Sem visitas e com atividades suspensas, regime é similar ao encarceramento de adultos e com objetivo apenas punitivo
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Fundação Casa
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Os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas determinadas pela Justiça por atos infracionais estão submetidos a uma rotina semelhante ao encarceramento e com poucas perspectivas de ressocialização neste período de pandemia da Covid-19, o novo coronavírus.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até o dia 29 de junho, em todo país 341 internos testaram positivo para o vírus, assim como 1.128 servidores. Foram registradas 13 mortes.
Por conta do avanço da doença, o projeto de lei 3.668/20, apresentado no dia 6 de julho pela Câmara dos Deputados, prevê a suspensão das internações com privação de liberdade para adolescentes do grupo de risco para a Covid-19, gestantes e mães que estão amamentando. O texto é de autoria dos deputados federais Alexandre Padilha (PT-SP), Carmen Zanotto (Cidadania-SC), Eduardo Barbosa (PSDB-MG), Leandre (PV-PR) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
A proposta também determina que as unidades adotem protocolos emergenciais de prevenção para internados e funcionários de todas as unidades de atendimento socioeducativos do país. Outra medida é a recomendação de que não seja determinada a privação de liberdade para jovens que não cometeram atos infracionais contra à vida e contra dignidade sexual.
As visitas e as atividades socioeducativas estão suspensas nas unidades por conta da epidemia. “Com relação a falta de atividades, sabemos que a mera segregação do adolescente não possui cunho educacional e sim punitivo. A ausência das atividades previstas no artigo 8º da Lei 12.594/2012 traz um caráter ainda mais punitivo às medidas”, diz a advogada Ana Paula Freitas, membra do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
Os adolescentes em privação de liberdade, sem atividades, sem aulas e sem visitas têm uma rotina similar a dos presídios. Na prática, é como tivesse sido imposta a redução da maioridade penal, contrariando o que prevê a Constituição.
Em São Paulo, até 10 de julho, estavam internados 4.787 adolescentes nas unidades da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa). São 70,11% de negros e as idades variam entre 12 e 20 anos. Do total de internados, 46% cumprem medidas socioeducativas por conta do tráfico de drogas.
“A princípio acredito que alguns casos deveriam ser revistos. Sabemos que inúmeros adolescentes estão internados e que essa não seria a medida mais adequada, principalmente considerando o princípio da excepcionalidade que rege as medidas socioeducativas. Com a revisão das medidas, poderiam diminuir o número de adolescentes internados”, explica a advogada Ana Paula.
Os crimes violentos contra a vida e contra a dignidade sexual representam menos de 5% das internações: latrocínio, 1,13%; homicídio doloso, 2,05%; e estupro, 1,11%.
“O Brasil pouco fez para enfrentar o coronavírus e o estado de São Paulo também, assim a Fundação Casa segue a mesma linha. Falta de proteção dos adolescentes e dos funcionários, ausência de planejamento para os cuidados e para efetivar as medidas socioeducativas”, pondera a membra do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
Outro lado
O Alma Preta procurou a Fundação Casa e questionou sobre a situação dos adolescentes que cumprem medidas de ressocialização durante a pandemia. Em nota, a assessoria de imprensa informou que os internos receberam roteiros de estudos semanais e os conteúdos são aplicados pelas equipes pedagógicas das unidades.
Em relação às atividades, a fundação diz que foram disponibilizadas opções virtuais,como vídeo-aulas de violão, percussão e torneio de xadrez pelo computador.
Em algumas unidades foram mantidas atividades físicas que contemplam distanciamento social como o voleibol. O contato com os familiares, segundo a nota, pode ser feito por telefone ou videoconferência.
A Fundação Casa também afirmou que distribuiu álcool em gel, sabão, luvas, avental e máscaras e equipamento proteção individual. Até 31 de junho, 76 internos e 220 funcionários testaram positivo para o Covid-19. Os servidores foram afastados por 14 dias para fazer isolamento em casa.
* Texto atualizado às 15h12 para a inclusão do posicionamento da Fundação Casa.