Nos últimos três anos, se acentuou o desmonte de políticas públicas para a promoção da igualdade racial e de instituições públicas federais para garantia de direitos a indígenas e quilombolas. Além disso, o orçamento executado para o meio ambiente em 2021 foi o menor do último triênio. É o que revela a nova edição do Balanço do Orçamento Geral da União de 2021, estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
A partir de dados extraídos do SIGA Brasil, sistema de informações sobre orçamento público criado pelo Senado Federal, o levantamento analisou as contas públicas de 2019 a 2021, que reforçaria, por meio dos dados, o projeto deliberado de desmonte das instituições públicas federais durante a gestão Bolsonaro.
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“Em 2021, o quadro social continuou dramático, a fome, a pobreza, o desemprego e a informalidade afetaram importantes setores da população. Na área ambiental não foi diferente, com o aumento do desmatamento e as inúmeras flexibilizações da legislação referente à fiscalização ambiental. As respostas apresentadas pelo Executivo foram muito aquém do que é preciso para dar conta de enfrentar a longa crise que temos pela frente”, destaca o relatório.
De acordo com o Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree), no ritmo econômico atual, apenas em 2028 se voltará ao mesmo patamar de renda per capita verificado em 2013, fazendo com que esta seja considerada a década com piores resultados de crescimento do que os verificados nos anos de 1980.
Segundo o levantamento do Inesc, boa parte das quedas expressivas na execução financeira dos órgãos e das políticas garantidoras de direito no último triênio pode ser explicada pelo Teto de Gastos – medida fiscal de 2016 que congelou o orçamento da União até 2036. Entretanto isso não explica tudo o que vem acontecendo nos últimos anos.
“Há intenção deliberada de deturpar a máquina pública para justificar processos de privatização, ou de apropriação privada de bens e serviços públicos, e reformas que resultem em menor intervenção do Estado”, explica o documento, que aborda o orçamento de vários setores da sociedade, como educação, saúde, habitação, políticas para mulheres, além de crianças e adolescentes.
“Estudo do Inesc aponta desmonte generalizado das políticas sociais. Os recursos para enfrentar a pandemia em 2021 caíram 79% em relação a 2020. A saúde no geral perdeu cerca de R$ 10 bilhões. A assistência para crianças e adolescentes perdeu R$ 149 milhões”, comentou o senador Paulo Paim nas redes sociais.
Políticas de enfrentamento ao racismo
Políticas de enfrentamento ao racismo foram excluídas do último Plano Plurianual do governo | Crédito: José Cruz/ Agência Brasil
O levantamento revela que, de 2015 a 2018, a política de promoção de igualdade racial sofreu recorrentes cortes orçamentários, mas foi a partir de 2019 que a atuação institucional desmontou definitivamente a política pública. No Plano Plurianual 2020-2023 – que define as estratégias e metas da administração pública dentro de quatro anos-, o tema do enfrentamento ao racismo foi excluído.
A Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR), mesmo continuando a existir, sofre com baixos recursos que comprometem a sua efetividade. Em 2021, o recurso autorizado para o tema foi de R$3 milhões, no âmbito do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH).
Um valor considerado baixo levando em conta as diversas ações a serem realizadas, como fomento a ações afirmativas em todo o Brasil e de fortalecimento institucional dos órgãos estaduais e municipais sobre a temática. O valor autorizado nem chegou a ser totalmente gasto. Foram executados apenas R$2 milhões, 66% do total, sendo metade gasto em contas a pagar de anos anteriores.
Em 2020, nenhum recurso foi autorizado para gasto com políticas para igualdade racial. Em 2021, o MMFDH, comandado por Damares Alves, gastou somente R$ 1 milhão em recursos novos.
“Enquanto o governo não financia a política de igualdade racial, o Brasil segue com os piores indicadores para a população negra: registrou-se aumento de 54% na taxa de feminicídio de mulheres negras, territórios quilombolas registram taxa de 47,8% de insegurança alimentar grave (Consea, 2012). Na pandemia, os negros morrem quatro vezes mais do que brancos em decorrência do novo coronavírus”, pontua o estudo.
Quilombolas
Em março de 2021, o Supremo Tribunal Federal acatou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 742 (ADPF 742), que solicita a aprovação de plano específico de enfrentamento à pandemia para as comunidades quilombolas. Também é determinada a criação de um grupo de trabalho entre sociedade civil e governo para a elaboração e implementação do plano.
O levantamento aponta que algumas ações do plano, como a vacinação das comunidades quilombolas, avançaram, mas outras políticas públicas permanecem subfinanciadas.
“É importante lembrar que o governo Bolsonaro excluiu as comunidades quilombolas do Plano Plurianual (PPA) 2020-2023, em um flagrante ato de racismo institucional. Algumas ações orçamentárias para este público continuam existindo, mas contam com pouco ou nenhum recurso”, destacam.
Em 2021, foram autorizados apenas R$340 mil para ação de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, dos quais foram pagos somente R$164 mil. Outros R$792,4 mil foram utilizados para pagar contas de anos anteriores. A maior parte dos valores pagos, R$607 mil, foi para indenização de ocupantes irregulares de imóveis em áreas reconhecidas para comunidades quilombolas.
“Em 2020, ações judiciais dessa natureza levaram a desembolsos, por parte da União, de R$33,3 milhões. Ainda que seja fundamental que o Estado retire os ocupantes irregulares dos territórios para finalizar a sua regularização, é questionável que a política pública tenha se reduzido a isso, uma vez que há outras necessidades para sua realização”, destaca o estudo.
Para políticas de saneamento básico em comunidades quilombolas, em 2021, dos R$281,3 milhões autorizados para essas ações, apenas 10% do total foram executados (R$29,5 milhões).
Também em 2021, para o Plano Orçamentário de fomento ao desenvolvimento local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais – que apoia atividades produtivas de pequeno e médio porte nos territórios –, foram autorizados apenas R$600 mil para todo o Brasil. Do montante, foram executados somente R$199,5 mil.
“O parco recurso não foi totalmente gasto, em um cenário de aumento da fome no país, em que as comunidades poderiam estar recebendo apoio para produzir alimentos para suas famílias, comunidades, e para comercialização”, reforça o levantamento.
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Indígenas
Considerando o orçamento gasto para garantia de direitos da população indígena, entre 2019 e 2020, os recursos destinados ao programa finalístico da Funai (Fundação Nacional do Índio) – aqueles cujos impactos são sentidos diretamente pelas comunidades indígenas – caíram cerca de R$36 milhões.
Entre 2020 e 2021, os recursos aumentaram cerca de R$30 milhões, sendo em parte explicado pelos recursos destinados ao enfrentamento da Covid-19 entre comunidades indígenas.
“Ainda é preciso lembrar que o montante destinado ao programa finalístico da Funai é exíguo e, mesmo que seus níveis de empenho estejam em bom patamar, seguem sendo insuficientes para atender as demandas das comunidades indígenas do país”, explica o documento.
São cerca de R$100 milhões a menos disponíveis para a Fundação Nacional do Índio (Funai) comparando o orçamento autorizado em 2022 com os demais anos da gestão Bolsonaro. Além disso, nos últimos três anos, 45% dos recursos gastos na ação orçamentária para proteger e demarcar os territórios indígenas foram destinados a indenizações e aquisições de imóvel.
“Parte significativa dos recursos que deveriam ser aplicados em atividade de fiscalização, monitoramento territorial, diárias de servidores para acompanhar as terras, todas as etapas do processo demarcatório foi parar nas mãos de não-indígenas que invadiram TI (Terras Indígenas)”, explicam.
Em relação a gastos com saúde indígena, entre 2019 e 2021, houve um corte de 7% dos recursos autorizados (de R$1,7 bilhão para R$1,6 bilhão) e a execução do ano passado foi a menor dos últimos três anos, em R$1,59 bilhão.
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Meio ambiente
O levantamento também revela que, em 2021, o orçamento executado para o meio ambiente foi o menor dos últimos três anos. Foram gastos R$2,5 bilhões, valor considerado baixo para o bom funcionamento de todos os órgãos ambientais (Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Jardim Botânico) e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas.
Crédito: relatório Inesc
O problema do pouco orçamento foi agravado com o chamado “Orçamento Secreto”, criado pelo Poder Executivo para obter apoio político do Parlamento para fazer distribuição de verbas públicas por meio de emendas parlamentares. Em 2021, os gastos com estas emendas, R$10,79 bilhões, alcançaram mais de quatro vezes as despesas com meio ambiente.
“Os números irrisórios do gasto com a área ambiental são parte do cenário de terra arrasada da política ambiental brasileira, cuja expressão mais evidente, mas não única, é o maior aumento do desmatamento dos últimos 15 anos. Compõem este quadro, o sucateamento dos órgãos ambientais pela falta de pessoal, o desmonte infralegal e as nomeações políticas sem capacidade técnica”, complementa o relatório.
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