No último dia 13 de junho, completou-se 10 anos que o corpo do jovem negro Edson Rogério da Silva foi exumado, por decisão da justiça, para que fossem identificados o modelo e o tipo do projétil que o matou em maio de 2006. O exame deveria dizer se o projétil é compatível com o armamento da Polícia Militar de São Paulo. De acordo com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), um departamento do Ministério Público de São Paulo, o caso segue parado porque depende de um laudo complementar.
O andamento do processo que investiga a morte de Edson Rogério, segundo o Movimento Mães de Maio, segue um padrão de manter “congelados” todos os casos que envolvem mortes por policiais. No dia 13 de maio, as mães fizeram um ato-protesto em frente à sede do Ministério Público, no Centro de São Paulo, e jogaram tinta vermelha na calçada representando o sangue das vítimas e um grito de protesto contra a lentidão das investigações, que até o momento não produziu provas para apontar quem matou o rapaz há 16 anos.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Rogério tinha 29 anos, era gari e filho de Débora Maria da Silva, líder e fundadora do Movimento Mães de Maio. Ela atua pelo esclarecimento do assassinato de 564 civis, entre os dias 12 e 21 de maio, em represália aos ataques contra as forças de segurança que resultaram na morte de 59 agentes públicos, a maioria deles ligados a departamentos do setor de Segurança Pública. Os crimes foram atribuídos a uma facção criminosa.
“O Ministério Público e seus sucessivos arquivamentos de inquéritos policiais mata as famílias enlutadas, sobretudo potencializa as doenças maternas. Famílias enlutadas esperam anos por justiça sem respostas”, conta Débora Maria.
Desde de 2015, a rede de de mães, familiares e amigos de vítimas da violência do governo paulista enfrenta uma luta contra as calúnias. Naquele ano, começou a circular o vídeo de uma promotora do Gaeco afirmando sem provas, segundo o movimento, que existia uma ligação entre o grupo formado por parentes das vítimas e o tráfico de drogas.
A declaração foi feita durante o julgamento de um policial militar. A promotora era testemunha de defesa do acusado. “Há sete anos estamos exigindo uma retratação do MP sobre essa calúnia e que o vídeo seja retirado do ar, mas nada acontece”, afirma Débora.
O Movimento Mães de Maio, a Defensoria Pública e a ONG Conectas Direitos Humanos procuraram o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para pedir que, dentro de sua atuação, pudessem solicitar providências aos respectivos órgãos cujos processos estão tramitando. O ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, oficiou então aos órgãos pedindo informações sobre o trâmite dos casos bem como informações sobre o prazo para conclusão. O Conselho Nacional do Ministério Público não foi oficiado porque no MP-SP o caso já estava arquivado.
Para garantir que os processos não continuem “congelados” na justiça paulista, o movimento Mães de Maio solicitou a federalização das investigações. “Estas instituições revelam que a polícia não mata sozinha, ela se dá pela ação conjunta destas agências de justiça criminal para a manutenção do projeto genocida racista do estado brasileiro que está em curso há mais de 500 anos”, denuncia a fundadora da organização.
O CNJ também recomendou que o Tribunal de Justiça de São Paulo intensifique o esforço para criar um Centro Especializado de Atenção às Vítimas.
“Quando a violência é do Estado não tem nenhum suporte para denúncia ou para acompanhamento quando o autor do crime é um policial. As pessoas não se sentem seguras para denunciar”, relata Débora.
Ação civil
Em 2019, foi apresentada uma ação civil pública exigindo uma indenização total de R$ 154 milhões para os familiares das vítimas civis e agentes públicos. Porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a ação argumentando que os crimes prescreveram. Atualmente, o caso está em recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça), sem data para julgamento.
“Querem criminalizar o movimento das mães para esconder que não tem justiça, não tem lei que protege o sangue dos jovens negros e pobres que sofrem com o genocídio. Os nossos filhos eram trabalhadores empobrecidos, meu filho trabalhou sete anos em uma empresa de limpeza urbana, mas o Estado precisa criminalizar para poder matar os nossos filhos e justificar a manutenção dos presídios e da corrupção. O Ministério Público, ao arquivar os processos, comete um crime tão grave como aquele de quem apertou o gatilho”, afirma Débora.
A Alma Preta Jornalismo procurou o MP-SP pedindo informações sobre o motivo deste caso estar parado após 10 anos da exumação do corpo de Edson Rogério e sobre as medidas tomadas diante da denúncia de calúnia contra as Mães de Maio. Até a conclusão da reportagem, o órgão não se manifestou.
Leia também: “Está dominado”: policial imobiliza com joelho rapaz já algemado no RJ