Eu tenho mágoa. Nada contra esses dias que se aproximam do Natal, mas eu tenho mágoa tá ligado? Um lance de rancor que a gente não tem com quem debater, também vai dizer o quê?
Os dias festivos em minha vida me trazem complexidade, eu não ligo de ganhar presente, se vier legal, se não, eu não tô nem aí. Não é zanga, nem tô sendo mimado, é que tá tranquilo mesmo.
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Eu tenho mágoa, porque Páscoa me lembra aflição. Dia das Crianças, pressão, Aniversário, angústia. Natal: uma bruta preocupação. Minha mãe e meu pai se desdobravam em mil pra ter o mínimo que a televisão ligada nos obrigava a ter. Até hoje meu coração se desespera quando chegam esses dias a vontade mesmo é de entrar dentro de um bucaro e sumir.
Faz uns meses que eu só corto o cabelo com o P.H e ele tá ligado já: “Degradê e em cima só acerta o black façavô” .
Vê ele manuseando a tesoura é da hora, lembra uma amiga minha escrevendo poesia – o cuidado que ela tem com a caneta, ele desenrola no corte e os dois trazem na seriedade mesmo sorrindo, a cautela de quem quer desenvolver um bonito trabalho.
Minha mágoa não é pessoal com ninguém, nem com meu pai em cana nos vários natais, nem com a humilhação da professora porque eu não tinha levado nada na confraternização da sala ou as mil tretas dentro de casa, onde era pra ser alegria, é que sinto um vazio e uma bruta vontade de não estar.
Meu cabelo ficou na régua, o P.H é talentoso, parece ideia boba, tô me achando bonito e isso é raro, talvez uma pequena chama acesa em meus olhos, a preta vai vir passar o Natal comigo, vai ser foda, eu preciso pra enfrentar meus fantasmas.
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