Lideranças comunitárias na linha de frente do combate à Covid-19 destacam a ausência de um plano de retomada do comércio que proteja as pessoas que vivem nos bairros mais pobres
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução
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O estado de São Paulo deu mais um passo adiante na flexibilização do isolamento social em razão da pandemia da Covid-19. Desde a segunda-feira (6), bares e restaurantes podem receber clientes até às 17h, com lotação máxima de 40% da capacidade, disponibilização de equipamentos de proteção individual, entre outras recomendações. Nas periferias da capital, lideranças comunitárias alertam para a ausência de um plano seguro de retomada do comércio, o que pode agravar os efeitos da crise epidemiológica.
“Ninguém estava preparado. Agora, depois de quase quatro meses, já deveríamos ter protocolos de segurança para os funcionários, como acontecem com as profissões de risco. Por outro lado, as periferias estão se expondo muito. As pessoas não estão se cuidando, tudo aberto e muita gente sem máscara”, conta Cézar Snyper, presidente da Pequeno Mestre, ONG localizada no Capão Redondo, Extremo Sul da capital.
Durante a pandemia, a ONG liderada por Snyper distribui cestas básicas e máscaras de proteção nas comunidades. “É importante que as pessoas tenham pelo menos três máscaras, para poder lavar e tal. Às vezes, o cara tem uma só. Eu não vi o governo fazer absolutamente nada dentro das periferias”, pontua.
Embora a necessidade de garantir renda impeça a maior parte dos moradores das periferias de seguir o isolamento social, as lideranças comunitárias avaliam que o Estado deveria implementar medidas para reduzir os possíveis danos da reabertura do comércio.
“O isolamento nunca foi uma possibilidade na Brasilândia. Morar aqui é sentir o cheiro da morte diariamente. Com o alto índice de desemprego, a busca por renda é a prioridade. As pessoas têm que escolher entre colocar comida na mesa ou fazer o isolamento”, diz Keit Lima, ativista das organizações Educafro, Marcha das Mulheres Negras, Bancada Preta e Grupo Mulheres do Brasil.
A Brasilândia, bairro da Zona Norte da capital, é uma das regiões mais afetadas pela pandemia na capital. O pai da ativista, que mora no bairro, foi contaminado pela Covid-19 após realizar um “bico” como motorista de entrega de produtos perecíveis.
“Ele levou mais de duas horas e meia de transporte público para chegar até o local onde as entregas começaram a ser feitas. Depois apareceram os sintomas e ele testou positivo para o coronavírus”, lembra Keit. “Agora, com a reabertura dos estabelecimentos, o Estado sabe qual é a cor e o território das pessoas que estarão servindo e correndo riscos, mas continuam sem se importar. Mais de 70% das mortes têm cor e classe social definidas”, salienta.
Em Perus, na região Noroeste, o coletivo Quilombaque, que atua na área de cultura, também avalia a retomada das atividades sem políticas públicas para proteger as pessoas mais vulneráveis como uma manobra da necropolítica, onde o Estado escolhe quem deve viver e morrer.
“No contexto em que estamos hoje, para nós, é impossível dissociar a reabertura do comércio, em meio a uma pandemia mundial, do genocídio que tanto assola as periferias e população negra no Brasil”, considera Camila Cardoso, coordenadora do coletivo.
Estratégias de auto-gestão
Diante da falta de políticas governamentais para diminuir os riscos da pandemia nas comunidades, moradores e lideranças comunitárias tem realizado uma série de ações para informar as pessoas sobre a Covid-19 e prestar assistência. Keit Lima, da Brasilândia, criou uma lista de transmissão no aplicativo de mensagens WhatsApp para falar sobre as medidas de prevenção, o acesso ao auxílio-emergencial, direitos trabalhistas para quem teve cortes no salário, combater fake news, entre outros temas.
Já a ONG Solano Trindade, criou uma campanha de doações de cestas básicas e livros na região do Campo Limpo. Desde maio, a região do Sapopemba, na Zona Leste, também conta com a Brigada Pela Vida, organização criada por moradores que atuam nas áreas da saúde, assistência social, educação e cultura junto de ONGs e movimentos sociais para atuar em ações de prevenção e orientação sobre a Covid-19.
“A flexibilização nessa altura da pandemia é um risco muito grande. A Brigada vai cobrar a responsabilidade dos órgãos públicos. Já é difícil manter o isolamento nas casas onde moram muitas pessoas em espaços pequenos. Como manter a higienização sem água e rede de esgoto? Tem coisas básicas que ainda não foram vistas para a periferia”, analisa André Ferreira, um dos criadores do coletivo.