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Ao invés de monitorar, governo precisa entender por que população não se isola, diz pesquisador

14 de maio de 2020

Pesquisador do LabCidade, Aluizio Marinho, fala sobre planejamento urbano em tempos de pandemia

Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Simone Freire | Imagem: ASCOM / PMPA

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Os impactos da pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, são mais visíveis nos territórios com menos condições econômicas e deixam evidente a falta de políticas públicas para atuar de diferentes maneiras nos territórios diversos.

Essa é uma das análises feitas por Aluízio Marino, pesquisador do LabCidade, da Universidade de São Paulo (USP) e doutorando de Planejamento e Gestão de Território da UFABC.

Confira a entrevista exclusiva concedida ao Alma Preta:

Alma Preta: Gostaria que você começasse falando do LabCidade, desde quando atuam, quem faz parte e qual o trabalho de vocês?

Aluizio Marinho: O LabCidade acompanha as políticas urbanas desde 2009. Com pesquisas e reflexões e incidência sobre as políticas públicas, contribuindo com as lutas pelo direito à cidade. O Laboratório é coordenado pelas professoras Raquel Rolnik e Paula Santoro e é vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Atualmente conta com uma equipa de cerca de 20 pesquisadores.

Qual tem sido o trabalho de vocês nesse momento em que vivemos uma pandemia?

Nesse momento de pandemia do coronavírus o esforço é para compreender questões em relação às questões urbanas e moradia. Estamos pensando nos impactos nas cidades, em especial em São Paulo, e como isso escancara e tem diferentes formas, de acordo com as desigualdades que estão presentes na cidade.

No site, temos publicado textos dos colaboradores, parceiros e instituições que atuam na proteção de pessoas mais vulneráveis. Estamos organizando materiais próprios e de outros grupos, tentando qualificar o debate sobre a questão do planejamento urbano e moradia.

Você poderia dar exemplos de como as desigualdades se apresentam nesse momento?

Nós acompanhamos muito a região da Cracolândia, em São Paulo. Ali, além da vulnerabilidade pré-existente em questões básicas, há a diminuição do fluxo de comércio, que faz com que as pessoas que estão na rua tenham mais dificuldade de conseguir alimentos. O cotidiano fica mais duro.

Algumas estratégias adotadas pela prefeitura e governo do estado vão na contramão do que seria ideal: já que foram fechados alguns serviços de atendimento a essas pessoas e há continuidade de repressão por meio da polícia. Não defendemos que a Cracolândia continue como está. Elas [pessoas] precisam de soluções urgentes de moradia e acolhimento. O governo determina o isolamento como escolha individual, mas essas pessoas não possuem casa e já eram alvos de violência e estão mais vulneráveis agora por conta do vírus.

Como vocês avaliam as situações das periferias?

São territórios que têm questões econômicas muito imediatista, não têm poupança, nem condições de parar de trabalhar. Não têm escolha. O que temos colocado como crítica é que não dá para colocar o isolamento como escolha dos indivíduos.

Deveria ser uma construção coletiva, pensada na cidade e nos diferentes contextos. Mais do que ficar monitorando e ficar punindo quem não se isola, você deveria ter um esforço de compreensão de porquê as pessoas não conseguem se isolar, para atuar e dar condições de que elas se isolem. Essa construção deve ser compartilhada com quem atua nos territórios.

Nesse contexto, como você vê o impacto nas pessoas negras?

Os territórios periféricos são pretos, mas não temos dados específicos dos impactos do coronavírus nas pessoas negras. Não temos dados de favelas, só de distritos. A falta de dados precisos, por território, dificulta estratégia de ações mais concretas. A Brasilândia [distrito com mais mortes na cidade de São Paulo] é uma cidade. Tem mais pessoas morrendo, mas em qual local? Pode ser em um quadrado específico. As informações que temos são pouco específicas para elaborar ações.

E que caminhos o LabCidade tem apontado para esse momento?

Está evidente que o combate para a pandemia em uma cidade complexa como São Paulo não vai ser única, precisará de diferentes estratégias para territórios distintos. Essa questão vivida pelo coronavírus deixa explícito como a política pública é descolada do território. O governo do estado desconhece a realidade dos lugares.

O que a gente entende é que as medidas de mitigação e proteção no combate ao coronavírus têm que estar articulada com quem conhece os territórios. São os coletivos, associações e líderes de bairros.

Além disso, a estratégia vai ser diferente nos Jardins e na Vila Curuçá. Teremos que ter ações distintas dentro da própria Brasilândia, que é diversa. São diferentes realidades de mobilidade, condições econômicas, leitos.

Afinal, a questão não é se isolar ou não. Precisa compreender por que as pessoas não estão se isolando. Isso é o mais importante para dar as condições de isolamento. Precisamos de gestão compartilhada, com atuação, por exemplo, dos agentes comunitários de saúde, que conhecem essas pessoas e dados por território para soluções específicas.

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Esse conteúdo faz parte da #SalveCriadores, uma iniciativa que a partir do apoio a coletivos e criadores de conteúdo das periferias de São Paulo vai trazer reflexões e dados sobre a crise da COVID-19 e seus reflexos nas populações negras e periféricas. O projeto, desenvolvido pela Purpose, busca reforçar o importante trabalho que vem sendo feito por criadores de conteúdo e trazer pontos de vista e perspectivas que ainda não foram levantados. Os coletivos que fazem parte dessa iniciativa são o Alma Preta, o Nós, Mulheres da Periferia, a Periferia em Movimento e a Rádio Cantareira. Os conteúdos serão publicados nos canais de cada coletivo e divulgados nas redes sociais do Cidade dos Sonhos.

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