Cientista social e professor de história na rede estadual de ensino da Bahia, Kleber Rosa nunca sonhou em ser policial, mas há quase duas décadas atua como investigador na Polícia Civil baiana.
O profissional acredita que a polícia brasileira foi criada como uma forma de o governo manter a população negra à margem da sociedade.
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“A partir do pensamento de que os negros são naturalmente propensos a cometer crimes, se entende que essa parcela da população nasceu para ser violenta. A polícia foi pensada para conter os negros de forma preventiva e é o que vemos hoje na sociedade”, explica.
Segundo Kleber Rosa, isso se reflete nas estatísticas de que as pessoas negras são as mais encarceradas e as maiores vítimas de homicídio no país.
Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, apontam que 64% da população prisional é composta por indivíduos negros. O Atlas da Violência 2019 mostra que essa parcela da população foi vítima de 75,5% dos homicídios registrados no país em 2017.
Para o investigador da Polícia Civil, é assim que o fascismo se manifesta no cotidiano da população negra. “Ele se desdobra no encarceramento em massa e no genocídio dos negros. Os dados que temos nos permitem afirmar isso. Então, eu vejo dessa forma o fascismo na segurança pública”, pondera.
Kleber Rosa faz parte do movimento Policiais Antifascismo, grupo fundado em 2017 e que questiona o modo violento de trabalho das corporações. O coletivo conta com aproximadamente 8 mil membros de todo o país, entre policiais civis, militares, guardas municipais e agentes penitenciários.
Roberto Rodrigues atuava na área educacional quando decidiu prestar concurso público para a Polícia Civil de Alagoas. Há um ano e meio na corporação, ele acredita que seu dever é se aproximar da população mais vulnerável.
Ele conta que seu posicionamento o faz ser visto de forma negativa por colegas de profissão. Isso porque, segundo Roberto, ele não se enquadra no perfil tradicional do imaginário popular do que é ser policial.
“Não se trata de ‘ser bonzinho’. A polícia deve estar preparada para atuar na adversidade, em situação extrema, mas também em momentos que necessitam de menos força e mais inteligência para resolução dos conflitos”, defende.
Violência no Nordeste
Ambos policiais civis ouvidos pelo Alma Preta atuam em estados do Nordeste brasileiro que têm as maiores taxas de homicídio do país.
O Atlas da Violência 2019 mostra que a taxa de homicídios no Nordeste chegou a 48 mortes por 100 mil habitantes em 2017. Enquanto no Sudeste, o índice médio de homicídios foi de 26,7 no mesmo ano.
No caso de Alagoas, a taxa de mortes de negros é de 67,9 por 100 mil habitantes, a quinta mais elevada do país. Ainda segundo o Atlas da Violência, no mesmo estado um jovem negro tem 18 vezes mais chances de morrer assassinado do que um jovem branco.
Segurança pública
A opinião de Kleber Rosa e Roberto Rodrigues é a mesma quando se trata das propostas de combate à violência em discussão no governo federal, como o pacote de segurança pública apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Os policiais civis acreditam que as medidas não são eficazes para diminuir os índices de violência, podendo elevar as taxas de assassinato que afetam em sua maioria a população negra.
“Há um extermínio dos negros que é legitimado politicamente, mas não legalmente. O pacote anticrime legaliza essa política, ou seja, o que antes era feito de forma ilegal, passará a constar em lei”, afirma Kleber.
O caminho viável para diminuir o crime no país, de acordo com Roberto, seria investir nas forças de segurança por meio de valorização pessoal, tecnologia e estrutura.
“Policial não quer tapinha nas costas e homenagens póstumas. Não somos heróis, nem cães de guarda. Somos trabalhadores e queremos vida digna e justa”, completa.