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Pré-candidato a presidente da OAB-SP usa cotas raciais para se promover, avaliam juristas

Um vídeo do advogado criminalista Mário Oliveira Filho com uma chamada para atrair advogados negros para compor sua chapa eleitoral viralizou nas redes sociais; segundo jurista, ele “trata a advocacia negra como produto de mercado”

Texto: Letícia Fialho | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução

Imagem mostra o pré-candidato a presidente da OAB-SP durante vídeo viral

22 de outubro de 2021

Um vídeo do pré-candidato à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), o criminalista Mário Oliveira Filho, viralizou nas redes sociais por causa de uma chamada para cotistas negros nas inscrições de sua chapa eleitoral. 

Na avaliação de juristas negros, o vídeo foi feito de forma inadequada e descomprometida com a causa racial, o que dá a entender que o pré-candidato o fez apenas para se autopromover.

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No vídeo o pré-candidato, que pretende inscrever sua chapa ainda nesta semana, diz: “Precisamos ainda de 38 colegas negros e 41 mulheres. Para homens brancos não temos mais vagas”. Em outro trecho, completa: “Se você não tem nenhum colega negro, entre em contato com alguém que tenha e faça o convite”. 

Segundo juristas ouvidos pela Alma Preta Jornalismo, o vídeo banaliza as cotas raciais e a paridade de gênero. A advogada e professora Lázara Carvalho, candidata à vice-presidência em uma outra chapa, avalia a postura do criminalista como resultado do racismo estrutural, machismo e privilégio branco.

“Os detentores do privilégio branco e masculino aprendem a se ver como pessoas generosas quando alguma medida mínima de reparação é tomada, mas sem real comprometimento com a equidade, o que exige dessas pessoas a autocrítica”, afirma.

Lázara cita a obra do professor Adilson Moreira chamada “Racismo Recreativo”, que discute como algumas atitudes são carregadas de racismo estrutural.

“O vídeo trata a advocacia negra como um produto de mercado ou ingrediente necessário para formar a chapa para concorrer a próxima gestão, e sinaliza como é importante que nós advogados negros tomemos posição contra embarcar em um projeto no qual não sejamos realmente respeitados e representados”, acrescenta a jurista.

Segundo Lázara, a inserção de mulheres nesses espaços é importante e promove o combate de um desequilíbrio de forças provocado pelo processo transversal e histórico de alijamento das mulheres e da população negra dos espaços de poder. 

“Só com a nossa efetiva participação na construção desses espaços é que podemos garantir a democracia, tanto no âmbito interno quanto externo, haja vista que a OAB é uma instituição de extrema importância para a sociedade”, pondera.

“Uma mulher negra nunca esteve nesse lugar de disputa, não porque nós não tenhamos competência ou porque não haja mulheres advogadas negras brilhantes, mas porque há uma invisibilização programada pelo racismo institucional e estrutural para apagar nossas histórias”, complementa Lázara.

A Alma Preta Jornalismo procurou o criminalista Mário Oliveira Filho para saber o posicionamento do pré-candidato diante da repercussão do vídeo. A reportagem também buscou contato com a OAB-SP para saber seu posicionamento. Até a publicação desta reportagem, não houve resposta de nenhuma das partes. Este espaço permanece aberto para os posicionamentos.

Políticas afirmativas na OAB

Em dezembro de 2020, a OAB-SP aprovou a reserva de 30% das vagas nas chapas para advogados negros, entre diretoria, conselhos e comissões. A reserva mínima valerá pelo período de dez eleições e se aplica também nas subseções da entidade. Posteriormente houve alteração para que a cota de 30% para negros seja aplicada no percentual geral. 

“A decisão pela paridade e pela política afirmativa para advogados e advogadas negros é uma conquista da articulação política da advocacia feminina e negra, e a sua maior importância é sem dúvida promover a equidade de gênero e raça”, considera Lázara.

 ‘OAB mantém privilégios da branquitude’

Já o advogado  criminalista Flávio Campos, por sua vez, lembra que não existe representatividade negra, feminina e LGBTQIA+ na proporção que deveria existir na Ordem dos Advogados do Brasil.  De acordo com o jurista, as decisões dentro do organismo ainda são tomadas majoritariamente por homens brancos. 

“Isso evidencia a existência do racismo institucional na OAB, que é uma instituição que não é imune às interferências da sociedade e atua na manutenção dos privilégios da branquitude”. 

Para Campos, uma vez que a OAB-SP usa de estratégias como a reserva de 30% no percentual geral para vagas destinadas à cota racial, do pleito eleitoral da seccional deste ano, a instituição admite um acovardamento por parte da branquitude no aspecto de assumir um compromisso sólido e real com o racismo estrutural. 

Na avaliação dele, uma falta de sensibilidade fica evidente quando é perceptível que não há um ciclo de convívio dos diretores com as lideranças negras na advocacia, o que gera desfalque nas chapas. “É tempo de despertar para que eles vejam o tamanho do prejuízo. A branquitude, não é capaz de fazer sua autocrítica. A instituição carece de representatividade e está atrasada no plano constitucional e social”, pondera. 

Eleições na OAB e movimento racial

No primeiro semestre deste ano, um fato escancarou a tensão racial na política interna da seccional de São Paulo da OAB. Após a chacina de maio no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, a Comissão de Igualdade Racial divulgou uma nota de repúdio ao massacre.  Em seguida, um grupo de advogadas negras foi alvo de hostilidade por parte de um grupo batizado de “Mulheres de Ordem”, que se articulou por meio do WhatsApp, chamando as profissionais negras de “ativistinhas”. 

O incidente — confirmado pelo ConJur — foi o estopim para a criação do movimento “Elo”. Liderado por mulheres negras e composto também por advogadas e advogados de outras etnias, o grupo lançou um manifesto para promover a questão racial no pleito da entidade, marcado para novembro deste ano. Lázara Carvalho, que na época foi alvo de ataques raciais, é uma das líderes. 

Hoje, empenhada na candidatura à presidência em parceria com Dora Cavalcanti, Lázara assume que o que coloca sua chapa à frente das demais é a coragem para romper com barreiras, preconceitos e paradigmas. “Em 90 anos a OAB-SP nunca teve uma presidente mulher e quando falamos de mulheres negras o quadro de invisibilidade dentro da instituição é ainda mais assustador”, declara.

“Nossa chapa evidencia a importância de direcionar um olhar para o combate do racismo institucional e estrutural. Nós mulheres negras existimos, resistimos e podemos ocupar o lugar que quisermos”, finaliza Lázara.

Leia também: OAB-SP revisa política de cotas e reduz representatividade negra nas eleições

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