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O futuro da cidade é branco? O Plano Diretor de São Paulo diz que sim

Revisão do Plano Diretor abre caminho para mudanças perversas, com a transformação da habitação social em fonte de renda por meio da locação, beneficiando os investidores imobiliários - via de regra brancos
Imagem mostra um homem negro acedendo uma fogueira em um viaduto de São Paulo.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

28 de junho de 2023

Por: Gisele Brito, Pedro Rezende e Vanessa Nascimento

A aprovação da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, na segunda-feira (26), deixou evidente que para o prefeito e vereadores interessam apenas planejar o futuro do mercado imobiliário da cidade, tornando tangíveis e seguros seus lucros.

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Depois de uma minuta muito ruim apresentada pelo executivo, o documento substitutivo apresentado pelo vereador Rodrigo Goulart (PSD) e aprovado por 42 parlamentares na primeira votação, e 44 na segunda – incluindo cinco dos oito parlamentares do PT, que compõem a oposição da casa -, não representa melhoras efetivas.

O problema, vai muito além dos impactos na paisagem que prédios mais altos causarão ou do incômodo que mais moradores trariam para bairros hoje considerados tranquilos. Esse compromisso (ou dívida) com construtoras e incorporadoras agrava a crise ambiental, a desigualdade e o racismo que caracterizam a capital paulista.

O amplo incentivo à verticalização, com aumento da rentabilidade para os empreendedores que a revisão do plano propõe expandir, significa o agravamento da segregação racial da cidade. A aquisição de apartamentos empilha uma série de elementos que tornam essa mercadoria inacessível para consumidores negros, pobres e periféricos. O resultado é o aumento das áreas de exclusividade branca da cidade, sendo que em regiões como Higienópolis, Perdizes ou Jardim Paulista, essa população branca ultrapassa 95% do total de habitantes. Assumir a proposta aprovada como sendo a ideal para a cidade, portanto, é uma política racista.

Leia também: Moradia própria ainda é uma realidade distante para a população negra

O incentivo à verticalização, com concomitante barateamento dos custos de construir, aponta um conluio claro entre mercado e Estado. A destinação de fundos públicos e investimento privado para a política habitacional realmente popular, observando mecanismo de equidade racial no atendimento, seria, em tese, uma forma para enfrentar os efeitos racistas dessa forma de expansão.

Duas emendas que se propunham a uma perspectiva antirracista foram apresentadas pelo movimento negro e pela comunidade que tem discutido memória e permanência no bairro do Bixiga, mas nenhuma delas foi levada em consideração.

Mas a revisão do Plano Diretor, pelo contrário, abre caminho para mudanças perversas, com a transformação da habitação social em fonte de renda por meio da locação, beneficiando os investidores imobiliários – via de regra brancos – proprietários dessas unidades. E o que sobra desses recursos públicos, para provisão de habitação popular, raramente se reverte em moradias nas áreas com melhores condições de infraestrutura.

Dessa forma, o novo plano mantém o padrão de desigualdade e segregação racial. É bom lembrar que, desde a aprovação do atual Plano Diretor em 2014, há incentivos para construir ao redor dos eixos de mobilidade – como estações de metrô e grandes corredores de ônibus -, e o que resultou disso foi a produção de micro apartamentos, com metro quadrado caríssimo ou apartamentos destinados para famílias de classe média alta.

Sem objetivos claros no Plano Diretor que pudessem propor um enfrentamento à desigualdade, a função de interesse social das habitações, que deveria atender a população de mais baixa renda, foi totalmente corrompida e manipulada pelo mercado e vereadores, que têm adotado esse rótulo apenas como um recurso de Social Washing.

Os impactos ambientais dos instrumentos que sustentam o Plano Diretor sequer são considerados. Quando são supostamente considerados, expulsas para cada vez mais longe são apenas, e novamente, as pessoas negras, pobres e periféricas, que pagam com suas vidas a partir de quem o Plano realmente vai amparar.

Portanto, em São Paulo, planejar a cidade virou sinônimo de intermediar a organização para a moradia branca de classe média e alta. Vertical ou horizontal, os vencedores – moradores ou investidores imobiliários – sempre foram brancos. Um plano antirracista deveria, ao menos, considerar o perfil racial da população e medir o sucesso ou fracasso de seus instrumentos em assegurar o acesso da população negra e periférica à moradia e a cidade.

A população negra e periférica reconhece muito bem como essa estrutura afeta sua vida cotidiana, apesar de os vereadores eleitos votarem indiferentes ao agravamento dessa segregação. Trata-se de um nó cego causado pela resistência em tratar do racismo na estruturação da cidade. Quem é antirracista precisa trabalhar para desatá-lo.

Gisele Brito é mestra em Planejamento Urbano e coordenadora da área de Direito a Cidades Antirracistas do Instituto de Referência Negra Peregum. Pedro Rezende é arquiteto e urbanista, membro do Instituto de Referência Negra Peregum e pesquisador do LabCidade. Vanessa Nascimento é presidenta do Instituto de Referência Negra Peregum.

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