidos para desculpar-se e inseri-los no processo de apuração (como é procedimento neste tipo de situação), e tem, desde então, tratado dos fatos com a representante legal do casal, a pedido dos próprios envolvidos. O processo de apuração interna ainda não foi finalizado”, diz o comunicado.

Segundo a rede, a demissão da funcionária, mencionada pela matéria, não tem ligação com o caso que envolve o casal de clientes negro. “Todavia, cabe esclarecer que o desligamento da ex-colaboradora envolvida neste episódio não tem relação com tal situação, já que a companhia desconhecia, até o momento, de seu ocorrido que não havia sido reportado à área responsável para o devido tratamento”, diz o texto.

O Extra afirma ainda que mantém uma agenda de políticas de combate à discriminação e ao preconceito. Na nota, a empresa do grupo Pão de Açúcar descreve ainda que tem muito que evoluir internamente. 

“Manter os times de lojas sensibilizados e continuamente atentos sobre suas atitudes respeitando ainda as políticas do Extra para a agenda de equidade racial é um processo longo, permanente e que tem atenção diária. Temos muito o que evoluir, internamente ao lado dos nossos colaboradores e parceiros, e das entidades e associações dedicadas ao tema com as quais temos trabalhado, com o objetivo de garantir que situações como essa narrada pelos clientes não se repitam”, afirma o texto.

Texto atualizado às 18h29 de 3 de novembro de 2020 para inclusão do posicionamento do Extra.

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