Pesquisar
Close this search box.

Mais de dois milhões de paulistanos vivem em periferias que não têm nenhum leito de UTI

Levantamento aponta que bairros ricos e próximos ao centro de São Paulo concentram a maioria dos leitos para cuidados intensivos

27 de abril de 2020

Na cidade de São Paulo, a distribuição de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do Sistema Único de Saúde (SUS) privilegia os bairros mais ricos e próximos ao centro, enquanto as periferias sofrem com a ausência desses equipamentos fundamentais para o tratamento de quadros graves de doenças respiratórias como a Covid-19, o novo coronavírus.

Um mapeamento da Rede Nossa São Paulo divulgado em abril revela que 60% dos leitos de UTI do SUS estão concentrados nas regiões das subprefeituras da Sé, Pinheiros e Vila Mariana, localizadas nas regiões mais ricas e centrais da cidade, onde vive 9,3% da população.

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Na outra ponta, em áreas periféricas das subprefeituras de Aricanduva, Jaçanã, Lapa, Parelheiros, Perus, Campo Limpo e Cidade Ademar não há nenhum leito. Essas regiões concentram 20% da população da cidade, o mesmo que 2,3 milhões de pessoas. Em cinco delas, há 32% pessoas negras a mais que a média do município.

O levantamento expõe, por exemplo, que a região da subprefeitura de Pinheiros, bairro de classe média alta da Zona Oeste, dispõe de 365 leitos de UTI públicos para sua população de 294 mil pessoas. Com a mesma população, a Vila Maria, na Zona Norte, possui 10.

“Este mapeamento revela, mais uma vez, a desigualdade estruturante na cidade mais rica do país. Nesse momento de crise, se por um lado São Paulo tem sido referência em medidas emergenciais, por outro os números atestam que estamos longe de atingir a equidade social. A desigualdade territorial segue acentuando as diferenças e tornando as populações ainda mais vulneráveis”, afirma a Rede Nossa São Paulo, em nota.

Desigualdade histórica

O levantamento da Rede Nossa São Paulo foi feito a partir de dados de fevereiro do sistema do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). A falta de acesso dos moradores das periferias aos equipamentos de saúde, no entanto, não é algo novo, conforme destaca a médica Denize Ornelas, diretora na Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).

A médica considera crítica a forma como os governos estadual e municipal têm conduzido os efeitos da crise do Covid-19 sob as populações mais vulneráveis. Ela recorda que nos hospitais da Zona Leste, por exemplo, a proporção de leitos de UTI não era adequada mesmo antes da pandemia.

“Quem dirá agora com os casos de doença respiratória grave em decorrência do Covid-19. Isso gera uma desigualdade no acesso e no cuidado das pessoas. Muitas vezes os pacientes não têm acesso imediato ao serviço de saúde. Há também a superlotação na espera por vaga e a sobrecarga dos profissionais de saúde. Um problema leva ao outro”, explica.

A Rede Nossa São Paulo produz estudos sobre desigualdade na maior cidade do país desde 2012. Um dos indicadores mais graves da rede é referente à expectativa de vida das pessoas nas periferias em comparação às regiões ricas.

A diferença entre o melhor e o pior distrito é de 23 anos. Em Moema, bairro rico da Zona Sul e com a menor população negra da cidade, a idade média de morte é de 80,6 anos. Na Cidade Tiradentes, periferia da Zona Leste, a idade média de morte é de 57,3 anos. A média da cidade é de 68,7.

Ornelas reitera que a falta de acesso à saúde de qualidade é um dos fatores que pode diminuir a estimativa de vida. “Se a gente reconhece por vários fatores sociais e históricos que a população negra é maioria na periferia, com menos acesso à saúde, essa discrepância na distribuição dos leitos de UTI aumenta esse abismo e contribui, por exemplo, para diminuição da expectativa de vida. É muito mais difícil reverter um quadro de infarto sem os equipamentos necessários”, salienta.

O quê dizem as secretarias de saúde?

A Alma Preta procurou a Secretaria Estadual de Saúde, vinculada ao Governo de São Paulo, e questionou como a pasta tem feito para atender os pacientes das periferias em quadros graves de saúde diante da desigualdade no número de leitos de UTI. A assessoria de imprensa informou que não responde por informações sobre os bairros do município, portanto, não iria responder à reportagem.

Por sua vez, a Secretaria Municipal de Saúde, vinculada à Prefeitura de São Paulo, informou que a rede municipal dispõe de 507 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 3.240 leitos de internação.

Segundo a assessoria de imprensa, os hospitais municipais estão distribuídos em sua maior parte na periferia da cidade, em bairros como Itaquera, São Miguel, Ermelino Matarazzo, Pirituba, M´boi Mirim, Cidade Tiradentes, Campo Limpo, Vila Maria, Butantã, Vila Nova Cachoeirinha e Campo Limpo. A pasta não detalhou, no entanto, como ocorre a distribuição de leitos de tratamento intensivo nessas unidades.

Para o combate ao Covid-19, a pasta afirmou ainda que estão sendo criados 933 novos leitos de cuidados intensivos e que a prefeitura implantou os Hospitais de Campanha (HM Camp), com dois mil leitos de baixa complexidade no estádio do Pacaembu e no Anhembi.

Em maio, a Secretaria Municipal de Saúde deve inaugurar o Hospital Municipal da Brasilândia, na periferia da Zona Norte com 150 leitos de UTI para tratamento de pacientes atingidos pelo Covid-19. A região é a que possui a maior letalidade pela doença na cidade e a criação da unidade é uma demanda dos moradores há, pelo menos, 30 anos. As obras iniciadas em 2015 estavam previstas para conclusão em 2017.

  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Passagens por UOL, Estadão, Automotive Business, Educação e Território, entre outras mídias.

Leia Mais

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano