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Quem é Tarcísio Freitas?

Candidato do Republicanos ao governo de São Paulo, candidato de Bolsonaro se diz a favor da polícia, mas defende projetos que colocam em risco a vida de agentes

Tarcísio aparece sentado, falando durante entrevista

Foto: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

21 de outubro de 2022

Na tentativa de garantir votos nessas eleições para governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) se veste como o candidato da polícia no estado. Contudo, o adversário de Fernando Haddad (PT) neste segundo turno se utiliza de discursos que vão de encontro à categoria e também à garantia de direitos da população negra, o que se torna ainda mais problemático já que a capital paulista é numericamente considerada a cidade mais negra do Brasil, com quase 3 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014. Hoje, este número deve ser bem maior.

Na última semana, a campanha de Tarcísio de Freitas teve que fazer uma espécie de “gestão de crise” ao confirmar ao jornal Folha de S.Paulo que pretende dar ao comandante da Polícia Militar e ao chefe da Polícia Civil status de secretário, assim como aconteceu no Rio de Janeiro em 2019. “Uma vez que a melhora na segurança do estado passa também pelo maior engajamento e supervisão direta do governador. […] Ter a ligação direta entre o comando e o governador daria a relevância necessária às tomadas de decisão de segurança pública”, diz trecho da nota enviada ao veículo.

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O tiro saiu pela culatra: primeiro porque a mudança extinguiria a Secretaria de Segurança Pública, deixando de lado a independência das instituições para dar legitimidade e maior liberdade ao possível governador de interferir diretamente na patrulha e investigações dos casos policiais. Segundo porque a mudança que aconteceu no Rio é fortemente criticada por especialistas, que consideram o modelo um retrocesso, principalmente por colocar fim à independência e ao esforço de integração e comunicação entre as Polícias Civil e Militar de São Paulo. Um dia depois, o candidato voltou atrás e passou a negar a mudança na pasta.

“Se os altos comandos são transformados em status de secretários, quem vai controlar, fiscalizar e monitorar o exercício das polícias? A nível de eficiência é questionável e politicamente é muito complicado porque, se você cerceia o mecanismo de controle da atividade policial, o resultado é que isso gere um aumento de ilegalidade praticadas pela polícia, como é o caso do Rio de Janeiro, que tem uma lógica similar a isso”, analisa a advogada Sheila de Carvalho, articuladora da Coalizão Negra por Direito.

Cabe lembrar que Tarcísio de Freitas já é tido como um candidato que tem forte ligação com a Polícia Militar a ponto de andar constantemente acompanhado por oficiais da reserva em suas agendas. O presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Irapuã Santana, entende como problemática essa relação, mas amplia a análise, afirmando que, apesar disso, essa candidatura fica ainda mais complexa por ser apadrinhada por Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição presidencial.

“É muito mais complexo do que isso [relação com oficiais da reserva], porque esse não é o ponto. O problema do Tarcísio de Freitas é estar com Bolsonaro. Aí, sim, temos algumas medidas que são extremamente ruins para a população negra ao partirmos para as questões das câmeras de farda, redução da maioridade penal e uma série de outras propostas que mostram a falta de compromisso com a segurança e a emancipação da população negra”.

Tirar câmera corporal da PM beneficia quem?

Outra proposta de Tarcísio de Freitas que é contrária à segurança de policiais e da população negra em São Paulo é a revisão da política de câmeras corporais no fardamento dos agentes militares, conforme informa a página 16 do seu plano de governo. Declaradamente opositor da ideia, o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro já verbalizou diversas vezes que iria retirar “com certeza” os equipamentos das fardas, caso eleito.

Sem nenhum respaldo ou evidência, o candidato sempre defendeu a ideia de que as câmeras no uniforme “incomodam e atrapalham a produtividade policial, tirando a liberdade e inibindo a atividade dos agentes”. No entanto, não é o que mostram as estatísticas. Dados da própria Secretaria de Segurança de São Paulo divulgados no final de julho deste ano indicam que a taxa de letalidade policial caiu em 72% no estado depois que a tecnologia foi implantada, em 1º de agosto de 2020.

Nos primeiros seis meses de 2020, antes das câmeras serem instaladas, foram provocadas 435 mortes por policiais militares em serviço. No mesmo período deste ano, esse número caiu para 123. Em abril, a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem mostrando que os uso do equipamento não só aumenta a proteção da população, como também a do efetivo em campo. Nos últimos três anos (2019-2021), entre os meses de junho e outubro, as ocorrências de resistência às abordagens policiais caíram 32,7% nos 19 batalhões que usam a tecnologia. Nas tropas que ainda não adotaram, a queda foi de 19,2%.

Ao perceber que seu discurso sobre a implantação das câmeras não estava tendo aderência nem pela própria categoria que Tarcísio de Freitas diz defender, ele recuou mais uma vez, no último dia 14. Durante o 52º aniversário da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) – a tropa de elite da PM em São Paulo -, o político reconheceu que a ideia que sempre defendeu é pessoal e que vai avaliar o tema com as forças de segurança se for eleito.

Irapuã Santana enxerga a visão do candidato como antidemocrática. “Capitães, comandantes e oficiais são favoráveis à implantação e disseminação do equipamento. As câmeras de farda formam uma medida que têm ao mesmo tempo a proteção da população e do bom policial. Além disso, os atos públicos devem ser públicos. É extremamente anti-democrático que a gente não tenha acesso à forma como são feitas as abordagens policiais. Assim, temos uma medida antidemocrática e racista porque, no final das contas, a gente tem uma proteção maior para população negra que sofre desde sempre com o racismo institucional dentro da polícia”.

“É um retrocesso muito danoso para a agenda de Segurança Pública no estado. Se já há pesquisas e demonstrativo de que essa política foi efetiva na ideia de conter ilícitos, especialmente assassinatos praticados pela polícia em execução, tirarmos isso [câmeras] dá um xeque em branco para que as polícias ajam com truculência e violência, principalmente em territórios de baixa visibilidade social como são as periferias. A gente sabe quem serão as principais pessoas impactadas por essa política, que é a população negra e periférica”, evidencia Sheila de Carvalho.

Leia mais: Tarcísio ignora negros em seu plano de governo; veja as propostas de Haddad

Maioridade penal

Em seu primeiro debate com Fernando Haddad neste segundo turno, que aconteceu na Band, no último dia 10, Tarcísio de Freitas disse querer o fim da audiência de custódia e diminuição da maioridade penal. Ele pretende defender as duas propostas junto ao Congresso Nacional. É válido ressaltar que os dois temas não competem ao governador do estado decidir já que exigem mudanças na lei federal.

“Como são questões de Direito e Processo Penal é a União que tem que legislar exclusivamente sobre isso. Mas, nada impede que Tarcísio possa fazer com que essas matérias tenham menos resistência no Congresso Nacional porque ele foi um dos principais atores do Orçamento Secreto junto ao Congresso. Então, ele tem trânsito entre os legisladores e, a partir daí, nada impede de ele chegar e fazer a política de convencimento”, explica Irapuã Santana.

Prevista na Lei Federal, a audiência de custódia acontece toda vez que alguém é preso em flagrante. Após a prisão, o indivíduo é conduzido à presença de um juiz para que sejam avaliadas possíveis ilegalidades na prisão, isto é, mais um mecanismo de apoio à população e à própria polícia, criado para impedir possíveis irregularidades no processo.

Tarcísio de Freitas disse ainda no debate que a maioridade penal iria servir “para desestimular o uso de menores infratores na realização de crimes”. “Essas duas medidas, de mudança na legislação federal, são fundamentais e têm que contar com a atuação do governo estadual”, disse, na ocasião.

Sheila de Carvalho pontua que as duas medidas não possuem eficácia e que o candidato tem como prioridade o crescimento do encarceramento em massa e da violência contra a população. “Quando ele se coloca contra essa agenda, que são medidas populistas, na esfera da política criminal, ele sinaliza para o eleitorado que tem a tendência de adotar medidas bélicas de segurança pública, que priorizem o encarceramento em massa e a violência”.

“Na prática, nada disso tem eficácia, mas politicamente importa muito. Quando questionado sobre assuntos de sua alçada, ele vai para assuntos de uma linha mais violenta da segurança pública. Isso é muito preocupante, considerando que hoje a gente vive em um estado que tem a maior população carcerária do Brasil, que tem o maior número de presídios do país, que tem um alto índice de letalidade policial. É uma afirmação que parece retórica, mas que politicamente diz muito sobre o que de fato ele pretende implementar no estado”, detalha.

Quem é Tarcísio de Freitas?

Tarcísio de Freitas ganhou destaque na política depois que foi anunciado ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro. Ele participa do governo desde o primeiro ano do mandato do atual presidente. Atualmente é representante do mandatário nas eleições para o Governo de São Paulo este ano.

Em seus 26 anos de vida pública, Tarcísio nunca tinha se filiado a nenhum partido político. Entrou para este campo ao ser abraçado pelo Republicanos para disputar as Eleições 2022, sendo criticado por não conhecer o estado de São Paulo pelos adversários. A oposição trouxe à tona um comprovante de residência em São José dos Campos, no Vale do Paraíba. O documento supostamente teria sido fraudado para que ele pudesse se candidatar. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o candidato declarou que acumula R$ 2.342.161,77 em bens.

No auge da pandemia de covid-19 no Brasil, Tarcísio foi um dos responsáveis pelo atraso no envio de oxigênio a Manaus, no Amazonas. De acordo com um estudo realizado pelo doutor em Biologia Lucas Ferrante, os 160 mil m³ do insumo hospitalar deveriam ter chegado em torno de 66 horas antes, evitando, assim, a morte de mais de 30 pessoas nos dois dias de colapso que a população vivia naquele período.

Como a Força Aérea Brasileira (FAB) não ofertou as aeronaves para transportar o material, o meio menos demorado seria enviar através da hidrovia do rio Madeira. Contudo, Tarcísio, junto com então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, preferiu a rodovia BR-319, que tem péssimas condições de trafegabilidade, principalmente em período chuvosos como aquele.

Antes de renunciar ao comando da pasta para as eleições deste ano, inclusive, o candidato de Bolsonaro também não cumpriu o seu papel no que toca a conservação das estradas e rodovias federais. Pelo menos é o que evidencia a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que analisou cerca de 110 mil quilômetros de estradas privadas e públicas. Segundo o órgão, em 2018, antes de Tarcísio assumir o ministério, 48,4% das estradas estavam regulares, ruins ou péssimas. No final de 2021, esse número subiu para 55,9%.

Nascido no ano de 1975,no Rio de Janeiro, Tarcísio de Freitas se formou na Academia Militar das Agulhas Negras, onde passou a atuar no setor de engenharia como oficial do Exército. Depois se formou em Engenharia Civil. Em 2008, deixou a corporação como capitão e ingressou na Controladoria-Geral da União (CGU) como analista de finanças.

Em agosto de 2011, foi escolhido diretor-executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Em 2014, Tarcísio foi promovido a diretor-geral do órgão. Ficou no cargo até 2015, quando foi nomeado consultor legislativo da Câmara dos Deputados para a área de desenvolvimento urbano, trânsito e transportes.

O agora político, aliás, passou a ser investigado pela Polícia Federal em 2020, quando foi citado 17 vezes no inquérito que trouxe a suspeita de corrupção nos contratos assinados por ele quando diretor do órgão. Em 2016, foi secretário da Coordenação de Projetos da Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), responsável pelo programa de privatizações, concessões e desestatizações.

Leia também: Desde 2020, pessoas negras são as principais vítimas de violência política

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