Em reunião fechada, presidente da Fundação Cultural Palmares dispara ataques que contrariam as diretrizes do órgão; Mãe Baiana, chamada de “macumbeira” e “miserável” por Camargo, o denunciará
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Renato Costa
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Durante uma reunião de trabalho na Fundação Cultural Palmares (FCP), o presidente do órgão de promoção à cultura negra disparou ofensas, acusações e ameaçou perseguir militantes do movimento negro e líderes de religiões de matriz africana. “Não vai ter nada para terreiro enquanto eu estiver aqui dentro, zero, nada. Macumbeiro não vai ter um centavo”, disse Sérgio Camargo.
A iyalorixá Jaciara Ribeira, ativista contra a intolerância religiosa, ficou indignada com a declaração. “Em pleno século 21, vivemos muitas perdas de direitos. O governo não mede esforços para demonstrar o ódio, a intolerância, o racismo. Nos trata de uma forma brutal”, afirma.
“Ouvir um áudio como esse de um homem que tem o papel de trazer políticas públicas e dar visibilidade aos nosso direitos é horrível. São vários crimes ao mesmo tempo. Um homem chamar uma mãe de santo de macumbeira é triste. Ele ofende todas as mulheres negras de candomblé”, acrescenta.
Mãe Jaciara levanta a questão sobre a importância da valorização da Fundação Cultural Palmares e defende a saída de Sérgio Camargo da presidência. “Precisamos dar uma resposta. O povo negro não pode se calar. Xingar a gente e dizer que não vai ter nada? Ele tem que sair desse espaço. Parece até que é planejado, colocam pessoas assim nesses cargos para desmerecer os nossos direitos. É o racismo e a violência contra a mulher que estão governando o país”, considera Jaciara, que é filha de mãe Gilda, que morreu em 2000 por problemas cardíacos agravados pelo trauma de um ataque por perseguição religiosa. A morte da mãe originou a lei que estabeleceu o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional da Intolerância Religiosa.
A reunião na Fundação Cultural Palmares em que Sérgio Camargo fez as declarações aconteceu no dia 30 de maio. O encontro foi convocado para tratar sobre o sumiço de um telefone celular corporativo. O aparelho teria desaparecido de dentro de uma gaveta durante o período em que Camargo ficou afastado da presidência por decisão judicial.
Nos áudios, divulgados pelo site do jornal O Estado de São Paulo, Camargo diz que acumulou dívidas de R$ 50 mil durante o afastamento por conta de suas declarações consideradas preconceituosas. Para ele, suas falas não passaram de “liberdade de expressão”. Nos áudios, o presidente declarou ainda que vai perseguir, demitir, exonerar ou transferir funcionários que ele chama de “esquerdistas”. “Tem gente aqui vazando informações para mídia”, afirmou.
Sérgio Camargo se coloca como alvo de ataques e faz ameaças nos áudios. “Além de fazer macumba pra mim, essa miserável está querendo agitar uma invasão aqui dentro de novo”, disse o presidente, referindo-se à mãe de santo Adna Santos, a mãe Baiana, e ao protesto de ativistas do movimento negro contra os comentários racistas que ele havia feito em suas redes sociais.
A mãe Baiana decidiu denunciar as ofensas feitas pelo presidente da Fundação Cultural Palmares. Nesta quarta-feira (3), ela irá registrar um boletim de ocorrência contra Sérgio Camargo, em Brasília, no Distrito Federal.
Ataques ao movimento negro
Em outro trecho das gravações, o presidente da Fundação Palmares voltou a criticar as comemorações da Consciência Negra e ironizou que o órgão, no passado, tenha enviado representantes para acompanhar celebrações do orgulho racial com eventos de capoeira no Amapá. Ele se referiu às organizações da sociedade civil que desenvolvem trabalhos em defesa dos direitos da população negra como “escória do movimento negro”.
No dia 1 de junho, em sua conta no Twitter, Camargo voltou a defender o fim do feriado de 20 de novembro. “Defendo a sua revogação em todos os estados e municípios em que é celebrado! Consciência existe somente uma. A Consciência Humana”, escreveu. Após o vazamento dos áudios da reunião, ele postou “Vidas importam. A cor não importa”.
As opiniões de Camargo são incompatíveis com os objetivos do órgão ao qual ele coordena, que foi criado em 1988 para promover e preservar, entre outras responsabilidades, a cultura e a tradição das religiões de matriz africana, conforme destaca a iyalorixá Iyá Omi Lade, do terreiro Ègbé N’la Yemọja, na Zona Sul de São Paulo.
“Eu já trabalhei em projetos desenvolvidos por intermédio da Fundação Palmares e é muito triste a profundidade de ódio e falta de empatia que foram manifestadas. Sérgio é racista mesmo sendo um homem preto ele colabora com as teorias racistas que estabelecem a hierarquia racial em nosso país. Ele é um desserviço para o nosso povo. Qualquer pessoa que reproduza esse tipo de pensamento deve ser presa, inclusive negros”, conta.
Para a psicóloga Conceição Santos, as declarações de Sérgio Camargo apresentadas como um ideário do “negro de direita” podem ser analisadas como um reflexo do racismo estrutural que predomina na sociedade. “É um processo de desordem de personalidade gravíssimo que [o racismo estrutural] gerou em nosso povo”, diz Conceição.
A profissional exemplifica com o modelo de ego alienado. “Quando a pessoa deseja exterminar com o próprio grupo ao qual pertence” e também comenta que Franz Fanon e Na’im Akbar, autores que abordam a psicologia afrocentrada, já escreveram sobre isso.
Sérgio Camargo se manifestou sobre os áudios divulgados pelo jornal O Estado de São Paulo e disse que a gravação “de uma conversa privada” foi feita de “forma ilegal”. Em nota, o presidente reiterou que “a fundação está sob um novo modelo de comando” em “sintonia” com o governo federal.