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Novo Marco do Saneamento Básico: entenda como exclui as periferias

Estudo do Instituto Água e Saneamento mostra que regionalização e planos dos serviços de saneamento, exigidos  para serem entregues em março de 2022, mantém territórios em vulnerabilidade longe dos holofotes e dos dados oficiais

Pessoa, com acesso ao saneamento, lava suas mãos com água e sabão

Foto: Imagem do Pixabay

15 de dezembro de 2021

O novo Marco do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), que alterou o marco anterior (Lei 11.445/2007), modificou uma série de normas e fragiliou a oferta de serviços essenciais como tratamento de esgoto, drenagem de águas pluviais urbanas e manejo de resíduos sólidos. Ao usar a regionalização do serviço como forma de contemplar a diversidade de acesso, a legislação mantém as periferias, favelas e zonas rurais vulnerabilizadas e sem garantia ao acesso às infraestruturas básicas. É o que afirma o Instituto Água e Saneamento, organização da sociedade civil, que fez uma pesquisa ampliada do impacto da legislação do país em questões de saneamento básico.

Indicadores relacionados à cobertura de serviços de saneamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam uma significativa desigualdade, segundo o quesito cor ou raça. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), em 2018, verificou-se maior proporção da população preta ou parda residindo em domicílios sem coleta de lixo (12,5%, contra 6,0% da população branca), sem abastecimento de água por rede geral (17,9%, contra 11,5% da população branca), e sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial (42,8%, contra 26,5% da população branca), implicando condição de vulnerabilidade e maior exposição a vetores de doenças.

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De acordo com o estudo Saneamento 2021, do IAS, essas pessoas podem continuar vulnerabilizadas mesmo após a reformulação do Marco do Saneamento Básico. A legislação toma a regionalização dos serviços – planos desenvolvidos de forma estadual ou municipal que leve em conta as diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) – como base para recebimento de recursos públicos federais e financiamentos provenientes da União. No entanto, essa regionalização não tem sido amplamente alcançada.

“Quando a gente vai planejar as ações, as pessoas que já são invisibilizadas podem permanecer dessa forma. Porque os dados são precários, as propostas e projetos também. Com a não realização do Censo, por exemplo, dados que mostram a realidade da população ficaram nas mãos das empresas prestadoras de serviço”, diz Paula Polini, especialista em políticas públicas do IAS. Para ela, a legislação deve se basear em metas alcançáveis e não em formar um Sistema Nacional de Saneamento.

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O que diz o Marco

O Marco se resume em uma série de metas já presentes no Plano Nacional de Saneamento Básico (PlanSab), que consiste no planejamento integrado do saneamento básico considerando seus quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta de lixo e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, e possui o horizonte de 20 anos (2014 a 2033).

“Isso é diferente, pois, como colocar metas em leis, com prazo definido? Passou o prazo, a lei não valeria mais?”, questiona Paula Polini. Além de demarcar como meta central 99% de cobertura de água para o país e 90% de captação e tratamento de esgoto. “O que não quer dizer muita coisa, pois esses números não comportam todas as pessoas”, reflete.

O processo que resultou na alteração do Marco Legal do Saneamento começou em 2018, no governo Michel Temer (MDB) e continuou no de Jair Bolsonaro (sem partido) com pelo menos quatro projetos legislativos, dois deles como Medidas Provisórias (de números 844 e 868), que caducaram, entre outras razões, por falta de convergência política. A lei é composta por 24 artigos que alteram centenas de dispositivos em sete diferentes normas e foram aprovadas por Projetos Legislativos apresentados tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados.

Dentre uma série de modificações, o Marco atribui à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico; veda a prestação por contrato de programa dos serviços públicos; aprimora as condições estruturais do saneamento básico no país; estende o âmbito de aplicação a unidades regionais; autoriza a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados.

Para Polini, as mudanças também favorecem a prestação desses serviços por empresas privadas, já que se faz necessário a abertura de licitações. Isso fica claro em seu artigo 7º, quanto a definição da forma de contratação dos serviços de saneamento básico por concessão, mediante prévia licitação “e não mais por contrato de programa, convênio, termo de parceria, entre outros formatos” .O trecho também versa sobre questões tarifárias e de subsídios para populações de baixa renda, mas não há regulamentação ou especificação de quaisquer medidas.

Regionalização

A prestação regionalizada dos serviços de saneamento (prestação integrada que envolve mais de um município) é um dos grandes eixos do novo Marco Legal. A justificativa é garantir a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços com o ganho de escala da prestação e a possibilidade de subsídios cruzados entre municípios mais superavitários e municípios menores e com população de menor poder aquisitivo, modelo comumente adotado pelas empresas estaduais.

A lei busca impulsionar tal estratégia condicionando a alocação de recursos públicos federais e o financiamento com recursos da União à adesão dos municípios às regionalizações propostas pelos estados ou União. Para tal, o novo Marco Legal apresenta diferentes arranjos de regionalização e incorpora o conceito de titularidade que, além da municipal, pode ser também por titularidade compartilhada (regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões) ou gestão associada (proposta na lei como unidades regionais de saneamento básico e blocos de referência).

Polini sugere que o controle social ficará prejudicado em detrimento a das demais iniciativas. “Já que não se aproveitou a oportunidade para se criar realmente um Sistema Único, o governo teme exatamente a participação da população. Os Conselhos e demais órgãos de controle social nao tem quaisquer participação na legislação”, explica. Segundo ela, é importante que a sociedade civil e demais entes estejam de olho no que será executado em 2022, ano eleitoral no Brasil.

O Decreto 10.588/2020 definiu março de 2022 como prazo para que as regionalizações estejam concluídas. Isso inclui a definição dos municípios integrantes e a constituição das instâncias de governança. A regulamentação da regionalização é condição para o recebimento de recursos públicos federais e financiamentos provenientes da União. A formalização da regionalização compreende a constituição da entidade de governança federativa e sua estruturação, que, na maior parte dos casos, ocorrerá por decreto regulamentador.

ANA e responsabilidade para 2022

A Agência Nacional das Aguas e de Saneamento tem prevê a elaboração de 19 normas de referência para o setor de saneamento, o que inclui o abastecimento de água, a coleta e o tratamento de esgoto, a drenagem de águas pluviais urbanas e o manejo de resíduos sólidos. Cabe salientar que não é o único órgão capaz de gerir todo o sistema, mas, sim, de estipular as regras para os demais entes do país.

Em nota, a Agência informa que para se atingir os objetivos estipulados já foi discutido a autorização de concurso público, movimentação de pessoal em número adequado para funcionamento dos processos referentes ao saneamento, inserção de R$ 10 milhões na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para despesas relacionadas à atribuição regulatória da Agência para o setor de saneamento básico e criação de 26 cargos comissionados para a estruturação de setores para atuarem no tema.

“As principais modificações são o aumento do prazo médio para elaboração das normas de referência, que passaram de seis para 12 meses – mudança adotada a partir da experiência de elaboração da primeira norma – e a inclusão do ano de 2023 no horizonte de planejamento da Agenda, de forma a já deixar ajustada aos prazos da agenda regulatória da ANA para os demais eixos de atuação da agência, além do saneamento básico”, alertou a nota.

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Agência para saber o que já está sendo feito para que as metas expostas no marco regulatório sejam cumpridas. A ANA respondeu que é responsável por editar normas de referência para o setor, que não possuem caráter de obrigação, sendo essas normas não vinculantes. “Nesse sentido, já foram publicadas a NR 01 que orienta sobre a cobrança de resíduos sólidos e a NR02 sobre aditivos contratuais”.

Além disso, segundo a Agência, as metas de expansão devem ser objeto dos contratos de prestação de serviço. “Está previsto na Agenda regulatória da ANA para o 2º semestre de 2022 uma norma que trará as Diretrizes para metas progressivas de cobertura de água e esgoto e o sistema de avaliação do cumprimento”, informou.

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