Para Ariovaldo Ramos, presidente tenta ser ‘papa’ de grupo religioso enquanto causa genocídio da população preta e pobre
Texto: Guilherme Soares Dias e Pedro Borges | Edição: Nataly Simões | Imagem: Pedro Borges
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A imagem séria e fechada do pastor Ariovaldo Ramos, coordenador nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito, é quebrada assim que começa a falar. Bom de oratória, ele chama a atenção de todos não só por ser bom comunicador, mas pelas ideias que expressa. O líder evangélico é crítico ao governo do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), que diz “se promover e se manter pelas fake news”.
O pastor critica ainda o presidente por se comportar como um “papa evangélico” e dividir os religiosos a partir do uso de elementos do moralismo defendido pelos fundamentalistas.
Em conversa com o Alma Preta, Ramos afirma ainda que o Brasil não vive uma democracia, já que a população negra, que é a maioria, não está representada nos espaços de poder e é vítima de um genocídio. Nesse sentido, o pastor defende as manifestações nas ruas apesar da pandemia da Covid-19 em curso.
Confira a entrevista completa:
Alma Preta: Qual a importância de você, como um líder evangélico, participar do ato inter religioso por vidas negras e pela democracia que ocorreu no domingo (12)?
Ariosvaldo Ramos: É imperioso participar. Nós estamos lutando contra o racismo. É preciso recrudescer nessa luta, avançar nesse aspecto. Temos que deixar evidente que com racismo não há democracia. Ela começa com o antirracismo. Não é apenas não ser racista, é atacar qualquer tipo de racismo. É minha obrigação como negro e como cristão.
Não tem democracia com mais de 71 mil mortos, um presidente irresponsável e um programa econômico que está matando os pobres e aumentou a pobreza exponencialmente. Esse governo está destruindo a esperança e tirou os direitos dos trabalhadores. Ou seja, a gente não pode chamar de democracia um estado que foi tomado de fake news e se mantem por meio delas, além de alijar os trabalhadores de seus direitos. Além disso, sustenta a letalidade policial contra o povo pobre e preto. Estamos assistindo a um genocídio.
Há risco na democracia brasileira hoje? Qual importância de atos na rua apesar dos perigos da pandemia?
Não há democracia porque o povo preto é a maioria no país e nós não estamos no poder. Então, se a maioria do país não está no poder, de que democracia estamos falando? É preciso estar na rua, apoiar a coragem dessa garotada, que está reagindo à letargia dos partidos. Os partidos, mesmo os de esquerda, estão letárgicos. Você não resolve isso só com conversa de rede social.
É claro que com a pandemia tem que tomar todos os cuidados. É um risco de morrer. Só que agora, nós brasileiros, pretos e pobres, temos que escolher onde morrer: em casa contaminado porque não tem leito, respirador, porque o Sistema Único de Saúde (SUS) está tentando se equilibrar após ser sucateado pelo governo e ainda tem os jagunços de elite que são as forças militares que vão matar a gente em casa. Então, a gente morre lá ou morre lutando na rua. Eu optei por morrer lutando na rua.
Parte do governo Bolsonaro se baseia muito no fundamentalismo religioso. Como pastor, de que maneira você vê isso?
Isso é a coisa mais indigna que um governo já fez: usar a religião. Usar as fragilidades de uma determinada religião para o benefício de um projeto de destruição nacional. Primeiro, porque o estado é laico. Você não pode usar o estado para propagar nenhuma religião. Nós vivemos isso quando a igreja católica romana comandava o Brasil e o estado era confessional. Foi um inferno para os evangélicos. Igrejas foram fechadas, pastores foram mortos. Agora que nós evangélicos estamos nos tornando maioria, vamos apoiar essa mesma loucura? Isso é indigno. O que estão sofrendo as religiões de matriz africana? É um absurdo.
O estado é laico. O presidente não poderia fazer isso. Não é apenas não dar poder a religião alguma, ele sabe que não pode evocar motivos religiosos. Os motivos tem que ser sempre democráticos, cívicos e republicanos. O que ele faz? Evoca os motivos religiosos e também evoca a área mais frágil da nossa batalha da fé, que são os fundamentalistas, que não compreenderam a fé cristã, que distorceram a fé cristã. Quando isso fica conosco, a gente se resolve dentro da nossa religião, da nossa igreja. O presidente toma partido, divide a igreja, favorece um lado da igreja, justamente o lado da igreja ideologicamente mais frágil que transformou a fé cristão num libelo moralista. Isso é um absurdo.
Poderia dar exemplos de atitudes do presidente que o senhor classifica como “absurdas”?
O presidente não tem que se meter, chamando o crente para jejuar e orar. Quem botou isso na cabeça desse homem, que ele é líder religioso, que ele é o papa dos evangélicos? Isso é uma estupidez. Eu saio para a rua para deixar claro que os evangélicos não são um grupo monolítico. Nós não temos ninguém comandando a gente, que os pastores midiáticos não falam por nós. Os caras que estão apoiando o Bolsonaro não falam por nós. Somos majoritariamente pretos, mulheres e pobres e esses caras não falam por nós. Estamos contra eles e precisamos trabalhar para eles perderem o poder que tem. Toda comunidade tem sua forma de resolver as coisas. Íamos resolver isso dentro da igreja, com nossas colocações e linguagens. Agora a divisão está aberta graças a esse senhor (referindo-se a Bolsonaro).