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Envolvido na Operação Escudo, policial da Rota tem histórico de execuções

Alma Preta analisou processos antigos do policial Ivan Pereira, um dos participantes da Operação Escudo
Imagem mostra policial da Rota de costas e segurando uma arma.

Foto: Divulgação/Rota

20 de dezembro de 2023

Por: Pedro Borges e Gil Luiz Mendes

A versão oficial é quase sempre a mesma quando alguém é morto pela polícia. Policiais militares vão atrás de um suspeito, este tenta fugir e dá início a uma troca de tiros com os PMs, que revidam e acabam matando o fugitivo. Quase sempre, nessa suposta troca de tiros, nenhum agente de segurança do Estado é atingido e o suspeito, na maioria das vezes, é cravejado de balas.

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Depois disso é aberta uma apuração administrativa pela própria PM, que inocenta os envolvidos alegando que os policiais agiram em legítima defesa. As investigações feitas pela Polícia Civil geralmente são demoradas e com falhas, com diversos pedidos de revisão feitos pelo Ministério Público. O resultado também é o mesmo. Anos após o crime o caso é arquivado.

Se a trama é a mesma, os personagens também. Quem morre são homens negros. Quem mata são policiais. Como exemplo deste tipo de ação, infelizmente rotineira em casos envolvendo a Polícia Militar de São Paulo, há fatos como o policial Ivan Pereira, sargento da Rota.

Integrante da Rota, o PM participou da Operação Escudo, no litoral paulista, que resultou na morte de 28 pessoas. O policial é um dos participantes da ação da primeira morte, a de Fábio Oliveira Ferreira, no dia 28 de julho, por volta das 13h.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) apresentou denúncia contra outros policiais, Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira, pela morte de outra vítima, Rogério Andrade de Souza, em 30 de julho, no período da manhã, no Guarujá. O órgão apura os demais casos e possíveis excessos por parte da corporação na resposta à morte do soldado Patrick Reis, morto na também no Guarujá.

Na ação, os policiais relataram que efetuavam patrulhamento na região, quando se depararam com um indivíduo em atitude suspeita, com um “volume na cintura”, sem mais explicações. A equipe sinalizou que tentou abordar o homem, que fez um movimento de sacar a arma, quando foi baleado pelo capitão Marcos Verardino, que efetuou três disparos. Já no chão, os policiais falam que a vítima tentou reagir, quando o sargento da Rota efetuou mais dois tiros, “neutralizando o indivíduo”, como descrevem os agentes de segurança. Os policiais ainda sinalizam que levaram Fábio Oliveira Ferreira ao hospital e que lá ele faleceu.

Apurações realizadas pela Alma Preta Jornalismo mostram que Ivan Pereira tem um histórico de participar em ocorrências com resultado de morte, inclusive com a abertura de investigações por parte da Polícia Civil e do Ministério Público acerca de possíveis excessos cometidos. O policial da Rota nunca foi julgado e teve dois processos contra ele arquivados.

Em duas situações, ele e outros agentes da Rota, mataram em uma oportunidade um grupo de três homens e em outra situação, um rapaz. Os casos aconteceram em situações similares, com perseguições de carro, nos anos de 2007 e 2008.

Os casos que envolvem o sargento da Rota

No dia 29 de maio de 2008, Ivan Pereira, PM da Rota, participou de uma operação policial que resultou na morte de três pessoas. Uma patrulha passava pela Rua Bento José Borba, no cruzamento com a Estrada do Alvarenga, zona sul de São Paulo, quando três pessoas chamaram os policiais e falaram sobre o roubo de um carro popular vermelho. 

Segundo depoimento do então soldado Ivan Pereira da Silva, junto com ele estavam dois sargento e mais um cabo dentro da viatura, quando avistaram o veículo a “mil metros de distância” e acenderam o sinal luminoso, quando os assaltantes iniciaram uma fuga. 

Os assaltantes fugiram para a altura do número 999 da Estrada do Alvarenga, quando foram obrigados a parar o veículo, por conta de dois ônibus que manobravam no local.

De acordo com o Boletim de Ocorrência (BO), os três homens saíram do carro e dispararam contra os policiais, que revidaram e os mataram. Os policiais ainda afirmaram que os homens foram levados para o Pronto Socorro da Pedreira, mas não resistiram aos ferimentos. A ocorrência foi registrada no 98º Distrito Policial (DP) pelo delegado Wendel Souza, às 21h30. 

Em interrogatório, Ivan Pereira confirmou ter efetuado cinco disparos e sinalizou que todos do grupo atiraram. Uma testemunha que estava no local disse ter ouvido ao menos 11 disparos. 

No Inquérito Policial Militar, os quatro PMs foram absolvidos. A investigação foi feita com uma velocidade que chamou atenção, pois já no dia 4 de agosto, cinco dias após o ocorrido, o coronel Eduardo José Félix de Oliveira, comandante da PM à época, concluiu que os policiais não tinham responsabilidade civil e administrativa pela ação que resultou em três mortes.

O coronel até afirmou em documento oficial que os policiais poderiam responder penalmente, mas o fato das vítimas terem supostamente atirado antes serviria de álibi para os PMs, citando o excludente de ilicitude.

O Ministério Público pediu explicações à PM pela decisão de não dar prosseguimento nas investigações e pediu uma série de documentos para prosseguir com a apuração do caso. Como exemplo do desleixo da corporação com o caso, em janeiro de 2009, mais de seis meses depois do ocorrido, a PM informou que não havia encontrado os documentos da perícia feita nos policiais para saber se havia vestígios de pólvora nas mãos dos agentes.

Pedido do MP, feito em agosto de 2008 junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), defendia que o caso não poderia ser julgado como crime militar como quis a cúpula da PM, mas que fosse levado a Júri popular.  Em fevereiro de 2009, o Ministério Público fez um novo pedido à justiça paulista para saber se o caso foi investigado pela Polícia Civil. 

Em resposta, o TJSP informou que o 98º DP entrou no caso apenas em outubro, cinco meses após o crime. Três dos quatro PMs envolvidos na ação só foram ouvidos pela Polícia Civil em 19 de janeiro de 2009, quase oito meses depois do ocorrido. 

O inquérito da Polícia Civil foi concluído em março de 2011, quase três anos depois do crime. O MP pediu para o caso retornar para o 98º DP para que as vítimas do assalto e os parentes dos mortos fossem ouvidos, já que isso não tinha ocorrido em nenhum momento das investigações.

Em agosto do mesmo ano, o TJSP decidiu que o caso precisava ser investigado pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), que pouco avançou nas investigações e entregou a conclusão do inquérito no final de setembro de 2011. 

Diante dos fatos narrados e apurados, a promotora Manoella Guz, do MP, sinalizou em 28 de outubro daquele ano, que a ação dos policiais ocorreu em legítima defesa e o cumprimento do papel policial de proteção da sociedade.

“Ressalte-se que os averiguados atuaram dentro dos rígidos limites da lei, sem que tenha sido constatado abuso ou excesso, inclusive socorrendo as vítimas e levando-as ao hospital”. Ela então pediu o arquivamento do inquérito policial.

Outro caso ocorreu no dia 20 de junho de 2007, quando um grupo de 11 policiais fez uma busca por outro carro popular, que os policiais notaram ser roubado. A perseguição aconteceu na região da Vila Formosa, zona leste da capital, até o momento que o veículo colidiu numa placa de trânsito. 

Um dos presentes no veículo conseguiu fugir e o outro teria confrontado a tiros os policiais, que revidaram com uma série de disparos. O homem foi atingido por cinco tiros no tórax, chegou a ser socorrido e acabou morrendo.

Na época, o atual integrante da Rota fazia parte do 19º Batalhão de Choque e em depoimento afirmou ter efetuado três tiros contra a vítima. O fato foi registrado pelo delegado Justino Ramos Junior, no 41º DP, por volta das 21h. 

Dois meses depois do ocorrido, o Inquérito Policial Militar foi finalizado, apontando que houve indícios do crime de homicídio por parte dos policiais, mas que era contra a prisão dos mesmos por não haver elementos que justificassem a pena. A decisão também foi contrária a qualquer punição administrativa contra os agentes da Rota.

Em setembro, o MP pediu para que o caso deixasse de ser tratado pela Justiça Militar e passasse para esfera comum, já que se tratava de um crime contra a vida. Em novembro, os policiais foram ouvidos pela Polícia Civil e as investigações ficaram a cargo do 41º DP da Vila Rica. 

Nas investigações, a Polícia Civil ouviu vizinhos do local do crime como testemunhas, assim como o pai da vítima, sem conseguir nenhuma grande novidade sobre os fatos. E em agosto de 2008, mais de um ano após o crime, as investigações foram encerradas. 

Porém, em setembro do mesmo ano, o MP pediu que as investigações fossem retomadas para que fossem feitos exames balísticos e se localizasse a dona do carro para que ela prestasse depoimento. O depoimento da vítima do roubo só aconteceu em julho de 2009, dois anos e um mês após o fato. Em outubro de 2009, o MP pediu o arquivamento do inquérito contra os policiais, alegando que eles agiram em legítima defesa.

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