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‘Partidos precisam avaliar prioridades’, reflete Grazi Oliveira sobre redução de vereadores negros em Porto Alegre

Grazi Oliveira foi a quinta vereadora mais votada da capital gaúcha, ao lado de Karen Santos, a segunda com mais votos. Elas serão as únicas negras na câmara da cidade nos próximos quatro anos
Foto mostra Grazi Oliveira sorrindo para a câmera, com vestes coloridas e estampadas com símbolos africanos.

Foto: Reprodução/Redes sociais

8 de outubro de 2024

A professora Grazi Oliveira (PSOL) foi a quinta candidata a vereadora mais votada de Porto Alegre, com mais de 14,3 mil votos. Entre os parlamentares eleitos no último domingo (6), destaca-se ainda a professora Karen Santos (PSOL) — a segunda mais votada da cidade, com mais de 20,2 mil votos. As duas novas parlamentares serão as únicas negras na câmara da capital gaúcha nos próximos quatro anos.

O número revela uma redução de vereadores negros em relação à 2020 na capital do Rio Grande do Sul, quando foram eleitos cinco: Karen Santos (PSOL), a mais votada para o cargo, Matheus Gomes (PSOL), Laura Sito (PT), Bruna Rodrigues (PCdoB) e Daiana Santos (PCdoB). Esses últimos quatro foram eleitos deputados estaduais em 2022.

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Em entrevista à Alma Preta, Grazi Oliveira comemora a vitória expressiva, mas reflete sobre a redução de vereadores negros eleitos em Porto Alegre: “Eu tenho convicção de que essa redução tem relação com a forma como os partidos encararam as suas prioridades”, avalia.

Confira a entrevista completa abaixo:

Alma Preta: O que a sua eleição representa no contexto das eleições municipais em Porto Alegre?

Grazi Oliveira: Essa vitória representa a luta coletiva, a importância dos movimentos, do desejo de mudança. Porto Alegre, nos últimos anos, tem perdido muitas políticas públicas. É precarização do serviço, é terceirização do serviço, é o abandono do Estado dentro das periferias. E a nossa retomada representa a voz das comunidades, representa a possibilidade da gente voltar a colocar as pautas das comunidades e do povo de Porto Alegre na centralidade do debate, na agenda da Câmara de Vereadores.

Então, é uma vitória muito simbólica e muito importante. Também, acho que a gente traz a importância de um projeto, que começou com o mandato do deputado Matheus Gomes, junto com a Bancada Negra. Então, poder estar ocupando esse espaço, é também poder estender um projeto de trabalho que já vem sendo realizado pelo Matheus e, agora, vai ser realizado por mim.

Alma Preta: Quais serão as principais pautas a serem levantadas pelo seu mandato na próxima legislatura?

Grazi Oliveira: Nosso mandato vai dialogar com as necessidades da comunidade como um todo, mas nós vamos com certeza defender quatro principais pautas.

A primeira é: nós vamos estar dialogando sobre as questões da periferia como um todo. Como a gente pode estar olhando para a periferia como um centro das questões que precisam ser resolvidas e não ser o contrário? A periferia precisa ser o centro da política.

Um outro ponto importante é a questão da educação. Eu sou professora há mais de 20 anos, sou pesquisadora, sou doutoranda em educação e estou na luta por uma educação inclusiva, uma educação diversa, uma educação que possa efetivamente trabalhar em uma perspectiva libertadora e que possa colocar, na centralidade, as intencionalidades de uma educação que faça com que os nossos alunos possam aprender e aprender com amor, aprender com afeto, aprender na sua completude.

O terceiro ponto é a questão da luta antirracista e que dialoga também com a questão ambiental. Eu faço parte da Bancada pelo Clima e não tem como nós não falarmos da questão do racismo ambiental que assola nossas comunidades e de toda a negação que a gente vem enfrentando desses governos em relação ao clima.

Nós precisamos lutar para que seja decretada emergência climática já e, a partir daí, fazer mudanças efetivas que atinjam desde as periferias até o centro da cidade, que chegue na educação, que fale sobre a questão do combate ao racismo linkado ao meio ambiente.

Alma Preta: Quais serão os seus principais desafios diante da composição eleita da Câmara?

Grazi Oliveira: Eu fui a quinta vereadora mais votada de Porto Alegre e creio que, dentro dessa composição que se forma dentro da Câmara de Vereadores, os maiores desafios vão ser a gente conseguir construir uma luta que dialogue, de fato, com as necessidades da comunidade.

Nós temos uma composição em que nós somos o lado esquerdo da luta, um lado mais progressista, que vai pautar as questões de diversidade, de combate à intolerância, que vai pautar uma educação mais crítica. E nós vamos ter dificuldades de botar esse debate com qualidade, sem ideologias que são conservadoras, que excluem ao invés de incluir.

Então, creio que nós vamos ter um desafio muito grande em relação a isso, sem falar no enfrentamento. Nós tivemos uma mudança de cenário nessa composição que vai fazer com que a gente tenha que levar para uma disputa de ideias qualificada. Creio que a gente vai ter que tentar tencionar para isso, que o debate se torne um debate qualificado.

Alma Preta: Houve uma queda no número de pessoas negras eleitas em relação à 2020. O que isso representa?

Grazi Oliveira: Bom, primeiro, eu quero dizer o quão importante foi a minha eleição e a eleição da Karen [Santos]. Eu acho que essas duas eleições são um exemplo para os demais partidos. Em 2020, nós elegemos uma Bancada Negra, onde eram cinco pessoas eleitas. Agora, em 2024, somos somente eu e Karen. E nós somos do mesmo partido, nós somos do PSOL.

Então, acho que o primeiro diferencial é a gente poder pensar e avaliar como os demais partidos fizeram o seu investimento, ou não, nas candidaturas negras. Quais foram as suas prioridades dentro da campanha? Porque nós perdemos, nós tivemos uma redução, e eu tenho convicção de que essa redução tem relação com a forma como os partidos encararam as suas prioridades.

O PSOL está dando um exemplo bastante importante. Tanto é que as duas candidatas dos cinco eleitos pelo PSOL nesta eleição são as mais votadas, mulheres negras, e nós tivemos também uma mulher trans eleita [Atena]. Então, responde muito do quanto é necessário que os partidos possam analisar e avaliar quem tem sido as suas prioridades. Isso reflete no resultado que a gente está tendo hoje.

Alma Preta: Sua eleição foi destaque como uma das mais expressivas de Porto Alegre. Qual sua leitura sobre isso?

Grazi Oliveira: Foram 14.321 votos de muita luta, de muito trabalho coletivo, de trabalho feito dentro das periferias, com as lideranças políticas, locais. Isso foi o reflexo daquilo que a gente vai defender na Câmara de Vereadores: a escuta ativa, a receptividade, o estar junto.

Nós não somos uma candidatura que foi construída agora, nós temos um projeto pensado para a nossa sociedade que já vem sendo realizado há muitos anos, então eu chego nas comunidades, não vazia, mas sim com construções, com relações estabelecidas. E o resultado dessas eleições dialoga muito com isso, com o que a gente vem construindo nesses últimos anos e como a gente se porta em relação às questões da comunidade.

Dentro do Parlamento, esse foi o nosso compromisso com as nossas comunidades, esse foi o nosso compromisso com o nosso eleitorado, de nós estarmos, de fato, com um pé na comunidade e outro pé no Parlamento, levando para a agenda do debate da Câmara de Vereadores as necessidades reais do nosso povo.

Eu creio que a forma como a gente vem defendendo esse projeto, a forma como a gente vem encarando a pauta da emergência climática, como a gente se inseriu dentro desse trabalho que entende a reconstrução de Porto Alegre, que entende quais são as questões que nos intervêm, que nos atravessam quando a gente fala da emergência climática, que entende qual é o lugar da mulher, principalmente da mulher negra dentro da sociedade de Porto Alegre, que entende como as periferias estão sendo tratadas pelo poder público. Esse projeto foi chancelado nas eleições, trazendo aí esse número tão expressivo de pessoas que estão junto conosco para construir esse mandato.

  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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