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Toque íntimo

Queria ela o grito anunciando o vulcão de teu corpo, mas aquela festa era só sua, ela com ela, e por isso o coração fora do peito rodopiando em delírio, e por isso cada vez mais se tocava e sentia a explosão dentro de si

Imagem mostra mulher negra olhando para cima e com as mãos no rosto.

Foto: Foto: Reprodução/Nappy.co

29 de dezembro de 2021

Eram os dedos fagulhando sua ilha, colorindo sua floresta com fogueira de desejo. Os olhos que anunciavam um sonho também manifestavam que sua imaginação galopava anseio, a cada toque de seus dedos percorrendo sua vulva inundada de tesão: um batuque, um golpe, um carinho, um sopapo.

Ela pilotava a nave, ou melhor, a borboleta, que demorou um longo tempo para equilibrar sobre seus toques bravios, sobre a sensibilidade. Friccionava todos os dedos entre as pernas e viu com seus olhos de apenas sentir; flores em confronto com guerra, sangue delirando com a paz, arco-íris bailando com a chuva.

Seria isso o orgasmo?

A pretinha mergulhou ainda mais seus dedos em sua própria ilha, era como se velejasse a borboleta mais colorida sob o mar em brasa dentre as coxas em erupção, a cada toque era como se acordasse um maremoto que há séculos dormia calmamente no fundo de sua ilha.

Tomou-se de galope contraindo na querência enquanto caçava o gozo, as imagens eram nítidas, vivinhas em sua mente. Viu lindas aves em nuvens cinzas, munições dialogando com olhares febris, viu com os olhos de apenas sentir seu coração pulsar forte, fora do peito. A mão mergulhava ainda mais entre as coxas e sua ilha toda tomada pela erupção, desaguavam sedentas lavas ferventes e mais carinhos e toques, como se tamborim fosse em uma cadência rítmica embalando o corpo.

Via com os olhos de apenas sentir o belo encontro da vida com a morte, seria isso o orgasmo? O gozo, a lava fervendo e inundando sua mão e o lençol, o quarto, o prazer fazendo folia no interior da mente. Enquanto o coração passeava entre jardim e desencanto querendo algazarra.

Queria ela o grito anunciando o vulcão de teu corpo, mas aquela festa era só sua, ela com ela, e por isso o coração fora do peito rodopiando em delírio, e por isso cada vez mais se tocava e sentia a explosão dentro de si, via com olhos de apenas sentir; o cheiro o bailar , o gozo.

Seria isso o orgasmo?

Enquanto batucava não se importava se isso era o orgasmo, os extremos em confronto ou seu encontro, amava mesmo era amar, e por isso deitava seu corpo deliciando-se no corpo daquele pretinho, saia do seu bairro Maré da Saudade e atravessava a cidade até a Vila das Flores pra suar esse sonho, do seu cantão pro cantão do seu preto, da sua favela pra favela dele, o beijo era sublime, a lambida, o sentar nele o sentir ele. Como se o barco sem rumo retomasse o remo e fosse feliz caminhar os desvarios do sexo.

Amava mesmo era teu corpo fazendo morada no corpo daquele outro pretinho, o da Cidade Aguda, aquela periferia longe que demorava muitas horas pra chegar. Namorar ele também era sublime, ereto e com tudo dentro era a certeza de ver com aqueles olhos de apenas sentir o encontro; do beijo com o choro, do carinho com a força, da pegada com o toque.

Seria isso o orgasmo?

Não sabia se era e não importava, pois não haveria explicação, é intensa a música do sexo, gostosa de dançar, no seu devaneio solitário sonhava dormir com os dois, o da Vila das Flores e o da Cidade Aguda, queria em ebulição os três; ele ela ele, ela ele e ele, existia fantasias de filmes eróticos, mas ensaiava pelo novo, uma dança a três, um beijo a três, uma lambida os três, agora ali deitadinha no colchão apertou mais uma coxa na outra deixando a mão bagunçar seu interior, e quis os dois, queria um amando por baixo outro beijando por trás, esse o de trás aquietando o facho e seriamente brincando com a língua atrás e muito, por baixo e muito enquanto o outro cessava a música de anunciar primavera, que jorrava de sua boca, pondo e tirando a cabeça até enfiar tudo e silenciar o ambiente fazendo da canção inédita, murmúrio de vivenciar o momento. Ela via e sentia isso tudo com aqueles olhos de apenas sentir, enquanto a mão navegava sorrateira no íntimo de seu íntimo, a imaginação a levava a lugares esplêndidos.

Batucou e friccionou mais forte a vulva e era como se galopasse enlouquecida a borboleta sobrevoando incêndios, inundações, terremotos, e viu o pretinho da Vila das Flores e o pretinho da Cidade Aguda, quis os dois, um por trás outro pela frente, invadiu mais sua ilha já inundada de prazer, o coração que passeava fora do peito debatia frenético e ela galopando em sua borboleta invadiu incêndios, inundações.

O corpo, um verdadeiro terremoto, se bagunçava sobre a cama e batucou mais sua ilha, e quis gritar com anseio de acordar rios, florestas, desertos. Suou, gozou e gozou. O coração ainda frenético voltava tranquilamente para o peito em brasa, e ela viu com os olhos de apenas sentir na janela do alto da sua casa, na Maré da Saudade, a borboleta que galopou partir colorida sob o céu negro estrelado que adentrava o seu dia.

Seria isso o orgasmo?

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Akins Kintê é um poeta, músico e escritor paulistano conhecido por seus versos marcados pela negritude. Em 2020, lançou seu terceiro livro “Muzimba, na Humildade sem Maldade” e também colocou nas ruas o EP “Abrakadabra”.

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