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Em isolamento social, artistas negros se reinventam e aproveitam tempo maior para criar

30 de julho de 2020

Vendas que ocorriam nas ruas migraram para redes sociais e há dedicação à leitura e produção

Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Ítalo Vinícius/Divulgação

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O escritor Wesley Barbosa, 30 anos, vendia o livro “O diabo na mesa dos fundos”, que traz 19 contos sobre a vivência na periferia e sobre a relação com a literatura, de mãos em mãos pelo centro da cidade de São Paulo. A  obra, que custa R$ 30 e foi lançado em 2016, já está na quinta edição e vendeu pelo menos 3 mil exemplares. “Saio vendendo de mão em mão em bares, teatro”, conta. Só na Feira Literária de Paraty (Flip) de 2019, o autor vendeu 300 livros. Isso o possibilitou deixar o emprego em uma lanchonete para se dedicar somente ao trabalho literário.

Com o início da pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, o escritor, no entanto, precisou se reinventar. As vendas migraram para sua página no Instagram e ele teve mais tempo para produzir. Escreveu um romance, com 34 capítulos em cinco dias. O livro ainda não tem data para ser lançado, mas deve chegar ao mercado literário em breve. Barbosa recorda que escreve desde criança, quando já criava histórias e contava para os irmãos. “Sempre gostei muito de ler e passei a escrever também. Não conheço uma vida sem a literatura estar presente”, diz.

O escritor que cresceu em Itapecerica da Serra e hoje mora no centro de São Paulo aproveita o tempo livre para ler livros de autores como Frantz Fanon, Fiódor Dostoiévski e estudar roteiro, já que um dos seus contos deve virar filme.

Já o rapper baiano Nouve, 30 anos, que vive em São Paulo, vendia seu EP “Vou na Fé” em shows e eventos com concentração de pessoas negras. O primeiro EP “Respirando a Arte” chegou a 10 mil pessoas somente com as vendas de rua. Nouve também tem outro trabalho: ele é desenvolvedor de produtos da Lab Fantasma, mas após o trabalho saia para vender os discos. “Comecei do zero. Fiquei dois anos parado na adaptação da nova cidade, mas voltar para rua possibilitou me reconectar com a minha arte”, conta.

A venda de CDs na rua era, além de uma renda extra, uma possibilidade de conexão e de fazer com que seu som chegasse a novas pessoas. “Essa venda ajuda a investir na minha própria arte, me trouxe boas conexões e pensar em possibilidades. Gosto de rua, de pessoas, desse corpo a corpo. A internet possibilita conexão com outro país. Mas o corpo a corpo é primordial. Nessa pandemia sinto saudades disso”, afirma.

Isso faz, segundo Nouve, com que o CD físico ainda faça sentido, mesmo num momento em que as pessoas consomem música por aplicativos de streaming e não tenham mais nem onde tocar o disco. “Tem o QR Code e elas podiam acessar as músicas nas plataformas digitais. O CD me dá essa conexão real, que me fez buscar e conseguir fazer shows em lugares como o Sesc Ipiranga e Centro Cultural da Juventude (CCCJ)”, detalha.

Antes da pandemia, Nouve trabalhava das 9h às 18h e à noite saia para vender os discos. “Ficava muito tempo na rua e não tinha tempo de produzir, escrever. Agora estou mais conectado com a parte criativa. Escuto música, leio livros, estou fazendo cursos para poder gerir minha carreira melhor”, destaca.

O rapper também aproveitou o período para fazer composições e remix de novas versões de músicas antigas. No final de agosto ele lança a música Yababelô. No dia 10 de junho, o EP Aglomerações, que Nouve que gravou em 2015 junto com o também baiano Leno Sacramento chegou as plataformas digitais. “Temos que trazer coisas positivas nesse período, já que ainda estamos sem saber quando podemos voltar para a rua com segurança”, pondera.

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