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Quilombolas ainda travam ‘guerra’ com Bolsonaro por direitos básicos na pandemia

24 de setembro de 2020

Quilombos sofrem com falta de dados precisos sobre o número de infectados, ausência de testes e conflitos com grileiros agravados nos últimos meses; comunidades recorreram ao STF para o governo federal agir em cárater emergencial

Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões |  Imagem:  Wallisson Braga

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Desde que começou a pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, as batalhas enfrentadas pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) têm ganhado apoio de organizações nacionais e locais na luta em prol das comunidades remanescentes de quilombos. “Temos percebido olhar maior para essas populações. Não é do estado brasileiro, mas temos tensionado e timidamente recebemos algumas respostas”, diz a coordenadora executiva Celia Pinto.

Ela cita o projeto de lei da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas que prevê um plano emergencial para população quilombola. O projeto aprovado na Câmara e no Senado recebeu 20 vetos do presidente Jair Bolsonaro, dos quais 16 foram derrubados. “Estamos aguardando a efetivação dessa política. O presidente ignora, não respeita, não aceita. Temos travado guerra com o governo federal, entramos com ação, inclusive, para garantir direitos e existência. Não ter direitos básicos é assinar uma carta de matança”, explica.

Mais de 4.500 quilombolas já foram infectados pelo novo coravírus e 156 morreram, de acordo com o boletim epidemiólogico da Conaq, feito de forma autônoma com base nas informações fornecidas pelos estados e municípios. Há um número alto de subnotificação tanto de casos da doença como de óbitos. “Não temos isso como dado oficial. Não tem testagem em massa, só tem esse diagnóstico. Em muitos casos há medicação, mas não fazem teste e só no óbito percebe que é Covid”, afirma Celia.

Além dos efeitos na saúde, a economia das pessoas que vivem nos quilombos também foi afetada. Muitas comunidades tiveram que fechar as porteiras e famílias tiveram que ficar em casa, pois o trabalho tradicional foi atingido pela impossibilidade de escoamento, já que muitas comunidades ficam distantes das cidades. “Temos comunidades que estão em situação extrema, onde famílias estão passando fome”, alerta a coordenadora da Conaq.

Há ainda a negação da doença que atinge, majoritariamente, a população periférica e as comunidades tradicionais, que sem atendimento de saúde se tratam em casa. “A pandemia veio para escancarar aquilo que já se diz há muito tempo: vivemos em país racista, camuflado. Vivemos às margens das políticas públicas dos direitos básicos e, com a pandemia, nos sentimos fragilizados”, reforça Célia.

Conflitos nos territórios se agravaram

Com a crise provada pela Covid-19, os conflitos nos territorios também se agravaram, puxados por grileiros, o agronegócio e grandes empreendimentos. “Eles aproveitaram o momento de fragilidade e começaram a mexer os pauzinhos para ‘passar a boiada’ nos territórios.  Acirrou conflitos agrários de Norte a Sul”, diz a coordenadora da Conaq, citando que há exemplos em Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Maranhão.

Os assassinatos de lideranças indígenas e quilombolas também agravaram a pandemia. “Não sabemos o que nos espera, vivemos o hoje nos preparando para o enfretamento amanhã. Não sabemos até quando conseguimos resistir”, destaca a quilombola.

A principal luta dos quilombolas é a garantia do território, o que tem sido uma tarefa difícil, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro tem cumprido a promessa de não dar titulação aos povos tradicionais. Antes mesmo de assumir à presidência, o então deputado federal afirmou que se eleito não daria “um centímetro de terra” aos povos tradicionais. 

A Conaq pontua que dos 1.715 procedimentos de regularização de territórios abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), apenas 124 foram titulados e em alguns houve apenas titulações parciais. Pouco mais de 7% de todos os processos abertos tiveram um desfecho. 

Ação no Supremo Tribunal Federal

No dia 9 de setembro, a Conaq acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de uma decisão que obrigue o governo federal a adotar medidas em caráter de urgência para combater os efeitos da pandemia da Covid-19 nas comunidades remanescentes de quilombo do Brasil. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada tem o objetivo de informar os ministros da corte sobre violações de direitos humanos e pedir medidas de reparação.

Dentre os pedidos, estão a distribuição de equipamentos de proteção individual, como máscaras, além de água potável, materiais de higiene e desinfecção nas comunidades; segurança alimentar e nutricional; medidas de logísticas que garantam o acesso a leitos hospitalares; testagem regular e periódica; apoio às medidas de isolamento adotadas por quilombolas, como os bloqueios sanitários e notificação compulsória no quesito raça/cor nos casos confirmados de contaminação pelo vírus.

Para pressionar os minitros da corte a apreciarem a ação, há uma mobilização por assinaturas em andamento na internet. Personalidades também saíram em defesa das comunidades quilombolas, entre eles os atores negros Ícaro Silva e Sérgio Malheiros.

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