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Nós vamos enegrecer a FLIP e ninguém vai nos parar

16 de julho de 2019

Festival de Literatura de Paraty de 2019 teve a FLIP Preta e cada vez mais escritoras e escritores negros disputando narrativas em um evento historicamente branco

Texto / Gabrielly Oliveira I Edição / Pedro Borges

O Festival de Literatura de Paraty aconteceu entre os dias 10 e 14 de julho de 2019, e levou cerca de trinta mil pessoas às ruas de Paraty. O evento em si, fomentado por grandes livrarias em busca de público consumidor, vai abrindo aos poucos os olhos para escritores negros e independentes.

“Estamos tentando ocupar esses espaços que nunca foram nossos. A gente está chegando” afirma Anielle Franco.

Este é um ano histórico para a ocupação de pessoas negras e indígenas no evento. Dos cinco autores mais vendidos, quatro são pessoas negras e uma é indígena. Grada Kilomba, autora portuguesa, e Kalaf Epalanga, de angola, não saíam da boca do povo e seus nomes podiam ser ouvidos a todo momento pelas ruas de Paraty.

Os autores eram parte da programação principal do evento e foram acompanhados por milhares de pessoas durante as atividades. Quem não conseguiu pagar para entrar, via as palestras através da tela externa do evento e pela internet. O aplicativo oficial do evento foi uma ferramenta importante para aqueles que queriam ter acesso online à programação.

“A FLIP é um encontro literário pensado por quem comanda o mercado editorial brasileiro, mas a FLIP se tornou um encontro para quem gosta de literatura. Muitas pessoas que não estão nessa programação oficial pensada de determinada forma pela curadoria vêm participar da FLIP pelas atividades paralelas, algumas delas já incorporadas na programação da FLIP mesmo, e outras atrações, como essa FLIP Preta que não está na programação oficial, aqui no Quilombo do Campinho. A FLIP Preta é estar em casa” explica a jornalista Bianca Santana.

O autor homenageado na edição oficial da FLIP foi Euclides da Cunha, tendo uma série de mesas no evento principal relacionadas a ele. Embora tenham comparecido 42 autores de 13 nacionalidades diferentes na FLIP, os eventos paralelos também tiveram protagonismo forte. Teve gente que foi apenas nesses eventos.

FLIP Preta

A FLIP Preta é um daqueles eventos que vêm para ficar. O encontro foi um momento histórico para a população negra, periférica e quilombola no cenário literário brasileiro.

Local onde as atividades da FLIP Preta se desenvolveram, o Quilombo do Campinho recebeu pessoas e congregou de quinta a domingo debates, shows, comida boa e barata. O clima também era familiar e de receptividade, em especial para as pretas e pretos que chegavam lá.

“Se eles fazem uma FLIP universal em que todos podem participar, eu acho que não tinha necessidade de uma FLIP Preta. [Ainda] existe um apartheid cultural nesse país” defende Mestre Lumumba, que tem mais de 40 anos de MNU (Movimento Negro Unificado).

Na boca da maioria das pessoas que circulavam pelo Quilombo do Campinho, haviam falas sobre o sentimento de pertencimento que o ambiente proporcionava. “A FLIP Preta está me proporcionando esse lugar de acolhimento e de quilombo. Me sinto em casa”, conta Jennyfer Nascimento, poetisa da zona sul de São Paulo. Era sempre possível ver pessoas negras se abraçando, sorrindo, conversando, bem como mestres e contadores de histórias com pessoas interessadas em histórias, ou mesmo algum batuque sendo tocado.

A importância desse momento só pode ser compreendida por quem passou pelo Quilombo do Campinho. Presenciar crianças brincando com bonecas abayomi, símbolo histórico de resistência, dá um pouco da dimensão do encontro.

“Nos navios negreiros, quando os negros foram tirados da África, durante as viagens para vir para o Brasil para serem escravizados, as mulheres naqueles porões com suas crianças, elas rasgavam as barras das saias, e a partir desses tecidos, com cinco nós, elas faziam as abayomis, e davam para as crianças. Em outros momentos os tecidos eram usados para identificar famílias separadas pela escravidão” resgata Bethânia Souza, arte-educadora.

Lá na FLIP Preta, Bianca Santana lançou seu livro “Vozes Insurgentes de Mulheres Negras” e doou a todas as pessoas disponíveis uma cópia, autografadas na hora. Outras figuras muito importantes passaram pela FLIP Preta, como Anielle Franco, irmã de Marielle Franco e Benedita da Silva, deputada federal pelo Rio de Janeiro.

“Nós estamos dando uma cara para a FLIP que é a realidade do Brasil, a maioria de povo negro, e hoje nós temos visto [pessoas] como Conceição Evaristo, uma grande literata, que tem feito muitas produções e outras mulheres negras que têm produzido para este país e têm falado a respeito da importância da identidade. Por isso esperamos que essa FLIP que tem demonstrado diversidade, que ela possa cada dia mais ser pulsante e trazer novas possibilidades. Que a gente possa pensar novas políticas, para que possamos fortalecer esse seguimento de produção no país.” conta a deputada Benedita da Silva. 

Da música de Gê de Lima ao domingo de samba, o final de semana foi nesse clima. A Flip Preta era um espaço à parte em relação ao restante da cidade, que gritava em contradição e conflito. 

Eleição e tensão

Paraty efervescia clima de eleição. O prefeito foi deposto, e novas eleições estão para acontecer dentro de três semanas. O candidato do PT faz oposição com uma chapa quilombola e indígena. No entanto, as outras candidaturas, com mais recursos financeiros, pagavam as bandeiras que emergiam em praça pública. Mas esse não foi o único momento em que bandeiras estiveram em riste. 

Durante a FLIPEI – Feira Literária Pirata de Editoras Independentes, aconteceram protestos de movimentos de direita do outro lado do rio onde ocorria a mesa sobre “Os Desafios do Jornalismo em Tempos de Lava Jato”. Alguns desses grupos hastearam bandeiras com o rosto de Jair Bolsonaro e se organizaram contra o jornalista Glenn Greenwald, que tentava falar no barco da FLIPEI e era um dos convidados. 

Ainda é preciso ressaltar que muitas mesas eram compostas somente por pessoas brancas, como é o caso dessa. Existem muitos jornalistas negros que poderiam ser chamado para essa mesa, e para tantas outras mesa de igual relevância.

Infelizmente, a presença negra nos espaços ainda é uma ferida aberta para espaços de debates políticos progressistas e de esquerda, que estão aprendendo a lidar com as produções negras e com o questionamento de epistemologias hegemônicas. 

O caminho está apenas começando, a literatura negra é aquela com o potencial de apontar para outros pontos de vista. Desde a poesia à prosa, é possível enxergar que novos caminhos se abrem quando a nossa produção é visibilizada. No entanto, isso acontece apenas com muita luta. Mas sigamos quebrando barreiras.

Lá na FLIP Preta, Bianca Santana lançou seu livro “Vozes Insurgentes de Mulheres Negras” e doou a todas as pessoas disponíveis uma cópia, autografadas na hora. Outras figuras muito importantes passaram pela FLIP Preta, como Anielle Franco, irmã de Marielle Franco e Benedita da Silva, deputada federal pelo Rio de Janeiro.

 

“Nós estamos dando uma cara para a FLIP que é a realidade do Brasil, a maioria de povo negro, e hoje nós temos visto [pessoas] como Conceição Evaristo, uma grande literata, que tem feito muitas produções e outras mulheres negras que têm produzido para este país e têm falado a respeito da importância da identidade. Por isso esperamos que essa FLIP que tem demonstrado diversidade, que ela possa cada dia mais ser pulsante e trazer novas possibilidades. Que a gente possa pensar novas políticas, para que possamos fortalecer esse seguimento de produção no país.” conta a deputada Benedita da Silva. 

 

Da música de Gê de Lima ao domingo de samba, o final de semana foi nesse clima. A Flip Preta era um espaço à parte em relação ao restante da cidade, que gritava em contradição e conflito. 

 

Eleição e tensão

 

Paraty efervescia clima de eleição. O prefeito foi deposto, e novas eleições estão para acontecer dentro de três semanas. O candidato do PT faz oposição com uma chapa quilombola e indígena. No entanto, as outras candidaturas, com mais recursos financeiros, pagavam as bandeiras que emergiam em praça pública. Mas esse não foi o único momento em que bandeiras estiveram em riste. 

 

Durante a FLIPEI – Feira Literária Pirata de Editoras Independentes, aconteceram protestos de movimentos de direita do outro lado do rio onde ocorria a mesa sobre “Os Desafios do Jornalismo em Tempos de Lava Jato”. Alguns desses grupos hastearam bandeiras com o rosto de Jair Bolsonaro e se organizaram contra o jornalista Glenn Greenwald, que tentava falar no barco da FLIPEI e era um dos convidados. 

 

Ainda é preciso ressaltar que muitas mesas eram compostas somente por pessoas brancas, como é o caso dessa. Existem muitos jornalistas negros que poderiam ser chamado para essa mesa, e para tantas outras mesa de igual relevância.

 

Infelizmente, a presença negra nos espaços ainda é uma ferida aberta para espaços de debates políticos progressistas e de esquerda, que estão aprendendo a lidar com as produções negras e com o questionamento de epistemologias hegemônicas. 

 

O caminho está apenas começando, a literatura negra é aquela com o potencial de apontar para outros pontos de vista. Desde a poesia à prosa, é possível enxergar que novos caminhos se abrem quando a nossa produção é visibilizada. No entanto, isso acontece apenas com muita luta. Mas sigamos quebrando barreiras.

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